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Foguetão chinês vai cair. Mas (mais uma vez) não se sabe quando, nem onde

Este artigo tem mais de 1 ano

Até agora nunca ninguém morreu por lhe ter caído lixo espacial na cabeça (que se saiba), mas a China é criticada por subestimar o risco, que vai crescer à medida que os detritos se acumulam em órbita.

China Launches Wentian Lab Module
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A multidão assistiu ao lançamento do foguetão numa praia a poucos quilómetros do local

Luo Yunfei/China News Service via Getty Ima

A multidão assistiu ao lançamento do foguetão numa praia a poucos quilómetros do local

Luo Yunfei/China News Service via Getty Ima

Um foguetão chinês (bastante grande) pode vir a cair na Terra e ninguém — pelo menos, fora da China — sabe onde. Pode soar a “dejá vu“, notícia requentada ou que, por engano, entrou num artigo com vários anos, mas não. O foguetão foi lançado no domingo, pelas 7h20 (hora de Lisboa) com um novo módulo da estação espacial chinesa e não vai ter um regresso coordenado ou orientado — está em órbita, é descartável e pode cair… algures. Tal como aconteceu com 1.500 materiais de várias nacionalidades nos últimos 30 anos.

O lançamento de veículos espaciais, sondas, cápsulas ou outros equipamentos e módulos construídos pelo homem para o espaço implicam que seja usado um foguetão de motores potentes (e outros a ajudar), que vença a força da gravidade (que puxa os objetos em direção ao centro da Terra) e que ultrapasse a linha de Kármán — o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior, a cerca de 100 quilómetros de altitude. Antes ou depois deste limite, o foguetão vai-se libertando das peças que já não lhe são úteis ou que lhe travam o caminho em direção ao espaço.

Todos os três lançamentos de foguetões Long March 5b com módulos para a estação espacial chinesa tiveram o mesmo fim: largaram a carga, ficaram “à deriva” na órbita da Terra e caíram em qualquer sítio não programado (este terceiro ainda não, mas vai acontecer). Ora estes estão entre os seis objetos mais pesados, criados pelo homem, que alguma vez caíram na Terra de forma não controlada, segundo o astrónomo Jonathan McDowell, do Centro para a Astrofísica Harvard-Smithsonian — os outros três há mais de 30 anos.

O lançamento acontece a partir das 3h32 de gravação e pode ser seguido durante 15 minutos, conforme o vídeo de um canal de notícias internacional da China, em inglês, pertencente ao grupo estatal China Global Television Network.

No vídeo de lançamento do foguetão chinês — à semelhança do que acontece com outros tantos lançamentos a que a humanidade já assistiu — vê-se, primeiro, a libertação dos quatro “boosters” (ou foguetes auxiliares), que têm como função dar o máximo de impulso ao foguetão principal durante a primeira parte do lançamento. Consoante a estratégia da agência espacial ou da empresa privada, este tipo foguetões pode ter uma queda controlada (com paraquedas) e ser recuperados ou despenharem-se num ponto do planeta.

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Num segundo momento, uma das extremidades abre-se, expõe o módulo da estação espacial e descarta as placas que protegiam o equipamento (e que também vão engrossar a lixeira espacial). Num momento final, o foguetão chinês, de 57 metros de comprimento e cinco de diâmetro, separa-se da preciosa carga e fica a levitar no espaço, até que vai caindo na órbita e depois em direção à atmosfera terrestre. O módulo seguiu viagem e, neste momento, já se encontra junto das restantes unidades da estação espacial chinesa, que está em funcionamento e já recebeu três missões de astronautas.

 Quedas não controladas de missões chinesas:

  • Em 2021, o foguetão Long March 5b terá caído no oceano Índico a norte das Maldivas;
  • Em 2020, o foguetão o foguete Long March 5B lançou um protótipo de uma cápsula espacial chinesa – parecida com a Crew Dragon, da Space X, que caiu no oceano Atlântico, ao largo da costa ocidental africana, ao fim de 10 dias em órbita, com alguns detritos a atingirem duas aldeias na Costa do Marfim;
  • Em 2018, o protótipo de teste da estação espacial chinesa, com oito toneladas, fez uma reentrada não controlada e ardeu sobre o oceano Pacífico.

Por enquanto, a estrutura lançada continua em órbita, onde deixou o módulo que carregava — e não é um problema menor ter um destroço espacial de cerca de 21 toneladas (se pesado na Terra) que pode colidir com qualquer um dos satélites que orbitam o nosso planeta para garantir comunicações, vigilância meteorológica e ambiental, etc.

As autoridades norte-americanas, que acompanham estas situações por questões de segurança, ainda não informaram que tenha reentrado na atmosfera da Terra. E o risco de que caia sobre uma zona povoada, sobretudo no hemisfério norte, é extremamente reduzido — sendo este o argumento da China para as entradas não controladas de materiais vindos do espaço. Mas a preocupação reside no facto de este foguetão ser particularmente grande — só esta parte tem a altura aproximada de um prédio de 10 andares.

Foguetões de várias agências espaciais, incluindo o Long March 9 da China, com indicação do nome, país de origem, altura e capacidade de carga

Efa/Wikimedia Commons

“A China não está a fazer nada que os Estados Unidos não tenham já feito no espaço”

Os Estados Unidos, as agências ligadas ao espaço, forças militares e segurança, assim com os representantes de outros países têm criticado a China por não ter em consideração o risco criado para as populações humanas. A China, por sua vez, responde que os Estados Unidos estão a empolar o problema e que o risco é praticamente irrelevante. A própria SpaceX deixou um foguetão em órbita, em 2016, que acabou por cair na Indonésia.

