O Sindicato Independente dos Médicos afirmou esta quinta-feira que as declarações do Presidente da República sobre as escusas de responsabilidade são “uma tentativa de interferência no sistema judicial”, além de “tentar condicionar” a atividade dos médicos na defesa dos doentes.

Numa entrevista à CNN, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que as “escusas de responsabilidade não valem nada juridicamente”, defendendo que é preciso as pessoas olharem para o direito e que “há casos em que a lei permite [invocar escusa de responsabilidade], mas, em regra, não permite”.

Sob pena de, em diversas atividades públicas (…) sem encontrar maneira de a pessoa poder invocar realidades objetivas, como a falta de dinheiro, a falta de orgânicas, de estruturas, para não cumprir a sua missão. Eu tive que explicar numa ou noutra situação em que apareceram com essa invocação e eu digo “olhe que isso não vale nada juridicamente”, afirmou o chefe de Estado.

Estas declarações geraram críticas por parte do secretário-geral do Sindicato dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, e do presidente da Federação Nacional do Médicos (FNAM), defendendo que a preocupação deve centrar-se no problema que leva os médicos a apresentar este documento.

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O senhor Presidente da República, que é uma pessoa que, ao longo da minha da minha vida, aprendi a respeitar e muitas vezes a apoiar, ultimamente tem falado de assuntos onde parece evidente [que] não os estuda, porque quando fala sobre minutas de isenção de responsabilidade esquece que essas minutas são emitidas para defender os doentes, não é para defender os médicos”, disse à Lusa Roque da Cunha.

Esclareceu que o efeito das minutas não é isentar os médicos da responsabilidade criminal, porque essa será identificada pelos tribunais, mas visam defender os médicos das questões éticas e deontológicas a que estão obrigados por parte da Ordem dos Médicos.

Visam também a defesa dos médicos em termos de processos disciplinares: “Quando a entidade empregadora entende emitir ou abrir um processo disciplinar esta isenção permite, naturalmente, alertar que não estavam criadas as condições”.

São “um alerta” que os médicos fazem para exigir condições de segurança ao Governo, disse Roque da Cunha, que gostaria que o Presidente da República se juntasse aos médicos no sentido de “exigir mais investimento no Serviço Nacional de Saúde”.

Para o líder sindical, as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa “não são um incentivo” para os médicos que exercem, “muitas vezes, abaixo dos mínimos e sem condições”.

Eu acho que o senhor Presidente da República, com este tipo de atitude, está a tentar interferir na separação de poderes (…). Custa-me muito afirmar isso, mas da forma como aparece esta notícia é claramente, do nosso ponto de vista, uma tentativa de interferência no sistema judicial, para além de tentar condicionar a atividade dos médicos defesa dos seus utentes”.

Ressalvando não ter ouvido a entrevista quando falou, o presidente da FNAM, defendeu, por seu turno, que a principal preocupação que deve existir relativamente há “imensa quantidade” de médicos que colocam a escusa de responsabilidade “não deve ser da sua validade jurídica ou não”, mas o problema que subjaz a essa decisão dos médicos.

Os médicos não estão a querer dirimir responsabilidades, estão a querer colocar a tónica da responsabilidade em quem a tem não oferecendo as condições mínimas necessárias para que o trabalho se possa desenvolver com os mínimos de qualidade”, salientou.

Para o presidente da FNAM, a falta de condições é que devia suscitar “um grande nível de preocupação e não propriamente uma avaliação jurídica”.

“Acrescendo que sendo legítimas, não me parece que seja o mais importante neste momento por quem tem esse nível de responsabilidade”, afirmou, considerando as declarações são “um desalento”, uma vez que médicos estão a usar “as suas últimas armas de contestação, de denúncia”, antes de deixar o SNS.

Noel Carrilho apelou ao responsáveis pelas políticas governativas e a “quem tem o dever constitucional de defender a saúde dos portugueses”, para que percebam “a real dimensão do problema”.

Sindicato quer que Marcelo Rebelo de Sousa corrija declarações sobre pedidos de escusa de pessoal médico

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) enviou, por seu turno, uma carta ao Presidente da República a pedir igualmente que este corrija as declarações feitas na CNN, além da declaração pública de descontentamento.

Na carta, o presidente do SIM, Jorge Roque da Cunha, escreve que “deve o SIM observar com frontalidade que a intervenção do Presidente da República, porque constitui um não bem fundamentado juízo de prognosticável longo alcance jurídico, seja junto das entidades empregadoras destinatárias seja junto do Governo, seja, até, junto da magistratura judicial, deverá ser corrigida”.

O SIM fica na expectativa de que Vossa Excelência encontre um modo de reparar o alarme que foi suscitado, melhor esclarecendo os limites da desconsideração tecida sobre as virtualidades jus-laborais das inúmeras escusas de responsabilidade que os trabalhadores médicos se têm visto compelidos a apresentar nos seus locais de trabalho”, lê-se na carta do presidente do SIM.

Roque da Cunha sublinha que o SNS “vive atualmente o período mais grave da sua história, apresentando insuficiências e vícios de estrutura, erros de administração e desvios na sua ação quotidiana cuja dimensão já ninguém se atreve a contestar, a começar pelo Governo”.

A palavra de Vossa Excelência nunca pode estar apartada dos princípios por que se pauta a República, como seja o da separação de poderes, no caso, na fronteira com o poder judicial, que, num qualquer futuro, poderá ser chamado a dilucidar litígios que envolvam trabalhadores médicos apresentantes das tais escusas de responsabilidade e doentes ou familiares de doentes seus, por causa de episódios assistenciais marcados pelo infortúnio, que tenham decorrido em certo SU ou UCI caracterizado por persistentes e dramáticas faltas de pessoal de saúde, ao arrepio das mais elementares exigências definidas para a boa e segura prática clínica”, refere a carta dirigida a Marcelo Rebelo de Sousa.

Citando o artigo 271, nº2, da Constituição, o SIM afirma que “dúvidas inexistem de que, no âmbito do SNS, os trabalhadores médicos integram a categoria de funcionário ou agente, de que uma escala para a prestação de trabalho em SU ou UCI constitui para os seus destinatários um exemplo de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, e de que, a final, as tais escusas de responsabilidade configuram o correto modo de previamente se ter reclamado”.

Pelo que expõe na carta, o SIM considera que uma correção das declarações do Presidente da República “é um ato de rigor e da mais elementar justiça, pelo que (…) outra coisa não pode deixar de acontecer com a devida brevidade”.

O SIM e os trabalhadores médicos portugueses persistem num único fito: salvar o SNS. Exigindo o tempo que vivemos a tomada de atitudes mais enérgicas, pois não deixarão as mesmas de ser tomadas, do mesmo passo que se não abdicará de preservar o rigor que as enformam, ainda que isso exija contradizer com veemência o Presidente da República”, termina a carta.