Mais do que a goleada, a atitude. A incapacidade de reagir à adversidade. A postura perdida em campo. A forma como no meio do naufrágio não apareceu ninguém para segurar o barco. A pesada derrota do United no dérbi de Manchester motivou muitas críticas à prestação dos red devils e quase ninguém foi poupado a esse resultado que contrariou o passado recente da equipa no Etihad Stadium (Pep Guardiola só tinha ganho lá um encontro em seis desde que chegara a Inglaterra). Nem mesmo Ronaldo, que por lesão acabou por não participar no jogo grande da última jornada. Também por isso, não foi uma semana fácil no clube.

Deixar Kevin sozinho nunca é um bom filme (a crónica do City-United)

Do mal-estar e estranheza pela viagem do capitão da Seleção Nacional para Portugal quando soube que não estaria em condições para jogar no dérbi às críticas internas às opções e aos métodos do treinador interino Ralf Rangnick, passando pela extensa lista de elementos que pretendem deixar Old Trafford no final da temporada e por um alegado “cãozinho de estimação” do germânico (expressão da imprensa inglesa usada no início da semana) que haverá no plantel, houve de tudo um pouco. Agora, era altura da necessária redenção naquela que prometia ser uma das semanas mais importantes da equipa esta época entre uma receção ao Tottenham importante na perspetiva do quarto lugar e a segunda mão dos oitavos da Champions com o Atl. Madrid. E Ronaldo voltou a estar no centro das atenções na antecâmara do primeiro jogo.

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A lesão fantasma de Ronaldo, um “cãozinho de estimação” do treinador, muitas críticas: o barril de pólvora que é o balneário do United

“Ele treinou ontem [quinta-feira], fez a sessão de treino toda. Espero que treine hoje [sexta-feira] também. Ele treinou bem, então penso que estará disponível para amanhã [sábado]. Se está bem no clube? Não lhe perguntei se está feliz em Manchester ou neste clube. Para mim, o importante é que ele esteja em forma outra vez e que tenha retomado os treinos. Logo veremos que sistema e que onze vamos apresentar. Viagem a Portugal? Não faz sentido olhar para trás e ver o que se estava a passar nos últimos seis ou sete dias. Para mim, é importante o que está a acontecer hoje e amanhã. Não faz sentido passar por isso tudo novamente”, comentou Rangnick na antevisão, passando ao lado da viagem do avançado ao seu país.

Enquanto tudo isto acontecia, Ronaldo ia colocando nas redes sociais imagens de treino com mensagens que fintavam também qualquer polémica. “Trabalho duro para uma forte recuperação. Ansioso por voltar aos relvados e ajudar a equipa”, escrevia. Cumpriu. E além de ter sido apenas o terceiro jogador de 37 anos a marcar dois ou mais golos num jogo da Premier depois de Teddy Sheringham e Graham Alexander, o número 7, que desta vez não contou com o apoio de Bruno Fernandes (doente e em dúvida para terça-feira), tornou-se o melhor marcador de sempre também para a FIFA. Expliquemos: para várias publicações, Josef Bican fez 759 golos em encontros oficiais entre clubes e seleção; para o órgão que tutela o futebol mundial, foram 805. Agora, para todos eles, deixou de haver dúvidas: Ronaldo chegou aos 807 golos e é mesmo o melhor. O G.O.A.T do futebol americano, Tom Brady, escolheu a dedo o dia para ver o G.O.A.T do futebol (ou soccer).

O jogo começou sem grandes motivos de interesse mas com o Tottenham a dar alguns sinais (mesmo sem finalização) de que voltava a encontrar características como as que tinha enfrentado com o Manchester City no Etihad Stadium, com espaço para sair em transições com Son, Kane e Kulusevski como referências. No entanto, e já depois de ter ficado a pedir uma grande penalidade por mão de Doherty, Ronaldo abriu o livro e inaugurou o marcador num movimento que tem sido raro nesta segunda vida em Old Trafford, saindo da zona de marcação dos centrais para receber um passe de Fred e rematar um míssil sem hipóteses para Lloris (12′). Era complicado haver melhor entrada para o Manchester United mas a vantagem acabou por ser ainda pior para uma formação que já estava muito pressionada. Aproveitou, e bem, o Tottenham.

Pouco depois do golo sofrido, e na sequência de uma grande jogada coletiva, Son conseguiu isolar Ben Davies a entrar na esquerda entre lateral e central e o lateral que hoje jogava como terceiro defesa ainda marcou mas o lance seria anulado por posição irregular (18′). E ainda houve um cabeceamento de Eric Dier cortado por Dalot em cima da linha encostado ao poste (26′). O golo parecia uma questão de tempo e surgiu mesmo de grande penalidade, com Harry Kane a fazer o empate depois de um corte com o braço de Alex Telles num cruzamento de Kulusevski (35′). Os londrinos voltavam a entrar na partida mas acabaram por sair a perder ao intervalo por um erro da linha defensiva ao tentar deixar Sancho em fora de jogo, permitindo que o internacional inglês ganhasse pela esquerda e cruzasse para Ronaldo bisar sozinho na área (38′).

O segundo tempo teve menos motivos de interesse mas com o Manchester United a demonstrar uma melhor capacidade de gerir a vantagem usando em parte a estratégia que o Tottenham de Antonio Conte tanto gosta: linhas mais baixas, muita pressão sobre o portador e olhos nas saídas em transição para ferir o adversário. Até as oportunidades foram raras junto às duas balizas, sendo necessário algo diferente para mexer com o jogo como aconteceu com Maguire, a fazer o empate com um autogolo após cruzamento de Reguilón (72′). Voltava tudo à mesma fórmula e com Lloris a fazer a primeira grande defesa do segundo tempo num tiro na passada do inevitável Ronaldo (76′). No entanto, esta era mesmo a noite do português e, na sequência de um canto batido na direita por Alex Telles, o avançado apontou de cabeça o 3-2 ao ângulo (81′).