Os resultados eleitorais do último domingo deixaram uma ferida aberta no PAN, a que se somam agora apontares de dedo no seio do partido e trocas de acusações. André Silva, ex-porta-voz do PAN, fez esta sexta-feira várias acusações num artigo de opinião publicado no jornal Público, que são entretanto totalmente rejeitadas por Inês Sousa Real. A atual líder do PAN devolve as críticas deixadas por André Silva e atira-se ao antecessor, acusando-o de não ter colaborado com o partido nas campanhas eleitorais para as autárquicas e legislativas e de voltar a surgir em público, com críticas, já depois dos resultados eleitorais.

O antigo porta-voz do PAN escreveu que “quem não sabe dançar diz que a sala está torta”, mas Inês Sousa Real devolve as críticas: “André Silva esqueceu-se de fazer autocrítica em relação àquilo que também foi o estado em que deixou a sala”, afirmou durante participação no programa Semáforo Político da Rádio Observador, assegurando: “Acho profundamente lamentável que ele tenha optado por seguir este caminho, que não nos eleva enquanto partido”.

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“São declarações que notam um semáforo avariado”, atirou a líder do PAN, que garantiu não se rever “nesta forma costumeira e até oportunista” de fazer política. Mas as críticas não ficaram por aqui. Inês Sousa Real lembrou que está à frente dos destinos do partido há apenas sete meses, quando André Silva anunciou a saída do PAN por motivos pessoais e que o partido teve de atravessar dois atos eleitorais “e pegar num navio já em andamento”. “Tudo leva o seu tempo, ninguém reconstrói uma casa em sete meses”, prosseguiu.

A porta-voz lembrou até os desaires que o PAN foi tendo ao longo dos últimos anos, com as perdas de um eurodeputado e de uma deputada, que “obviamente trouxeram danos ao partido”. “É muito fácil vir agora criticar ou comentar depois deste resultado. Difícil é levar o barco e tentarmos reerguer o partido depois de toda a confusão que houve nos últimos anos”.

Inês Sousa Real puxou até por algumas pontas que até aqui não eram conhecidas, como o último congresso do PAN. Diz a porta-voz que a liderança de André Silva era criticada pela forma “autocrática e bastante fechada” como geria o partido, para referir que a última reunião magna foi “aberta e fortemente participada pelos filiados”.

Inês Sousa Real abre hostilidades e ataca André Silva referindo “golpes palacianos”

A convidada do programa Semáforo Político desta sexta-feira seguiu depois por um caminho em que até aqui nunca seguiu, algo que pode até fazer questionar se a relação entre André Silva e Inês de Sousa Real não estaria já até numa espécie de “paz podre”, que acabou com o desfecho agora conhecido. A atual porta-voz do PAN garante que não alinha em “sebastianismos” e que “é muito fácil vir agora criticar aquilo que foi trabalho feito por esta direção” depois de se ter “desaparecido e se ter ido à sua vida”, acusa Inês de Sousa Real. O ataque continuou: “Não se prestou sequer a apoiar, colaborar ou passar a pasta, nem tão pouco sequer a abrir ou emprestar qualquer tipo de apoio durante as campanhas do partido”.

Mais. Inês de Sousa Real desenrola o novelo para revelar que já antes do congresso “existiam cartas anónimas, já existiam golpes palacianos, informação que era passada de órgãos cá para fora”. Questionada sobre se essas alegadas missivas eram enviadas pelas mãos de André Silva, a atual líder deixa o assunto no ar, garantindo apenas que as cartas “partiram de várias fontes” e que “há traços comuns que conseguimos reconhecer e identificar” nessas mesmas cartas. Portanto, diz, “há aqui claramente uma jogada interna de quem não dá a cara e agora, pelos vistos, surgem algumas vozes dissonantes”.

No seu texto de opinião, André Silva justificou os maus resultados eleitorais do PAN — que viu reduzidos quatro deputados eleitos para o Parlamento em 2019 para apenas um — com as “causas internas e inteligíveis” e acusou até a atual direção do PAN de ter se assumir como “afilhada” do PS. Na resposta, Inês Sousa Real diz, sem papas na língua, que “André Silva foi quem precisamente não soube reconhecer uma única crítica à governação de António Costa e do Partido Socialista”, garantindo que o partido tem sido uma “forte voz na oposição”.

