Depois de dois longos anos em que a pandemia toldou a forma como a moda se apresentou ao mundo, 2022 assinalou um aparente regresso da normalidade à Semana da Moda de Nova Iorque. As apresentações para a primavera/verão de 2023 arrancaram a 9 de setembro e terminaram esta quarta-feira, 14. O próximo destino seria Londres, a começar já esta sexta-feira, mas o período de luto nacional pela morte da Rainha Isabell II empurrou o evento para dia 26 deste mês.

Mas voltemos a focar-nos na cidade que não dorme. A moda em Nova Iorque arrancou com um desfile da Fendi carregado de estrelas na primeira fila para celebrar os 25 anos da icónica “baguete”. O evento foi encerrado por Tom Ford, que enviou para a passerelle duas reencarnações das divas dos anos 70 nas manas Hadid. Pelo meio, houve muitas transparências, inspirações retro e até um evento inédito com a curadoria de nada mais, nada menos, que Anna Wintour: um espetáculo para assinalar os 130 anos da revista Vogue. O velho conviveu com o novo. As inspirações vindas dos anos 80 e 90 foram trazidas para a atualidade e disputaram atenção com as tendências dos anos 2000. As topmodels originais — leia-se, Christy Turlington, Amber Valletta, Kate Moss e Shalom Harlow — conviveram com as novas caras. Conheça alguns dos destaques da Semana da Moda de Nova Iorque.

Fendi - Front Row - RTW Spring 2023

Christy Turlington, Amber Valetta, Kate Moss e Shalom Harlow: as topmodels originais marcaram presença no arranque do evento.

Os 25 anos da “baguete”

Fendi abriu a Semana da Moda de Nova Iorque com um desfile que marcou o aniversário de 25 anos da icónica carteira “baguete”. Impossível não recordá-la no ombro de Carrie Bradshaw em “O Sexo e a Cidade”, uma série, por si só, tão enraizada no imaginário da cidade. Seria, aliás, apenas justo que Sarah Jessica Parker ocupasse um lugar de honra na primeira fila do desfile, sentada entre Kim Kardashian e Naomi Watts e segurando uma Baguette no colo.

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O criador Kim Jones e Silvia Venturini Fendi, diretora-criativa (e criadora da própria carteira, em 1997), convidaram a Tiffany & Co para incorporar cristais em alguns detalhes das “baguetes” — como, por exemplo, no logo — e Marc Jacobs, com quem Jones trabalhou na Louis Vuitton, para ajudar a desenhar a coleção inspirada nos anos 2000. Para rematar o desfile, Linda Evangelista — que é a atual cara da casa de moda italiana — desfilou coberta com uma capa no tom azul da Tiffany. No braço, levava pendurada uma Baguette prateada. O início da colaboração com a Fendi em julho deste ano marcou o regresso da modelo canadiana, depois de cinco anos afastada dos holofotes devido a uma cirurgia estética que a deixou “desfigurada”.

Fendi - Front Row - RTW Spring 2023

Lala Anthony, Kim Kardashian, Sarah Jessica Parker e Naomi Watts na primeira fila de Fendi.

Glamour retro dos anos 70

Em Tom Ford — que foi o escolhido para fechar o evento —, tudo se pode resumir aos brilhos. O designer norte-americano levou o glamour dos anos 70 para as passerelles numa coleção que ressuscitou o espírito do disco e enviou toda a gente para os tempos áureos do Studio 54. Vestidos esvoaçantes, cortes assimétricos, aberturas, lantejoulas e glitter marcaram as peças de roupa em tons que foram dos lilases mais pastel aos verdes-musgo. No styling, os sapatos de plataforma, os brincos oversized e os cabelos volumosos da mesma era selaram o espírito retro. Para fechar o desfile, pôs as manas Hadid nos dois vestidos de diva que selaram a coleção. Bella, de resto, parece ter sido omnipresente nas apresentações desta temporada.

Tom Ford - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

Gigi Hadid a fechar Tom Ford.

Tom Ford - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

Bella Hadid encerrou o desfile com a irmã.

Música e poesia. A arte esteve destacada nos desfiles deste ano

Sappho, o poeta da Antiga Grécia, foi o espírito artístico que abençoou a apresentação de Gabriela Hearst, uma exploração criativa em tons maioritariamente monocromáticos com um banho de ouro estatuesco, resultando num desfile que fundiu a criação de roupas com a arte da escultura. Os tecidos, leves e fluidos, contrastaram com os elementos estatuescos em dourado. Hearst aventurou-se ainda nos bordados e no crochet multicolor, elementos que ganharam vida através dos “rabiscos” que fez nos seus blocos de notas, como confessou à revista Harper’s Bazaar.

Na Praça das Nações Unidas, “Creep”, dos Radiohead, foi música ambiente para embalar as propostas de primavera/verão 2023 de Prabal Gurung, que levou uma mensagem de não-conformidade. “Para aqueles que são demonizados por não serem compreendidos em géneros, cores, locais ou valores que os outros conheçam: nesta passerelle, saibam que não estamos mais a olhar para vocês, estamos a ver-vos”, declarou num statement que acompanhou a narrativa da coleção.

