O padre jesuíta alemão Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores e um dos homens fortes do Papa Francisco para o combate aos abusos sexuais de menores na Igreja Católica, disse esta terça-feira em Lisboa que a criação de uma comissão independente para investigar os abusos na Igreja é “um grande passo” para a Conferência Episcopal Portuguesa.
“Tenho recebido com grande alegria as novidades” sobre a comissão, disse Zollner aos jornalistas, numa conferência de imprensa à margem do colóquio “Abuso sexual de crianças: conhecer o passado, cuidar do futuro”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, organizado pela comissão independente portuguesa.
Abusos na Igreja. Comissão independente já recebeu 326 testemunhos de abusos
Hans Zollner salientou que a criação da comissão independente representa um “esforço muito sério” por parte da Igreja Católica em Portugal para desvendar a história dos abusos de menores ao longo das últimas décadas. O alemão destacou que os membros da comissão são “pessoas altamente reputadas e reconhecidas” e, acima de tudo, “independentes”.
Frisando que tem estado em contacto regular com a comissão portuguesa, o colaborador do Papa Francisco disse acreditar que o líder da Igreja Católica “está a seguir atentamente as notícias de Espanha, Itália e Portugal“, países onde o tema das investigações aos abusos de menores na Igreja está atualmente em cima da mesa.
No entender do responsável do Vaticano pelo combate aos abusos, o trabalho deste tipo de comissões independentes faz parte de um processo através do qual a Igreja Católica enfrenta a sua própria responsabilidade na crise. No entanto, Hans Zollner lamenta que haja, no seio de uma Igreja cuja doutrina dá especial destaque aos valores do perdão e da misericórdia para os que se arrependem dos seus erros e pecados, uma “dificuldade em enfrentar” a responsabilidade própria.
“Há algo na cultura católica que torna, aparentemente, quase impossível dizer: admito que errei e assumo as responsabilidades, abdico, assumo uma penitência”, disse Zollner aos jornalistas. “Não consigo perceber como é que é tão difícil, também para os responsáveis da Igreja, admitir o que correu mal. Quer dizer, acreditamos no perdão. Se perdoamos as pessoas com base no seu arrependimento individualmente, porque é que não podemos perdoar — e pedir perdão — enquanto instituição?”
Hans Zollner destacou ainda que é “importante que as comissões possam fazer o seu trabalho de forma independente, sem que haja qualquer tipo de interferência” por parte da hierarquia católica.
Mais tarde, depois da conferência de imprensa, Zollner interveio na conferência para apresentar uma comunicação sobre os esforços da Igreja Católica sob o Papa Francisco para combater os abusos de menores. Na intervenção, o sacerdote alemão disse já ter viajado até 70 países para falar sobre a crise dos abusos na Igreja e afirmou ter encontrado “padrões que se repetem em todo o mundo”.
“A falta de vontade em assumir o que correu mal e em corrigir o que correu mal. A resistência e a relutância em aceitar o que aconteceu — em aceitar os factos”, disse. “Isso faz-me questionar: enquanto Igreja, acreditamos no que proclamamos? Que a verdade nos liberta?”
“Enquanto Igreja, temos de assumir que cometemos erros e que até encobrimos crimes“, afirmou ainda, elogiando a Igreja portuguesa por ter dado um “passo em frente” e por ter “aprendido algo” com os casos de outros países, onde a Igreja demorou mais tempo a agir. Zollner lembrou que a Igreja Católica não tem uma hierarquia do estilo militar e que, por isso, surgem frequentemente situações em que as responsabilidades ficam por assumir — mas destacou que a instituição tem feito um caminho assinalável de mudança interior.
“Mais nenhuma instituição no mundo investiu mais que a Igreja na proteção das crianças hoje”, disse Zollner. Mas acrescentou: “temos de fazer melhor a lidar com o passado“.
Zollner falava numa conferência organizada precisamente pela comissão independente que está a investigar os abusos sexuais de menores no seio da Igreja Católica ao longo das últimas décadas. A comissão, que foi mobilizada pela Conferência Episcopal Portuguesa, é dirigida pelo médico pedopsiquiatra Pedro Strecht (que acompanhou as vítimas do processo Casa Pia) e inclui o psiquiatra Daniel Sampaio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o juiz e ex-ministro Álvaro Laborinho Lúcio, a assistente social Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.
Até esta semana, a comissão já recebeu 326 testemunhos de vítimas de abusos — histórias que dizem respeito a um período temporal desde a década de 1950 até à atualidade.