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Sobre a distância evidente entre antecessor e sucessora, que aliás já se tinha notado na campanha para as legislativas, Inês de Sousa Real foi questionada várias vezes durante essas duas semanas sobre estar a fazer uma campanha de “mulher só”. Garantiu sempre, desconversando, que convidou “todos os filiados” a fazer parte da caravana, afirmando apenas que André Silva “apanhou o comboio da paternidade”, uma decisão que deve ser “respeitada”. Contudo, apenas alguns dias depois, Inês de Sousa Real muda a narrativa e abre o livro.

André Silva “deu como justificação para a sua saída o facto de ter abraçado o projeto da paternidade, o que temos evidentemente de respeitar”, mas “de lá para cá, optou por não se envolver nem participar” nos atos eleitorais do PAN. Se convidou diretamente André Silva para participar? Inês Sousa Real insistiu apenas que entre “todos os filiados não houve exceção”, escudando-se na retórica de que todos os militantes são iguais e que “não há filiados de primeira ou de segunda” no partido.

Líder do PAN reforça que não se demite e revela que nunca mais falou com André Silva

Se dúvidas houvesse, estão agora desfeitas depois da troca de acusações, com Inês Sousa Real a reforçar que os dois não mantêm atualmente contacto. “Ele próprio afastou-se da vida partidária, não compareceu em momentos do partido. As pessoas fazem opções”, notou, assumindo que o antecessor “teve um papel importante no partido”. Contudo, a atual líder mantém-se ao ataque: “Devemos saber continuar com elevação no momento da saída tanto como temos no momento em que representamos o partido”, atira para depois garantir que “o PAN não se esgota nem em André Silva nem em Inês Sousa Real nem nos fundadores”.

Por isso mesmo, a atual líder garante que não está agarrada ao lugar, apesar de não se demitir. Já o tinha dito no discurso da noite eleitoral e volta agora a assegurar isso mesmo: “Temos de fazer internamente uma reflexão do que falhou na nossa comunicação”. “Eu sabia que não ia ser um desafio fácil e não vou desistir nem pôr o lugar à disposição sem ouvir os filiados”, garantiu.

“Não é porque meia dúzia de pessoas vem agora, de forma oportunista, fazer estas afirmações ou acusar e apontar dedos, sem sequer terem uma capacidade autocrítica, que vou de facto pôr em causa um projeto tão importante para o país como é o projeto do PAN”, disse Inês de Sousa Real, que afirma não “precisar da política” para defender aquilo que são os seus ideais.

Bebiana Cunha, de discurso alinhado com a porta-voz, critica timing de André Silva

A agora ex-líder parlamentar do PAN, e cabeça de lista do partido pelo distrito do Porto nas últimas eleições, está agora fora da Assembleia da República, mas nem por isso deixa de comentar as declarações do ex-porta-voz num texto de opinião publicado no jornal Público.

Em declarações na tarde desta sexta-feira à Rádio Observador, Bebiana Cunha revelava já aquilo que seria a estratégia do partido para responder a André Silva. “Este artigo de opinião nada mais é do que aquela política a que estamos habituados”, começou por dizer. “Tal e qual como acontece noutros partidos, depois de resultados desfavoráveis, vêm apontar o dedo publicamente, apresentar-se à posteriori como uma solução, quando decidiu não ajudar o partido nem sequer apresentar a sua estratégia nem tão pouco debatê-la.”

Bebiana Cunha: “André Silva fala de uma sala torta. Convém que ele veja como a deixou”

Bebiana Cunha foi mais longe e deixa claros ataques a André Silva, recorrendo à ironia. “Estamos perante uma eleição que tem sete meses de trabalho, esquecendo aqui André Silva aquela que é a sua autocrítica. Fala no facto de a sala estar torta, convém que ele diga como é que deixou a sala”, acusou. A agora ex-deputada, mas também uma das mais bem posicionadas para uma sucessão futura de Inês de Sousa Real, defende a continuidade da atual direção até ao fim deste mandato, apesar de considerar que deve ser feita uma reflexão interna “nos locais apropriados”.