O voyeurismo foi uma palavra-chave para expressar essa ideia, de observar as pessoas sem as ver. As propostas do criador pretendem transmitir essa mensagem de ativismo. São peças que pretendem ser subversivas: corpetes, cortes desconstruídos, tons néon, metalizados e muito látex, presentes em cores fortes e escolhas criativas surpreendentes.

Gabriela Hearst - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

As propostas estatuescas de Gabriela Hearst.

O clássico Michael Kors com um novo minimalismo

No espetro oposto, a apresentação de Michael Kors foram umas férias de luxo algures a bordo de um iate. Propostas femininas, elegantes, com cores clássicas que variam principalmente entre o vermelho forte, o preto, o cinzento e o dourado. O criador norte-americano propôs uma coleção com cortes muito simples, sexy, que ganharam uma certa irreverência minimalista dos anos 90 em relação à estética a que nos tem vindo a habituar. As silhuetas estão mais relaxadas e os elementos mais discretos. Destaque para a fivela larga que marcou presença em alguns dos modelos, principalmente construídos em malhas leves ou enfeitados com lantejoulas.

Michael Kors Collection Spring/Summer 2023 Runway Show

Michael Kors recuperou a estética do início do milénio.

O crochet soma e segue

O protagonista foi o crochet na apresentação de Proenza Schouler, onde também não faltaram franjas e as inspirações boho dos anos 2000. As propostas para a primavera/verão de 2023 de Jack McCollough e Lazaro Hernandez inspiraram-se na água “como um símbolo da vida”, como afirmaram nas notas do desfile, avançadas pela Harper’s Bazaar. “As qualidades sensuais e fogosas das raízes latinas de Lazaro juntamente com o pragmatismo e perseverança da experiência americana de Jack fundem-se para criar uma narrativa que é, ao mesmo tempo, efeverscente e urbana”. O resultado foram peças semitransparentes, corpetes curtos e propostas com muito movimento, que acentuam as formas. O boémio está em altas e o crochet, que saiu da gaveta nas últimas temporadas, soma e segue.

Proenza Schouler - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

As franjas e o crochet de Proenza Schouler.

“Nem sempre temos de andar atrás das tendências”

O regresso de Carolina Herrera ao Hotel Plaza — onde a marca já tinha desfilado em 1984 — contou com a própria fundadora sentada na primeira fila, a assistir ao seu legado materializado pelas mãos do atual diretor-criativo Wes Gordon, que assumiu o cargo em 2018. “Esta coleção para mim foi abraçar sem remorsos sermos uma casa que faz roupas bonitas, coloridas, florais e felizes… Nem sempre temos de andar atrás das tendências“, declarou Gordon à CNN. Foi isso mesmo que se viu na passerelle — a feminilidade de Carolina Herrera com um toque retro dos anos 80, quem sabe se um acenar de cabeça ao próprio espaço que albergou o desfile há quase quatro décadas.

Carolina Herrera - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

A hiper-feminilidade de Carolina Herrera.

De dentro para fora — as transparências da semana da moda

Num ano em que é difícil apontar um denominador comum nas próprias tendências, é de destacar a quantidade de roupas transparentes que desfilaram por Nova Iorque. Jason Wu honrou a própria construção das peças com uma confeção que trouxe para fora o que se costuma esconder lá dentro. A sua escolha — a de expor as linhas de construção das peças — esteve em evidência sobretudo nos vestidos semitransparentes e fluidos que desceram pela passerelle. Já Tory Burch, também ela cheia de transparências, foi buscar inspirações aos nineties para as malhas finas, acessórios desportivos, linhas simples e tons monocromáticos.” “Esta coleção é pessoal e intuitiva, desenhada nas minhas memórias dos anos 90, quando me mudei para Nova Iorque”, declarou, citada pela Harper’s Bazaar. “Queria olhar para a minha assinatura com uma nova perspetiva, refletindo sobre o que é moderno hoje”.

Jason Wu - Runway - Spring/Summer 2023 New York Fashion Week

Jason Wu apostou nas transparências.

Os 130 anos da Vogue numa festa

Absolutamente inédito foi o evento Vogue World, que celebrou o 130.º aniversário da publicação de moda com um desfile carregado de modelos e figuras famosas, começando com Serena Williams a abrir a festa vestida de Balenciaga e cercada por mini jogadoras de ténis. Lily Moss (a filha de Kate Moss), Emily Ratajkowski, Kendall Jenner, Gigi Hadid e Irina Shayk também desfilaram durante o evento, que teve a curadoria da própria Anna Wintour. A diretora da Vogue sentou-se na primeira fila ao lado de Lil Nas X (que atuou durante a noite), que ficou ao lado de Jared Leto.

VOGUE World: New York - Runway

O Vogue World foi uma fusão entre desfile de moda e espetáculo.

Não foi tanto sobre as roupas como foi sobre a experiência, ainda que o conceito tenha levantado alguma controvérsia — houve bilhetes à venda por 3 mil dólares (aproximadamente 3 mil euros). Foi uma homenagem aos designers favoritos da revista: Dior, Versace, Balenciaga e Gucci, entre outros, cederam criações para o desfile-espetáulo onde não faltaram teatralidades, danças e música.

Na fotogaleria, juntámos imagens de alguns dos desfiles e momentos que marcaram a Semana da Moda de Nova Iorque.