O Governo levou, esta quarta-feira, à concertação social as medidas de alteração à lei do trabalho — na chamada agenda do trabalho digno — que não tinha negociado com sindicatos e patrões, mas sim com os partidos à esquerda, em outubro, para a viabilização do primeiro Orçamento do Estado para 2022. Será assim discutido agora o alargamento da compensação por cessação dos contratos de trabalho a termo e o aumento do pagamento por trabalho suplementar a partir das 120 horas anuais.

“A Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, discutida com os parceiros sociais em sede” de concertação social ao longo de 2021, “é agora retomada para que se conclua o processo”, após o período de consulta pública, refere um documento distribuído aos parceiros sociais. A Agenda volta a estar em cima da mesa porque o Governo reconhece que “existiram matérias que não foram discutidas” com sindicatos e confederações patronais.

Em outubro, a Agenda causou atritos entre Governo e parceiros sociais quando o Executivo incluiu à última hora, sem ter avisado sindicatos e patrões, duas medidas negociadas com os partidos à esquerda para a viabilização do Orçamento do Estado: o aumento das compensações por cessação dos contratos a prazo (termo certo ou incerto) de 12, ou 18, para 24 dias e a reposição do pagamento das horas extraordinárias a partir da 120.ª hora para os valores pré-troika (para 50% na 1.ª hora em dias úteis; para 75% a partir da 2.ª hora e 100% nos dias de descanso e feriados).

Essas medidas, por não terem sido apresentadas na concertação social nem negociadas nessa sede, motivaram a saída temporária das confederações patronais desse órgão, ao qual voltaram semana depois, e após um pedido de desculpas de António Costa.

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As duas medidas são agora retomadas pelo Governo, assim como o reforço do “papel de admissibilidade da arbitragem necessária na prevenção de vazios de cobertura da negociação coletiva”, que permite atrasar a caducidade das convenções coletiva, para que se dê início a um processo de arbitragem.

Estas medidas juntam-se a outras apresentadas à concertação social de combate à precariedade e ao falso outsourcing ou dirigidas aos estafetas das plataformas digitais. São exemplos a renovação até 2024 da suspensão dos prazos da caducidade das convenções coletivas; a redução do número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporária de seis para quatro contratos; a proibição de recurso a outsourcing durante 12 meses após despedimento coletivo ou por extinção dos postos de trabalho; o reforço do poder da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) na conversação de contratos a termo em contratos sem termo; a presunção da existência de um contrato de trabalho com os operadores de plataformas quando se verifiquem indícios de relação entre plataformas e prestador de atividade e entre este e os clientes; ou a criminalizarão do trabalho totalmente não declarado, com prisão até três anos ou multa até 360 dias.

Este conjunto de medidas não avançou devido ao chumbo do primeiro Orçamento do Estado para 2022 e consequente dissolução da Assembleia da República. As novas alterações terão de voltar a ser aprovadas em Conselho de Ministros para poderem entrar na Assembleia da República.

Sem acordo à vista, ministra quer alterações “rapidamente” no terreno

À saída da reunião desta quarta-feira com o Governo, sindicatos e confederações patronais mostraram-se insatisfeitos com o pacote legislativo proposto. Mas a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, diz que a prioridade é “cumprir” a agenda “rapidamente”.

A ministra mostrou, no entanto, “disponibilidade” para “melhorar aquilo que os parceiros nos possam apresentar como melhorias”, não se comprometendo com alterações específicas. Questionada insistentemente sobre o Governo avançaria mesmo sem acordo, Mendes Godinho foi repetindo que o Executivo quer “equilibrar as diferentes posições”, mas procura “garantir que esta agenda seja eficaz e rapidamente implementada para promover o trabalho digno”.

Do lado das confederações patronais, foi a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) a mostrar desagrado com a proposta. Luís Mira, secretário-geral, diz que o aumento da compensação por cessação dos contratos a termo estava incluído no acordo firmado em 2012, que incluía também a criação do fundo de compensação do trabalho (FCT) — para o qual os empregadores descontam 1% dos salários dos novos trabalhadores.

O FCT foi criado como contrapartida pela redução das compensações por despedimento e serve para ajudar a pagar eventuais compensações. No programa do PS, prevê-se mexidas nesse fundo e é isso que a CAP quer ver, para admitir viabilizar um acordo no âmbito da agenda do trabalho digno. “Sem essa parte não há condições para chegar a acordo nenhum”, frisou Luís Mira.

Mas questionada sobre o assunto, Ana Mendes Godinho não se comprometeu: “Estamos sempre disponíveis para avaliar o que funciona e não funciona”, respondeu.

O responsável da CAP aponta que, com este pacote, apenas a entidade empregadora tem um “aumento de despesas”. No caso das horas extraordinárias, “estamos a falar de aumentos de 100% nos três escalões, o Governo parece que ignora a falta de mão de obra que existe”.

No lado dos sindicatos, UGT e CGTP reconhecem que há medidas importantes, mas dizem que o Governo devia ir mais além. Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, defende que a alterações propostas “reequilibram” a relação laboral “a favor do patronato”.

Um dos pontos que critica é a atribuição a um tribunal arbitral da decisão sobre a caducidade de uma convenção coletiva quando “os sindicatos é que têm de negociar”. “Não pode ser agora um tribunal arbitral a decidir o que vai acontecer aos direitos dos trabalhadores”, indicou. A CGTP pedia ainda a revogação, e não suspensão, da caducidade das convenções coletivas e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.

Quanto ao aumento do valor do trabalho suplementar, Isabel Camarinha diz que se “repõe alguma coisa que tinha sido retirada no período da troika”, mas critica que seja só a partir da 120.ª hora. “Era uma questão de reposição, estes valores foram retirados no período de memorando da troika e governo PSD-CDS.”

Da parte da UGT, Mário Mourão, refere que as propostas ainda serão discutidas com os órgãos da central sindical. “A UGT demonstrou a sua disponibilidade para voltar a trabalhar”, disse, assegurando que não tem “linhas vermelhas”. Questionado sobre se concorda com os pontos da agenda, respondeu: “A UGT entende que há um caminho a fazer na reposição daquilo que a troika nos tirou. Os passos que estamos a dar é no sentido de evoluirmos, aproximar as nossa posições.”

Os parceiros têm até dia 20 de maio para enviar propostas de alteração da agenda do trabalho digno e voltam a reunir com o Governo no dia 25.