Ninguém ousava pisar na grande passadeira vermelha que entrava pelo campo do estádio 11 de novembro. Nem participantes, nem funcionários da organização, nem seguranças, nem jornalistas, nem membros ou dirigentes das igrejas que juntaram, neste domingo, mais de 30 mil pessoas no recinto, em Luanda, com lotação para 50 mil.

Até que Manuel Fernandes, com o seu alto porte, chegou. O líder da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), a terceira força política na Assembleia Nacional, foi o primeiro dos candidatos às eleições que se realizam na quarta-feira, dia 24, em Angola, a calcar o tapete vip.

Depois dele, outras figuras pousaram os pés na passadeira, como o ex-presidente de Moçambique Joaquim Chissano, por exemplo, dando trabalho ao funcionário que afincadamente a limpava com uma vassoura gigante depois da passagem de cada pessoa ou grupo.

Por isso,  a faixa vermelha estava impecável quando o carro de João Lourenço, o presidente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e Chefe do Estado de Angola, desceu do carro, passou por um túnel desinfetante, e de máscara, ao lado da mulher Ana, num exuberante vestido branco, entrou no estádio.

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Mas primeiro fez o que todos fizeram: cumprimentou os dirigentes religiosos que se perfilavam ao lado da passadeira, representantes das igrejas africanas Tocoista, Kimbanguista, ou a Teosófica Espírita por exemplo, bem como outras denominações religiosas como as igrejas Metodista, Evangélica e, afinal, a Católica.

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Eram 10h46 e desde as nove (a celebração estava marcada para as 10h00) que o recinto ia recebendo milhares de pessoas. Não conseguiram completar todos os lugares mas preencheram cerca de quatro horas com as suas vozes, música, fanfarras vibrantes, ritmo e cor, debaixo de um calor exigente, em que não faltaram as canções, as orações e aleluias q.b.

O programa com alguns hinos e a oração de São Francisco, impresso numa folha A4 dobrada ao meio, servia não só como leque, mas como adereço de algumas coreografias simples nas bancadas, causando um impactante efeito visual.

O representante da direção da UNITA — o candidato Adalberto Costa Júnior esteve ausente — chegaria mais tarde, mas ainda ouviu um dos reverendos explicar que em todas as eleições as igrejas se unem em oração.

Esta afirmação foi repetida por outros intervenientes durante a manhã: logo na abertura o reverendo Luís Nguimbi sublinhou que este culto não era “uma inovação”. A igreja, quer a Católica quer as do lado protestante sempre “oraram em todos os atos eleitorais” desde 1975, disse.

O que o presidente do Fórum Cristão Angolano não disse é que esta foi a primeira vez que a iniciativa ganhou esta dimensão e teve a presença de candidatos às eleições, incluindo o Presidente da República, muitos ministros e secretários de Estado e deputados. 

A necessidade de repetir esta ideia não foi por acaso: a iniciativa do Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA), a Aliança Evangélica de Angola (AEA) e o Fórum Cristão Angolano acendeu alguns sinais de alerta.

Um analista ouvido pela agência Lusa aconselhou mesmo os líderes das igrejas a não influenciarem o sentido de voto. Na altura fez votos para que ninguém tivesse “a tentação de usar o culto ecuménico para fazer apelos no sentido de voto”, afirmou o analista Augusto Santana.

Isso não aconteceu. Sob os lemas “Orai pela Nação para uma vida tranquila” e Angolanos Chamados a orar e abraçar a paz em tempo de eleições” os 18 líderes que usaram da palavra não fizeram qualquer sugestão de voto.

O mesmo não se passou com Higino Carneiro, um dos homens fortes do ex-Presidente da República, na semana passada. O membro do comité central do MPLA, no final de um culto ecuménico em que participou o reverendo Luís Nguimbi do Fórum Cristão Angolano, pediu aos crentes para escolherem “exatamente aqueles que tudo fizeram para que Angola fosse aquilo que é hoje” e que votassem“no partido que deu mostras de estabilidade e desenvolvimento aos angolanos”.

Reverendo pede a Deus “visão e graça para não haver nenhuma suspeita”

No estádio 11 de novembro, onde o regime esteve bem representado, com vários membros do governo, o vice-Presidente Bornito de Sousa e o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, o tom geral foi de paz, união e inclusão.

O que não quer dizer que não tenha havido recados para todos. Depois da primeira oração feita pela profetisa Suzete João, da igreja Teosófica, pedindo o “perdão pelos pecados da nação”, André Cangovi, da Igreja Evangélica Congregacional orou pela nação. Aliás o lema deste encontro era “Orai pela Nação para uma vida tranquila”. O reverendo insistiu muito para que os fiéis “orassem antes das eleições, durante as eleições, depois das eleições”

O bispo tocoista Afonso Nunes congratulou-se porque até “aqui não tem havido incidentes” esperando que “não haja até ao fim”, e orou pelas eleições gerais, havendo depois mais reflexões e orações por vários atores do processo.

