No primeiro episódio da nova temporada de “Marvelous Mrs Maisel”, a protagonista liga para casa da família e descobre que estes estão a celebrar o aniversário de um dos seus filhos noutra data. “Mas ele só faz anos em novembro!”, reclama. Limitam-se a explicar-lhe que nessa altura não lhes dava jeito e que “o miúdo tem 5 anos, ele sabe lá”. “E tu não ias estar cá de qualquer maneira”, acrescentam. Enquanto Miriam “Midge” Maisel se tornava num fenómeno da comédia, a vida continuou sem ela, assumindo novos contornos. E agora, que tudo ruiu, será que se consegue voltar a encaixar nela? Mais: depois de provar o sucesso, será que quer encaixar? Será isso que a cimenta numa falha sem retorno?
À quarta temporada encontramos a comediante, pela primeira vez desde que começou no stand up, na mó de baixo. No final da temporada anterior, Midge iria correr o mundo a fazer as primeiras partes do maior músico do planeta, mas deitou tudo a perder ao não resistir a fazer em palco piadas sobre a homossexualidade do cantor, num outing forçado. O resultado é ser abandonada na pista do aeroporto, não chegando a embarcar para Praga — ela, uma manager e cerca de 21 peças de bagagem. Um exagero? Sim, mas como tudo em Maisel. A personagem é cartoonesca — sem que haja nada de errado nisso. É uma escolha estilista que resulta, em grande parte porque a atriz Rachel Brosnahan não se esquece de lhe dar humanismo para lá do traço grosso.
[o trailer da quarta temporada de “The Marvelous Mrs. Maisel”:]
Os episódios que agora se estreiam na Prime Video (à cadência de dois por semana ao longo de 4 semanas, em detrimento da lógica binge) chegam quase um ano mais tarde do que estava previsto, cortesia de atrasos provocados pela pandemia. Um dos trunfos será uma personagem interpretada por Milo Ventimiglia — o Jack Pearson de “This Is Us” e Jess Mariano de “Gilmore Girls” -~ que o IMDB revela apenas como uma personagem chamada Handsome Man. A própria criadora da série, Amy Sherman-Palladino, escusa-se a dar mais informação para manter o mistério.
Com ou sem personagens novas, esta temporada parece demorar-se nos outros interveniente deste universo — como o ex-marido, os pais ou a manager de Maisel. No primeiro episódio, por exemplo, a protagonista que dá nome à série aparece relativamente pouco. Neste seu regresso à vida de dona de casa que vive de fiado e tenta roubar o leite aos vizinhos, Miriam é só mais uma peça — algo que logo ela, um tratado tipo fábula quase Wes Andersoniana sobre a emancipação e a autodeterminação, luta para não ser. E esta temporada é muito sobre isso, sobre uma recusa renovada de papeis que já não lhe servem (alguma vez serviram?), sobre o falhanço e como sobreviver a ele. Porque, como diz a própria ao ver um concorrente masculino em palco, “eu consigo fazer melhor e de saltos”.
A cena em que a protagonista tem de admitir perante toda a família que a tour mundial que lhe traria fama e fortuna já não vai existir é, talvez, uma das melhores de todas as seasons, com uma série de berros e equívocos entre diversas cabines de uma mesma roda gigante. Isto prova como “Marvelous Mrs Maisel” regressa com todas as qualidades que lhe vimos até aqui, numa temporada que é uma continuação natural da matéria dada. Continua competente e oleada em todas as suas vertentes, da escrita à representação, da cenografia aos figurinos (aqueles chapéus deviam ter o seu próprio NIF).
Mas, sendo uma mera continuação (como se fosse pouco, já que em nada desilude), deixa apenas a vontade de que seja uma série que saiba quando sair airosamente de cena, na altura certa, antes de todos os seus truques e manias terem virado prato do dia e não uma delicatessen. Digo-o, exatamente, por ser fã: espero que se coíba de uma “anatomia de greyazização” em curso, de achar que personagens fortes e uma mise-en-scène eficaz chegam e sobram para fazer temporada atrás de temporada. Maisel não é um bitoque, é um foie gras. Que se saiba manter assim.