De facto, até ao momento não se conhecem vítimas humanas resultantes da queda de foguetões ou outros equipamentos espaciais fabricados pelo homem — com exceção dos acidentes com astronautas a bordo. Mas depois de alguns incidentes — sem vítimas, mas que fizeram recear o pior —, as agências ocidentais têm-se esforçado um pouco mais (mas nem sempre) para, pelo menos, fazerem cair estas grandes estruturas no oceano onde o risco de causarem vítimas é menor.

Neste processo, foi definido que o limite de risco de magoar alguém seria de um para 10 mil, como reportou o jornal The New York Times (NYT). Apesar de arbitrário, o limite “tem sido amplamente aceite [mas não pela China]” e existe a preocupação adicional de que, “quando vários detritos espaciais reentrarem na atmosfera da Terra, o risco aumente até ao ponto em que alguém vai acabar por ficar ferido”, disse Ted Muelhaupt, especialista em lixo espacial na Aerospace Corporation, uma organização sem fins lucrativos financiada pelo governo federal, citado pelo jornal norte-americano.

“A China não está a fazer nada que os Estados Unidos não tenham já feito no espaço”, disse Joan Johnson-Freese, antiga presidente do Departamento de Segurança Nacional, citada pelo NYT. “Mas está a chegar a uma paridade técnica, o que é de grande preocupação para os Estados Unidos.” A professora do Colégio de Guerra Naval norte-americano compara a corrida ao espaço destes dois países com a “História da Lebre e da Tartaruga”, em que a lebre (Estados Unidos) arrancou mais rápido e a tartaruga (China) foi mais lenta. Mas esta tartaruga parece, agora, ter arranjado patins a jato.

Com mais equipamentos no espaço, o risco para as pessoas vai aumentar

O risco da queda de lixo espacial sobre locais habitados sempre foi tratado como negligenciável, confirmam os autores da análise publicada na revista científica Nature Astronomy, já este mês de julho. “Mas o número de corpos de foguetões abandonados em órbita está a crescer, enquanto os corpos de foguetões de lançamentos do passado continuam a reentrar na atmosfera.”

Ou seja, o risco é calculado caso a caso, para cada lançamento feito, mas com o aumento de lançamentos, o risco de uns começa a acumular com o dos outros. Só nos últimos 30 anos houve 1.500 objetos que saíram da órbita da Terra em direção à superfície do planeta, de acordo com os cálculos dos investigadores das universidades da Colúmbia Britânica e de Vitória (no Canadá).

As recentes melhorias na tecnologia e na concepção das missões tornaram desnecessárias a maioria das reentradas descontroladas [na atmosfera], mas os Estados e empresas de lançamento mostram-se relutantes em suportar o aumento dos custos envolvidos”, concluem os autores do artigo.

Os investigadores defendem que, não só o risco de danos para as populações humanas deve ser tido em conta, como os países em maior risco devem exigir aos países que efetuam os lançamentos para se empenharem na prevenção. Dito de outra forma, apesar de a larga maioria dos lançamentos serem feitos por países no hemisfério norte, os países que estão “na mira” dos detritos cadentes em desgoverno são os da região do equador e hemisfério sul.

“As latitudes de Jacarta, Dhaka, Cidade do México, Bogotá e Lagos têm, pelo menos, três vezes mais probabilidade de ter um foguetão a cair sobre eles, do que as de Washington, DC, Nova Iorque, Pequim e Moscovo”, de acordo com um tipo de estimativa feito e tendo por base a atual configuração de materiais em órbita. Em termos globais, alertam os autores, haverá na próxima década um risco de 10% de a queda do lixo espacial causar uma ou mais vítimas.

A equipa de Michael Byers, investigador no departamento de Ciências Políticas da Universidade da Colúmbia Britânica, defende mesmo a intervenção das Nações Unidas no estabelecimento de um acordo global como aconteceu com outros assuntos, por exemplo, os CFC que danificavam a camada de ozono.

O astrónomo Jonathan McDowell, que não esteve envolvido no estudo, mostra a queda descontrolada de satélites: “Dos 260 satélites Starlink que reentraram até agora, temos locais de reentrada para 102. Este gráfico ilustra que os locais são aleatórios, consistente com o fato de que a última semana do seu decaimento orbital e a reentrada não são controladas”.

Os equipamentos que são deixados em órbita sem controlo da descida depois de cumprida a sua função podem colidir com satélites operacionais ou mesmo explodir em milhares de pedaços que, em vez de reduzirem o risco para as pessoas, podem multiplicá-lo, alertam os investigadores das duas universidades canadianas. Basta imaginar que impacto teria a queda de apenas um desses fragmentos sobre um avião de passageiros.

Conseguir controlar a descida dos foguetões e de outros equipamentos fabricados pelo homem — através de propulsão própria e controlo à distância — permitiria fazer com que estes despojos espaciais caíssem no oceano ou em áreas desabitadas ou, melhor ainda, que descessem sobre uma zona onde os materiais pudessem ser recolhidos e reutilizados (ou descartados convenientemente).

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