Antes de receber o Ajax, o Benfica digeria ainda um empate que por pouco não se transformou em derrota no Bessa. Digeria pelas culpas próprias, pelos erros coletivos e individuais, pela fragilidade emocional quando a hora da adversidade chegou. Ainda assim, Nelson Veríssimo não tinha dúvidas. “É jogo de 50/50”. E disse-o mais do que uma vez, quase como se a repetição deixasse o cenário mais perto da realidade. Repetiu-o com convicção e voltou a repetir depois do encontro perante um empate a dois que deixava tudo em aberto para Amesterdão. “É jogo de 50/50”. Aquilo que a equipa fez sobretudo na segunda parte apagou as falhas não aproveitadas pelo Ajax no primeiro tempo e mostrou um conjunto encarnado capaz de ombrear com uma das grandes revelações da presente Liga dos Campeões. Agora, o “jogo de 50/50” ganhava outro sentido.

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Colocando as últimas semanas em perspetiva, aquilo que aconteceu no encontro da primeira mão na Luz foi talvez uma das maiores conquistas de Nelson Veríssimo e entroncava aí a maior explicação para todo o apoio contínuo dos adeptos no empate com o Vizela marcado pela expulsão precoce de Taarabt logo nos minutos iniciais da partida. Aliás, até a própria forma como o Benfica resolveu a receção ao V. Guimarães e conseguiu dar a volta ao jogo no Algarve frente ao Portimonense mostrou um conjunto mais solto, a acreditar mais em si, a revelar outra capacidade de interpretação de uma ideia de jogo assente num modelo tático diferente mas que estava consolidado. De dentro para fora do campo, a quase sobranceria que se percebia entre alguns dos jornalistas neerlandeses que viajaram a Lisboa antes do jogo tinha passado para uma quase euforia por parte dos adeptos encarnados que se deslocaram a Amesterdão em força para a segunda mão.

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“É obrigatório ganhar todos os jogos. Não tem acontecido tantas vezes como gostaríamos mas sabemos que temos um jogo contra um adversário difícil numa fase a eliminar, e o nosso objetivo é sempre ganhar e neste caso passar à fase seguinte. Pela envolvência é um jogo com caraterísticas diferentes mas a equipa certamente dará uma boa resposta para passar à fase seguinte da competição. Esperamos um jogo difícil acima de tudo e devo reconhecer que vamos jogar contra um adversário poderoso e com qualidade. Devemos estar concentrados no que somos capazes de fazer, no processo de jogo, em atacar e defender. Temos de ser muito competentes em todos os momentos de jogo. Para as duas equipas vai ser um jogo de 50/50. Sabemos que precisamos de um nível de competência e ativação muito grande para defrontar este Ajax que também tem as suas fragilidades”, comentara antes da viagem Nelson Veríssimo. Mais uma vez, o “jogo de 50/50”.

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“São duas equipas que gostam de ter a posse de bola, de tentar impor o jogo. Vamos jogar fora, esperamos uma entrada forte do Ajax e temos de ser muito competentes e estar com o nível de ativação muito acima, reconhecendo que o adversário é forte em alguns momentos no jogo ofensivo mas que também tem fragilidades. Temos de aproveitar isso. Esperamos um jogo aberto e competitivo. Em alguns momentos uma das equipas estará no processo defensivo e temos de aproveitar esses momentos de jogo. Eles têm muita qualidade com bola mas estamos muito confiantes, acreditamos no nosso processo e queremos passar à fase seguinte”, acrescentou antes do confronto contra uma equipa que tinha 22 golos… em sete encontros.

Esta noite, ficou em branco. E foi por aí que o Benfica começou a escrever aquela que foi a quinta passagem aos quartos da Liga dos Campeões: apesar da primeira parte sem capacidade de ter bola e jogar de forma vertical, os encarnados beneficiaram do complicador que o Ajax ligou no ataque, aguentaram o nulo até ao intervalo e começaram a conquistar a eliminatória ao intervalo, quando Nelson Veríssimo soube ler o jogo, lançou Meïté no lugar de Taarabt e equilibrou toda a equipa mesmo jogando sem a bola que gosta de ter. Depois, foi um golo de Darwin Núñez na sequência de um livre lateral que fez a diferença. Contudo, a teoria da vitória e da passagem nasceu toda da cabeça do treinador que para já continua como interino.

