A 4 de janeiro, o jantar em casa da família Mendes Barata foi risotto de cogumelos. O pedido veio da parte de Alexandre, hoje com 18 anos, que nesta data festeja sempre o dia em que entrou na vida do casal, nos tempos em que eram ainda recém-casados.

16 anos depois, o núcleo cresceu. Teresa e Gonçalo Mendes Barata, dois dos protagonistas das “Family Talks: Mais Família, Mais Amor” do AXN White, este ano dedicadas à adoção, são pais de cinco filhos. Alexandre é o mais velho e foi adotado em 2007, quando tinha três anos, quase quatro. “Normalmente, pede para irmos jantar fora. Mas agora tem preferido a comida da mãe. É sempre ele que escolhe o jantar nesse dia”, contam.

A vontade de adotar fazia parte dos planos do casal, ainda antes de se conhecerem: “Já pensávamos neste projeto antes de nos conhecermos, independentemente de termos os nossos filhos biológicos.” Foi um match perfeito.

Sem vontade para aguardar os quatro anos de casados legalmente exigidos para iniciar um processo de adoção plena, o casal foi à procura de outras soluções.  Sem querer, tropeçaram num projeto que iria mudar-lhes a vida.

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“Queríamos começar o processo, mesmo que  só a receber crianças ao fim de semana. O que pudesse ser”, contam. “Inscrevemo-nos na Santa Casa da Misericórdia para acolhermos miúdos, mas entrámos na porta errada (ou na porta certa): o projeto era diferente, estava ainda a arrancar e a ser discutido na Assembleia da República. Acabámos por entrar nele”.

O projeto assemelhava-se mais a uma adoção plena, que era o “plano de fundo” do casal. Traduzia-se num acolhimento permanente e a longo prazo — que incluía também a visita de terapeutas e assistentes sociais —, mas mantendo-se a tutoria da criança a cargo do provedor da Santa Casa da Misericórdia. “Fizemos o mesmo caminho que as pessoas fazem: fomos ter formação, tivemos entrevistas, vieram visitar a nossa casa”, contam.

Em relação à criança que iriam acolher, não colocaram limitação alguma. Era o único caminho que lhes fazia sentido: “Quando se trata dos nossos filhos biológicos, também não sabemos se vão ter problemas ou não. Portanto, neste caso também não escolheríamos.”

A 2 de janeiro de 2007, o casal seguiu com uma bicicleta de criança para o Jardim Calouste Gulbenkian, em Lisboa, onde viu, pela primeira vez, o futuro filho. O sorriso rasgado, o fascínio em relação ao que o rodeava e o trato terno são, até hoje, inesquecíveis. “Fomos passear com ele e com a educadora dele. Oferecemos-lhe a bicicleta. Lembramo-nos imenso de ele olhar para a bicicleta de olhos arregalados, do sorriso rasgado. Nós, com a mão por trás a empurrá-lo, e ele super feliz.”

Foi, desde o primeiro momento, mais um match perfeito na vida do casal: “O Alexandre tem um problema de surdez, o que lhe gerou um atraso na fala, e nesta altura as pessoas tinham imensa dificuldade em percebê-lo”, lembram. “Isto é impressionante: desde o primeiro dia que percebemos tudo o que ele dizia. Mesmo depois de ele ter entrado na nossa família, ninguém o entendia e nós traduzimos. Desde o primeiro dia, é como se tivesse estado grávida dele”, diz Teresa.

No dia seguinte, Alexandre visitou pela primeira vez a sua futura casa, aquela para a qual se mudou logo no dia seguinte. “Na primeira manhã, quando ele acordou, veio ao nosso quarto, meio tímido. Nós convidámo-lo a vir ter connosco. Levantámos os lençóis nos pés da cama. Ele entrou e sentou-se por debaixo dos lençóis — parecia que estava dentro da tenda. Fez um sorriso do qual nunca mais nos esquecemos. Ele nunca tinha tido esta experiência”.

“Nunca foi um assunto tabu e por isso sempre abordado com muita naturalidade”

Pedro Filipe, consultor de comunicação de 37 anos, não sente constrangimento algum ao falar da sua história: “A minha mãe biológica deu-me à luz em Cascais e deixou-me numa cesta, num parque. Ligou à polícia, que me foi buscar. Fizeram-me exames e testes e entrei para o sistema de adoção”.

Pouco depois de também terem entrado no sistema, os seus pais foram contactados. Nesta altura, Pedro tinha quatro meses: “Ligaram-lhes disseram que tinham um menino de quatro meses. Mas alertaram para um ’problema’: era preto. Os meus pais responderam: ‘Ok, mas qual é o problema?’”.

Foi sempre “muito celebrado.” E, desde pequenino, sabe que não “veio da barriga da mãe” e, por isso, é com muita naturalidade que, em casa, este tema foi falado. “Nunca foi um assunto tabu e por isso sempre abordado com muita naturalidade”, conta.“Nunca me senti particularmente diferente por ter sido adotado, por não ter vindo da ‘barriga da mãe’”.

Para o consultor de comunicação, que é mais um testemunho das Family Talks, é muito claro: “Não são os meus pais adotivos. São os meus pais.” Em relação à família biológica, conta que se pôs a hipótese de ir em busca dela, mas que acabou por não acontecer, porque não era essa a sua vontade.

Aquela era a sua família. “Disse uma vez que tinha curiosidade em conhecer a minha mãe biológica e os meus pais disponibilizaram-se para me ajudar. Mas foi uma vontade que durou pouco. As pessoas fazem muito essa questão, sobretudo pela origem africana, mas não é mesmo algo com o qual me debata”.

