Um bob levemente mais curto e um loiro mais evidente, “mais simples, mas decisivo, assim como ela”. A 25 de setembro, depois da passagem pela sua mesa de voto, não é só a camisa branca e o blusão desportivo que saltam à vista. “Ela muda de visual todas as vezes que tem que fazer uma escolha ou enfrentar uma mudança no seu trabalho”, explica Antonio Pruno à Sky Tg24.. “Todas as mulheres se podem identificar com aquela imagem”, acrescenta o hair stylist de Georgia Meloni, recém eleita primeira-ministra. “Somos amigos. Pude dedicar-me a ela na pausa do fim de semana”, dirá ainda Pruno, que se apressou a saudar Meloni no seu Instagram pelos resultados eleitorais.

Para trás fica o cabelo mais comprido da campanha. O novo tom é “mais leve”, “está na moda” e reforça a “confiança” da líder de 45 anos. A metamorfose notada nos últimos tempos, e que deverá ser aprofundada daqui para a frente, estende-se à maquilhagem. “Será mais adequada a uma chefe de Governo, mais sofisticada, mantendo a simplicidade: uma mulher de cara lavada, estilo água e sabão, que sabe ser uma grande líder, mas que também está ao alcance de todas as mulheres”.

A aproximação ao cidadão comum joga-se nessa aparente simplicidade, habilmente pensada, não fosse ela, como se escreve, a mulher que “renuncia à sofisticação em prol da sua mensagem política”, à cosmética excessivamente carregada (pelo menos na fase atual), aos acessórios que apenas geram distração do essencial, e aos fatos escuros que acrescentariam desnecessários anos à governante.

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Distante do luxo de Valentino, Armani, e outros emblemas da sua nação, as primeiras imagens oficiais no rescaldo do triunfo insistem no estilo descontraído. Em vez do clássico tailleur, Meloni surge de cinzento, blusa descontraída, calças e sapatos dourados com plataforma branca. Já na madrugada da vitória, optara pelos jeans e por uns ténis, combinados com um blazer verde água, num retrato que pretende acentuar a descontração e jovialidade.

O guarda roupa segue o ritmo do discurso, que aposta na simplificação como aliada da eficácia. E, fazendo questão de se apresentar como “mulher, mãe e cristã”, dificilmente a veremos de minissaias, vestido curtos ou decotes chamativos, apanágio de anteriores consulados.

Mas o facto é que o registo que hoje impera nem sempre foi cultivado com tanto zelo ou minúcia. Na mais recente encarnação política “o estilo de Giorgia Meloni passa por calças largas, ténis, camisas macias e cores brilhantes”. Porquê? “Porque a negação do fascismo também se dá pela negação das cores escuras”, sublinha a edição italiana da revista Vogue, que analisa à lupa as escolhas da primeira-ministra, cujo feed de Instagram também se tornou “mais reconfortante”. As cores azuis, os rostos sorridentes e a suavização dos contrastes acompanham a mudança.

Nacionalista confessa, fã de Tolkien e amiga de Órban — mas não fascista. Giorgia Meloni pode ser a nova primeira-ministra italiana

“Giorgia Meloni, que mostrou que conhece a comunicação, também a entendeu quando deixou de lado as carteiras de marca com as quais havia sido fotografada nos últimos anos: não eram exatamente ‘carteiras do povo’, pelas quais em 2018 chegou a ser criticada nas redes sociais. Para a sua campanha, a líder dos Irmãos de Itália mostrou-se no máximo com carteiras ‘Made in Italy’, talvez produzidas por artesãos dos lugares visitados durante a sua tour pela nação.”, escreve a Vogue.

Apple Watch e Tricolor: modernidade, tradição, e marketing “político-balnear”

É com pontualidade que aquela publicação, que traça o perfil da “mulher mais poderosa de Itália”, parece chegar a esta ideia: “Ninguém usa relógio no centro direita italiano”. Ou melhor: ninguém terá grande vontade de ser visto com um acessório no pulso que possa ter ascendido a um valor impróprio para tempos de contenção. É possível que se alcance uma pulseira com a inscrição “Força Milan” no braço de Matteo Salvini e é provável também que os olhos já tenham dado conta do velho Nileg que Silvio Berlusconi ofereceu ao pai com o seu primeiro salário (e que regressaria para o seu pulso quando o progenitor morreu). Mas pouco mais no que a extravagâncias diz respeito. Meloni é conhecida por usar um moderno Apple Watch, peça que costuma alternar com um Fitbit. Por vezes, ainda, vemo-la de microfone em punho e generosa pulseira “semelhante à da Mulher Maravilha”. “Não é inteligente — na véspera de uma recessão e de uma das maiores crises económicas da história da Itália — mostrar um relógio no valor de mais de 300 euros.”

The italian ministers of the Berlusconi's government posing at the Chamber of Deputies

As ministras e secretárias de Estado do executivo de Silvio Berlusconi a posarem para a foto, em 2011 (Meloni à direita, sentada) © Getty Images

O modelo Apple faz sucesso da esquerda à direita. De Mario Draghi à adversária de Meloni, Nicola Fratoianni, o dispositivo é um must transversal no Parlamento. Prático como o calçado que a primeira-ministra costuma eleger: quando troca os ténis pelos saltos, estes continuam a transmitir uma imagem de conforto. Ainda no capítulo dos acessórios, os brincos podem ser vistosos, bem como os anéis. A palete de cores é clara, “como que para comunicar uma nova luz” e mostrar que “não faz parte das fileiras cerradas dos tailleurs”, algo facilmente avistado na presidente do Senado Maria Elisabetta Casellati. Também não há deslizes de luxo, algo em que a colega de partido Daniela Santanché investe sem grandes rodeios.