Ficha de jogo

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Ajax-Benfica, 0-1

2.ª mão dos oitavos da Liga dos Campeões

Johan Cruyff Arena, em Amesterdão

Árbitro: Carlos del Cerro Grande (Espanha)

Ajax: Onana; Mazraoui, Timber (Kudus, 90+7′), Lisandro Martínez, Danny Blind; Edson Álvarez (Brobbey, 81′), Gravenberch; Antony, Berghuis (Klaasen, 81′), Tadic e Haller

Suplentes não utilizados: Tyton, Setford, Schuurs, Rensch, Tagliafico, Labyad, Taylor, Danilo e Daramy

Treinador: Erik ten Hag

Benfica: Vlachodimos; Gilberto (Lázaro, 90+1′), Otamendi, Vertonghen, Grimaldo; Weigl, Taarabt (Meïté, 46′); Rafa, Everton (Yaremchuk, 72′); Gonçalo Ramos (Paulo Bernardo, 90+1′) e Darwin Núñez (Diogo Gonçalves, 81′)

Suplentes não utilizados: Helton Leite, André Almeida, Morato, João Mário, Radonjic, Gil Dias e Henrique Araújo

Treinador: Nelson Veríssimo

Golo: Darwin Núñez (77′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Gonçalo Ramos (67′), Timber (83′), Daley Blind (90+4′) e Gravenberch (90+4′)

Com os regressos de Gilberto, Otamendi e Everton à equipa, Nelson Veríssimo decidiu manter Adel Taarabt no onze à frente de Weigl numa opção que mostrou não só a confiança depois da expulsão com o Vizela mas também a vontade de ter outras características na projeção ofensiva da equipa em detrimento de uma maior capacidade física (Meïté) ou de uma maior capacidade de manter bola (João Mário). No entanto, e logo nos minutos iniciais, percebia-se que parte da estratégia não estaria a funcionar como pretendido pelo número anormal de passe longos que os encarnados faziam sem capacidade de posse e com efeitos limitados a nível de chegadas ao último terço. O Ajax dominava mas, além do golo bem anulado a Haller por fora de jogo de Tadic no início da jogada (7′), só de bola parada conseguiu rematar por Álvarez mas por cima (20′).

Com Álvarez e Gravenberch a tomarem conta do meio-campo e jogando em posições adiantadas e com os dois laterais Mazraoui e Danny Blind sempre projetados por dentro ou por fora mediante as movimentações de Antony e Tadic, o Ajax começava a apertar a malha na saída do Benfica, incapaz de fazer mais de três passes verticais seguidos durante largos minutos perante a pressão asfixiante dos neerlandeses. Um exemplo prático: Taarabt recebeu descaído sobre a direita ainda no primeiro terço de jogo, tentou virar-se mas ficou sem a bola perante a reação à perda com quatro elementos logo em cima. E como os cruzamentos não tinham propriamente os melhores resultados, chegou a artilharia da meia distância para Vlachodimos brilhar entre os postes às tentativas de Antony e Gravenberch, sempre de fora para dentro (35′ e 36′).

O intervalo chegaria mesmo com o nulo mas o Benfica não tinha propriamente muito para recordar a não ser o facto de ter travado o temível ataque dos visitados e também as primeiras bolas em esquemas táticos que depois pecavam por não terem o desvio final, como se percebia também pelo quadro de ações defensivas e os locais onde as mesmas aconteciam em campo (com destaque para Weigl, muitas vezes a colar atrás como um terceiro central). Mais: além da incapacidade de ter posse ou de conseguir ligar movimentos verticais que permitissem esticar mais o jogo, existiam falhas de marcação nunca aproveitadas pelo conjunto da casa mas vistas por Nelson Veríssimo ao intervalo, o que motivou logo a primeira substituição na equipa.

Com a troca de Meïté por Taarabt, o técnico dos encarnados conseguiu promover um jogo de sombras sem bola que equilibrou o Benfica: o francês agarrou mais em Gravenberch, Gonçalo Ramos descia para agarrar em Álvarez e Weigl podia fixar-se mais à frente dos centrais acompanhando os movimentos de Berghuis, o que fez com que o Ajax tivesse apenas um remate com algum perigo e logo a abrir por Tadic, que veio da esquerda para o meio, passou por Otamendi e atirou colocado mas por cima (48′). Os argumentos ofensivos dos encarnados continuavam a resumir-se a um ou outro canto que conseguia ir ganhando quando esticava jogo mas a equipa estava mais estável e só aos 62′ Antony voltou a deixar uma ameaça de cabeça, sendo que o número de passes e más combinações no último terço dos neerlandeses tinha subido e muito, com sinais de impaciência que se percebiam em campo e que começavam a chegar também às bancadas.

O jogo chegava aos últimos 20 minutos com Nelson Veríssimo a repetir uma substituição da Luz na primeira mão, com a aposta em Yaremchuk no lugar de Everton para colocar o ucraniano no meio e Darwin Núñez a descair sobre a esquerda do ataque. Essa alteração por si nem trouxe os mesmos resultados práticos que tivera há três semanas mas foi mais uma opção que trouxe outro poderio ofensivo no jogo aéreo aos lisboetas, que chegaram mesmo à vitória na sequência de um livre lateral de Grimaldo no lado direito e um cabeceamento de Darwin Núnez perante a saída em falso de Onana (77′). Estava conseguida a vantagem, já estava fechada a eliminatória. E se até aí o mérito do Benfica tinha sido segurar o jogo, nos últimos minutos conseguiu destacar-se pela forma como secou todas as iniciativas atacantes dos neerlandeses até ao final.