Pela simplicidade com que sempre foi falada, a adoção nunca foi um assunto na sua vida — nem em casa, nem na escola, nem em lado nenhum. Era uma característica da sua história, com a qual sempre esteve absolutamente tranquilo.

Os pais recordam frequentemente as histórias do tempo em que ele entrou para a família: “Contam várias histórias. Como foi tudo muito rápido. Quando cheguei a casa, eles não tinham praticamente nada pronto. Foram os colegas da mãe que tinham sido pais há pouco tempo que levaram desde berço a roupa”.

“Eu sou a mãe do Alexandre e o Gonçalo é o pai”

O provedor da Santa Casa da Misericórdia mudou e, assim, o projeto que juntou Teresa, Gonçalo e Alexandre foi interrompido. Havia duas opções: devolver as crianças ao sistema ou manter o acolhimento. Para o casal, não houve dúvidas. Desde o primeiro dia que Alexandre se tornou parte da família. Foi de imediato um filho desejado e amado.

No decorrer dos novos acontecimentos, o casal iniciou o processo de adoção plena, que ficou concluído em 2009. Entretanto, no correr dos anos seguintes, a família cresceria com o nascimento de quatro filhos.

Tal como no caso de Pedro, a adoção nunca foi um tabu para esta família. Nunca gerou constrangimentos.  Teresa e Gonçalo fizeram com este tema o que é suposto fazer com qualquer outro: esclarecendo as questões dos filhos, sem dramatizar, e adequando as respostas a cada idade: “O Alexandre sabe que é adotado e os irmãos também sabem. Mas sempre foi tudo feito à medida deles, conforme a idade deles. Nunca foi um tema dramático cá em casa”.

Sempre que lhe perguntam sobre se tem receio que o filho queira conhecer a mãe biológica, Teresa responde o mesmo: ”Se ele quiser conhecer a mãe dele, não há problema nenhum. Não tenho medo que perca o amor que sente por mim. Eu sou a mãe do Alexandre e o Gonçalo é o pai”.

A prioridade será sempre o bem-estar de Alexandre: “Se este assunto vier a ser uma inquietação e houver a necessidade de ele resolver algo dentro dele, eu vou ajudá-lo”.

Sobre potenciais dificuldades de adaptação num processo de adoção, o casal considera que é fundamental que não existam dúvidas. Tem mesmo de existir uma vontade de fundo. Tem mesmo de ser a sério, como quando se planeia ter um filho.

Além disso, encaram o tempo do processo como se fosse uma gestação: “Uma gravidez também demora nove meses. É o tempo que a pessoa tem para se preparar. O Alexandre já tinha nascido no nosso coração antes de aparecer. Foi o que aconteceu com os nossos outros filhos, durante a gravidez”.

Infografia: Joana Figueirôa

“Se teimarem em esconder uma adoção, a criança pode-se sentir traída”

É fundamental que as crianças conheçam a sua história, considera Eduardo Sá, psicólogo clínico e psicanalista, com um extenso trabalho desenvolvido no âmbito da saúde familiar e da educação parental.

Ou seja, nunca se deve esconder a uma criança o facto de esta ter sido adotada: “Se teimarem em esconder uma adoção, uma criança pode-se sentir traída pelos pais que a adoptaram. E isso funciona como um segundo abandono, com consequências gravíssimas para o seu desenvolvimento”.

Mas nem todos os pormenores devem ser abordados. “Há assuntos que, pela crueldade que representam, não se ganha que a criança saiba”, considera. Ainda assim, o psicólogo realça que, da forma certa, todas as questões podem ser respondidas e todos os temas podem ser debatidos: “Com sensatez e com ponderação, os assuntos podem ser abordados. Tudo depende da forma como isso se processa”.

Tanto no caso de Pedro, como no caso da família Mendes Barata, não houve um momento específico em que se tenha revelado a adoção. Ela foi fazendo parte da história da família.

Posto isto, existirá uma idade certa para contar a uma criança que ela foi adotada? Para Eduardo Sá, os 4 anos — ou os 4 e os 6, num intervalo mais alargado — são a idade ideal. “Em primeiro lugar, porque um assunto como este não é absolutamente estranho para quem o viveu ‘na pele’.  Depois, para que nunca se corra o risco que o tema da adoção venha a ser, acidentalmente, abordado na escola, no meio de uma picardia de crianças, com tudo o que isso pode trazer consigo.”

O apoio psicológico a uma criança adotada nunca deverá acontecer pelo simples facto de ter sido adotada: “Depende, sobretudo, das sequelas que tragam. Ou das dificuldades que venham a revelar. Nunca ‘só’ porque foram adotada”.

A família Mendes Barata e Pedro Filipe são apenas duas das sete histórias de adoção que poderá conhecer.

Para celebrar o Dia da Mãe e o Dia Internacional da Família, ambos no mês de maio, o AXN White dedicou a terceira edição das conversas “Family Talks: Mais Família, Mais Amor” à adoção, família de acolhimento e apadrinhamento civil, mostrando, através de vários testemunhos, que a definição de família não depende de laços de sangue. Desmistificando e esclarecendo várias questões em torno desta temática — que constitui, desnecessariamente, um tabu para tantos — a iniciativa conta com sete episódios e histórias reais. Testemunhos na primeira pessoa, que inspiram e que podem ser ouvidos aqui.