A Comissão Nacional Eleitoral foi um deles. Enquanto todos se levantavam, alguns inclinavam o rosto e fechavam os olhos e outros abriam os braços com as palmas das mãos para cima, como em todas as orações, o reverendo Francisco Sebastião, da Assembleia de Deus Pentecostal, que já tinha elogiado o trabalho da CNE pediu a Deus que “desse visão e graça para que não haja nenhuma suspeita, mas tudo possa concorrer para o bem dos que amam a Deus”.

Solicitou ainda a Deus a bênção para todos os observadores “todos os que vão trabalhar” para que estejam todos “imbuídos do mesmo espírito, o respeito pela paz”, pois “Angola precisa de paz, a paz esteja com todos”, disse.

Ao reverendo evangélico Nascimento Davi coube orar pelos candidatos, pedindo que houvesse um clima de “harmonia, concórdia e honestidade”, e desejou “sucesso” ao presidente que vier a ser eleito.

Igreja Católica decidiu “ler melhor o momento”

Mas foi a mensagem de do bispo André Sousa que tocou particularmente o secretário provincial da UNITA em Luanda ao orar pelos órgãos de defesa e segurança nacional. O clérigo católico pediu que defendessem o cidadão nacional “e que não sejam usados nem para perturbar nem para fazer nada aos cidadãos”. Exortou a que cumprissem “a sua missão da defesa” de Angola e não deixou os dirigentes de fora: devem incentivar os militares e a polícia a defenderem todos.

No final do culto, em declarações aos jornalistas, juntou a sua voz à de André Sousa: “Apelamos também à polícia nacional, no dia 24, no sentido de proteger o cidadão porque ele está em paz, com a sua lapiseira para ir votar apenas”.

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“Sua Grandeza Kisolokele Paulo” da igreja kimbandista de Angola — a que tinha maior representação no estádio, ocupando mais de um terço do espaço — intercedeu junto de Deus pelas famílias e pelos doentes. O líder desta comunidade religiosa orou em kikongo — língua falada nas províncias de Cabinda, Uíge e Zaire, no norte do país — e foi o único a não usar o português.

O padre Adelino Momo leu a conhecida oração de S. Francisco o que causou alguma surpresa já que o representante da diocese de Luanda no diálogo ecuménico tinha dito que a Igreja Católica declinara o convite e preferia estar focada na novena que se iniciou na segunda-feira.

O padre Adelino Momo afirmara então à agência Lusa que “as instituições são independentes e fazem as suas leituras de cada situação. Neste momento, preferimos fazer orações por esta causa na nossa casa. Não proibimos, nem dizemos aos nossos fiéis para participar no culto, não fizemos circular nada sobre essa iniciativa, nós vamos orar pelas eleições no âmbito da novena”. Novena onde no domingo, ao final da tarde, Adalberto Costa Júnior esteve, tendo lamentado em declarações aos jornalistas a sua ausência do culto ecuménico por “sobreposição de agenda”.

A Igreja Católica acabou por “participar porque simbolicamente este evento tem a sua relevância no propósito e motivações”, disse Adelino Moma à saída do 11 de novembro ao Observador. Admitiu que a direção da igreja decidiu “ler melhor o momento”.

Observadores: “não se deixem intimidar por nada nem ninguém”

Depois chegou um dos momentos mais intensos e animados do culto. Durante a recolha de ofertas, feita por vários membros das igrejas com uns pequenos cestos, a igreja kimbandista cantou, gesticulou, “ondulou” ao ritmo da música e acenou em movimentos concertados com um lenço como se pode perceber um pouco neste vídeo.

Ainda com o som desta igreja nos ouvidos, as atenções viraram-se para a tribuna onde o reverendo António Mussaqui, da Igreja Evangélica de Angola, apresentava a mensagem da igreja à nação.

O responsável religioso, aludindo aos resultados das eleições, frisou que “quem ganha, não ganha tudo e quem perde, não perde tudo”, apelando a que, na quarta-feira se felicite quem ganha e que quem perder “seja capaz de se contentar”.

António Mussaqui recomendou aos eleitores para não ficarem nas assembleias de voto após a votação, no que pareceu ser uma resposta à UNITA que tem erguido a bandeira do “votou, sentou” (para controlar o seu voto) contra o pedido do governo de irem para as casas no que os angolanos transformaram em “votou, bazou”.

Apesar de o reverendo ter dito para não sentarem e não para não ficarem nas imediações do local de voto, a afirmação mereceu um reparo no final do culto de Nelito Ekuikui. Questionado pelo Observador, disse ter “tomado boa nota” mas que que a UNITA continuará com a sua agenda, mantendo o seu apelo aos eleitores para “ficarem num perímetro de 500 metros” da assembleia de voto depois de colocarem o boletim na urna para acompanharem o processo eleitoral de uma forma geral”.

E acabou por pedir: “Se a igreja prima pela verdade então está interessada na transparência por isso apelamos à igreja para não intervir profundamente na agenda dos partidos políticos, porque estes estão interessados num processo justo, livre e credível”.

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António Mussaqui aconselhou também os eleitores a não cederem a provocações. Por fim, deixou uma palavra aos observadores para que “não se deixem intimidar por nada nem ninguém”.  E que tenham “a coragem de declarar” o que não correu bem, mas também a “coragem de declarar a justiça do ato”.