Limiar da Trilogia: Ato 1/3

Fidelidade Arte, Lisboa, até 20 de maio

Com curadoria do Manicómio, que trabalha com artistas com doença mental, este primeiro ato revela obras muito diferentes de três autores: Micaela Fikoff, Pedro Ventura e Anabela Soares. O desenho de Micaela, retrato obsessivo do ser humano, abre uma perspetiva fechada para um olhar introspetivo que nos coloca ao nível dos olhos dos rostos sucessivamente alinhados. Espécie de labirinto sem o ser, esse alinhamento de figuras joga com a repetição exaustiva, qual tensão, pautada pelas diferenças que pontuam traços mais reconhecíveis, para além dos olhos, a boca, formato de rosto e orelhas. São as cores com que os desenhos se animam ou do papel onde estão fixados que ditam o avançar ritmado da peça, “Traços Marginais”.

O vídeo de Pedro Ventura, sem princípio nem fim, em plano fixo, põe em evidência o passar do tempo, esse peso ou leveza que não sabemos carregar, mas também a hesitação perante o dia que amanhece e escurece, esse deslocamento de momentos e a necessidade ou medo de agir. A porta que se abre e que se fecha, os carros que passam e o corpo que sai e que entra em casa, o lá fora e cá dentro, dois mundos que se hostilizam.

Já a escultura de Anabela Soares, um “Urso” de peluche gigantesco, construído com cobertores do Hospital Júlio de Matos, transporta-nos num passo largo para a infância, um período de felicidade, a julgar pela ternura que o peluche denota e até pelo afago que reclama. O sorriso que arranca a quem o olha, faz deste trabalho uma homenagem admirável à naiveté, a ingenuidade que invade aqueles que ainda percecionam essa fase da vida como o momento mais venturoso da existência, o bonheur que já passou ou que, no caso da artista, nunca existiu.

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Europa Oxalá

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, até 22 de agosto

A imagem forte de dois punhos fechados amarrados por um cinto abre a exposição, uma das mostras do ano, que põe em cima da mesa as memórias dos colonialismos africanos a partir dos seus filhos europeus. São retratos criados por segundas e terceiras gerações sobre um passado mais ou menos brutal que condicionou o presente e se estende ainda ao futuro em forma de esperança ou desesperança. Os trabalhos oscilam entre a instalação, o desenho, a fotografia, o vídeo, a escultura e traduzem uma aproximação sistemática às fronteiras entre mundos, sejam eles físicos, mentais, reais ou imaginários, e resultem elas de diferendos culturais, sociais, políticos ou económicos, vivenciais até. Nota para as obras de Aimé Mpane, Sammy Baloji, Faycal Baghriche, Katia Kameli, e Sabrina Belouaar e para uma certa medição de forças inquestionável entre um continente e o outro.

Exposição “Europa Oxalá” na Gulbenkian: desmontar clichés e trabalhar o legado histórico mal resolvido

Menez

Casa das Histórias – Paula Rego, Cascais, até 2 de outubro

Organizada como o percurso cronológico da pintura de Menez, esta exposição revela os laços que a figuração e o seu esboço denotam na obra da artista e que marcam uma aproximação aos trabalhos desenvolvidos por Paula Rego. A amizade entre as duas pintoras é, de resto, a razão primeira para esta mostra. Mais subtil, muito feminina, na escolha das tonalidades, no rosa e no vermelho tão constantes, Menez avança por um caminho de abstração onde Paula Rego não tem interesse em chegar. Concreta na construção da paisagem e da janela, fonte de prazer para os olhos e de jovialidade para quem a cruza, Menez consegue criar uma pacificação, qual sossego ao olhar que Rego sempre questiona e perturba, nunca abarca. A fragilidade das composições de Menez não se desfaz nem na maravilhosa tapeçaria de Portalegre que reproduz um tríptico de 1988. Sem ação, deleite puro, a obra de Menez ganha o esplendor e a expressão em “Pintura I”, de 1963. Um perfume.

Menez, a pintora “indecifrável” e de “intensa vida interior”, cruza-se com Paula Rego em Cascais