Depois de, em janeiro deste ano, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) ter indicado que as penitenciárias estariam legalmente impedidas de lidar diretamente com a Polícia Judiciária (PJ) na investigação das mortes ocorridas nos estabelecimentos prisionais, um despacho assinado pela ministra da Justiça vem agora contrariar essa interpretação da lei. Segundo avança o Diário de Notícias, Francisca Van Dunem assinou um despacho a 11 de março, em que determina que todas as mortes de reclusos sejam comunicadas diretamente à PJ.

De acordo com o mesmo jornal, entre 2018 e 2022 a PJ só foi chamada a investigar seis das 303 mortes ocorridas em estabelecimentos prisionais, muitas vezes tomando até conta da ocorrência vários dias mais tarde. Na altura em que estes dados foram revelados, a DGRSP entendia que “decorre da lei que a Polícia Judiciária, enquanto órgão de polícia criminal especializado, não pode ser chamado aos locais do incidente por iniciativa própria/particular. A ser chamado tem de o ser pelo órgão de polícia criminal com jurisdição na área”, como a PSP ou a GNR.

Judiciária só investigou 6 das 303 mortes que ocorreram nas prisões em cinco anos

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Agora, em resposta ao DN, a DGRSP revela: “Foi determinado que – no âmbito das disposições constantes do artigo 36º da Lei 115/2009 de 12 de outubro [Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade] e das constantes no artigo 64º do Decreto Lei nº 51/2011 de 1 de abril [Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais] no que à morte de reclusos diz respeito e que supõe a comunicação ao Ministério Público, a órgão de polícia criminal, ao Serviço de Auditoria e Inspeção, que é coordenado por magistrados, à inspeção Geral dos Serviços de Justiça e às entidades de saúde competentes, bem como a realização de autópsia pela Medicina Legal – os diretores dos estabelecimentos prisionais comuniquem aquelas ocorrências à Polícia Judiciária.”

A Direção geral disse ainda que está “a diligenciar” para que esta medida seja cumprida, revelando que este ano já morreram 12 reclusos nas prisões portuguesas, tendo o último óbito sido a 16 de fevereiro.

A Polícia Judiciária foi, no início do ano, chamada a investigar a morte do jovem Danijoy Pontes no Estabelecimento Prisional de Lisboa, depois de o Ministério Público ter reaberto o processo relacionado com essa morte que já aconteceu há quatro meses.

A morte de Danijoy Pontes ocorreu em setembro de 2021, um jovem são-tomense sem antecedentes criminais que foi condenado a seis anos de prisão pelo roubo de telemóveis nos transportes públicos – atividade a que se terá dedicado durante um mês. Tinha 23 anos e foi encontrado morto na cela – a PSP, chamada ao local, entendeu que não havia razões para pedir a investigação da PJ.

Mas, como noticiou o Público em outubro, havia incongruências neste processo, com a morte a ser considerada “natural possivelmente consequente a patologia cardíaca”. Mas Alice Costa, mãe do recluso, afirmou ter “quase a certeza de que o filho foi assassinado” porque o cadáver tinha “uma marca bem grande na testa” e que as roupas estavam “cheias de sangue”.

O caso voltou a trazer para cima da mesa a investigação das mortes de reclusos nas prisões portuguesas. Ainda este mês, várias dezenas de pessoas manifestaram-se em frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, pedindo justiça pelas mortes na prisão.

Várias dezenas manifestam-se em Lisboa contra mortes na prisão