O presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, admitiu esta segunda-feira que o povo angolano poderá sair à rua para contestar os resultados das eleições realizadas na semana passada em Angola, mas colocou qualquer responsabilidade sobre eventuais situações de violência do lado do governo.

O líder da UNITA lembra que são as autoridades que estão armadas, e não o povo, e que o direito à manifestação é constitucionalmente protegido.

Adalberto Costa Júnior falava em entrevista à CNN Portugal durante a manhã, horas depois de a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) angolana ter terminado uma reunião — que durou toda a noite — na sequência da qual ficaram fechados os resultados definitivos da eleição. Os resultados oficiais vão ser anunciados durante a tarde desta segunda-feira numa conferência de imprensa pelo presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva — mas a UNITA já dá sinais de que poderá não reconhecer os resultados finais.

Os últimos dados divulgados pela CNE eram ainda provisórios, contabilizados quando estavam escrutinados 97,03% dos votos, mas já davam conta da vitória do MPLA, com mais de 3 milhões de votos contabilizados. Os dados provisórios davam conta também de uma subida considerável do número de votos da UNITA — cerca de 2,7 milhões, quando em 2017 o partido tinha obtido 1,8 milhões.

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A UNITA tem contestado fortemente os resultados da eleição, dizendo que tem feito o seu próprio escrutínio paralelo com base nas atas das assembleias de voto e argumentando que não é claro que o MPLA, que está no poder desde 1975, tenha efetivamente vencido a eleição.

Agora, Adalberto Costa Júnior diz que aguarda o anúncio dos resultados finais por parte da CNE, mas deixa o alerta: “Esperamos que a CNE tenha a coragem de assumir os seus próprios resultados.”

“A UNITA organizou-se no sentido de ter a fiscalização apertada do processo. Foi feita uma fiscalização sempre muito por cima e não deixámos passar nada. Temos uma série de processos que foram movidos”, disse à CNN Portugal. “Falando objetivamente do dia do voto, temos múltiplos centros de escrutínio que ainda não concluíram o seu trabalho, mas que até ao presente permitem-nos concluir que há uma profunda alteração de mandatos a favor da UNITA.”

O líder da UNITA disse ainda que fazer um escrutínio da contagem dos votos foi “um risco” para o partido, uma vez que as instituições angolanas estão “absolutamente partidarizadas”.

“Assumimos que devíamos assumir os resultados que estas instituições produzissem. Não os que divulgam”, disse, salientando que há uma diferença. “A CNE apareceu com resultados que não correspondem aos resultados que as atas estão a indicar“, afirmou, referindo-se aos resultados provisórios. “Vamos esperar que a CNE corrija os mandatos.”

Adalberto Costa Júnior criticou também a CNE por ter classificado o escrutínio paralelo da UNITA como “ilegal“, quando o MPLA também tem feito o seu escrutínio. “Um membro porta-voz da CNE não pode desconhecer a lei e não pode vir a público continuamente classificar os centros de escrutínio como ilegais quando a UNITA vem com divulgação de dados. Mas quando o MPLA diz que também tem o seu centro de escrutínio, fica no mutismo completo. É tudo isto que não credibiliza as instituições”, pediu, insistindo para que os organismos sirvam a nação e não o partido.

Questionado diretamente sobre o que a UNITA poderá fazer em caso de os resultados oficiais da CNE não baterem certo com os do seu escrutínio — e se o recurso à contestação nas ruas será uma hipótese —, Adalberto Costa Júnior disse que o partido vai esgotar as hipóteses que tem nas instituições oficiais, mas avisou que as instâncias judiciais estão “praticamente esgotadas“. Esgotado o direito angolano, o partido poderá recorrer a instâncias internacionais, mas Adalberto Costa Júnior avisou que os angolanos têm o direito de expressar o seu descontentamento nas ruas.

“A constituição de Angola é clara, não proíbe o direito a manifestação do seu povo”, disse. “Se alguém entender usar, este é um direito constitucional. Um direito constitucional que não pode, em circunstância alguma, receber pressão.”

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O líder da UNITA afirmou que é importante “ter a calma necessária” e reconheceu que o partido tem noção da responsabilidade que tem no momento “delicado” que o país atravessa. “Temos noção de que estamos a lidar com um partido de Estado, que pensa que a governação é uma herança permanente, e não é. Um partido arrogante, que nos foi mostrando falta de humildade, falta de diálogo”, disse Adalberto Costa Júnior.

Questionado sobre uma possível escalda de violência, o responsável avisou que quem está armado “é o governo, através das forças armadas e de segurança“.

Esta segunda-feira, a CNE deu também conta de que já foram resolvidos os processos levantados em relação a alegadas irregularidades num conjunto de votos. Em causa estava um total de 11.153 votos, dos quais 7.925 foram considerados válidos. Destes, 4.360 foram dados ao MPLA e 2.935 à UNITA.