Verde, encarnado e branco. É comum ver Meloni com uma pulseira simples com as cores da bandeira do seu país, algo que vai um pouco mais além. Num exercício de marketing “político-balnear”, como lhe chamam, é incontornável a capa e recheio da revista Novella 2000 em que surge estendida com um fato de banho com estas mesmas cores, corria agosto do ano 2020. Já antes, em junho, Meloni associara o seu rosto à campanha ambiental Spiagge Pulite (praias limpas) lançando chinelos com os tons nacionais. O La Repubblica aproveita o embalo e ensaia um artigo: “O traje tricolor de Giorgia Meloni: quando o líder político é uma marca.” E a guerrilha vai além do velho merchandising de trazer por casa.

“As pessoas ainda se lembrarão da fotografia de Aldo Moro, um líder político à moda antiga, que na praia, sentado na sua cadeira, leu o jornal completamente vestido. A era do corpo, da cabeça aos pés, foi inaugurada por Silvio Berlusconi, atualmente resta à líder dos Irmãos de Itália adaptar-se e tentar inovar. Hoje um líder político nada mais é do que uma marca, e Giorgia Meloni lida com duas fundamentais: o nome do partido, que é retirado do hino da Itália, e o uso da bandeira nacional. Só pode espalhar esse tricolor pelo seu corpo fazendo-se a marca de uma marca”, descreve o ensaísta Marco Belpoliti.

Vale a pena recapitular a evolução de estilo da atual primeira-ministra, cuja fama, recorda a L’Express, remonta aos anos 2000. Aos 27 anos, assumia a presidência do Aliança Nacional, aos 29 era eleita para o Parlamento e designada vice-presidente da Câmara dos Deputados, e dois anos depois tornava-se ministra de Berlusconi, com a pasta da Juventude. 2012 é um ano de mudança, no trajeto político mas não só. Se com Ignazio La Russa e Guido Crosetto deixa o Povo da Liberdade de Berlusconi e funda os Irmãos de Itália, é também por esta altura que passa a adotar o louro e as cores neutras no vestuário (longe iam já os tempos de morena da jovem Giorgia). A tendência sairia reforçada em 2016, quando se candidata à câmara de Roma.

First Capitoline Assembly

Em Roma, em julho de 2016, então grávida da filha Ginevra, na primeira assembleia Capitolina © Getty Images

Os azuis (sempre infalíveis), o branco e o encarnado entram em cena e as roupas, tirando algumas ocasiões mais institucionais, assumem a vertente casual, com calças, camisolas e calçado confortável. Informalidade que assume o ponto alto por altura da gravidez da filha Ginevra. Giorgia arrumava por completo os blazers, mas há meia dúzia de anos ainda se aventurava nuns saltos bem altos, apesar do estado avançado da gestação. “Meloni não desiste do sapato tático”, assinalava o Corriere nessa altura, especulando se num cenário pós-parto se aventuraria com semelhantes centímetros. Mas passa Giorgia no crivo dos gurus da moda? Nem por isso. E nem é preciso escutar vozes como a do fotógrafo que fez algumas das campanhas mais célebres a Benetton, Oliviero Toscani, que a classifica de “vulgar”.

A elegância de Loti, os decotes das “amazonas” e o glitter da polémica

Em 2012, a edição italiana do Fashion Network não poupava o executivo em funções, e Meloni não fugia à regra. Uma equipa “boa, mas pouco glamorosa”, sentenciavam, observando ao pormenor a roupa e acessórios dos ministros do governo Monti, que embora competentes, na opinião dos especialistas na matéria careciam de conselhos em termos de estilo. “Giorgia Meloni escolhe um mood infantil com fatos alternados com roupas casuais: golas altas coloridas e cardigans desportivos, justificáveis apenas pelo papel desempenhado num Ministério da Juventude”, apontavam, assinalando que no que toca a glamour o executivo de Berlusconi bate sempre a concorrência. À época, nomes como Mara Carfagna e Stefania Prestigiacomo colecionavam elogios dentro e fora de portas, mas é possível recuar ainda mais no tempo para efeitos comparativos.

Em 2021, a evolução de estilo no feminino nos corredores do poder merecia nova análise. O guia de referências arrancava com Nilde Lotti, figura proeminente do Partido Comunista italiano e exemplo de “elegância da política”, apesar dos seus fatos muitas vezes rígidos, e acessórios sem grandes floreados. “Mais tarde, finalmente as coisas mudaram um pouco”. Em 1994, a antiga jornalista que veio a presidir à Câmara de Deputados, Irene Pivette, rompia com a austeridade, introduzindo os lenços e os tailleurs pastel. “Nos anos pós-Pivetti houve então uma perseguição da tendência, de aparecer a todo custo, e os excessos.” Para a história passou o estilo “zero recatado” de nomes como Nicole Minetti e, claro, o exército de “Amazonas de Silvio”: Biancofiore, Ravetto, Bernini, De Girolamo, Santanchè, Carfagna e Gelmini. “Blazer com camisa branca e calças clássicas, é este o seu uniforme oficial” – a que se juntavam decotes pronunciados, saltos altos, e sensualidade.

No juramento do governo Renzi, lembram ainda, “poucos se esquecem da estreia de Maria Elena Boschi (“rosto limpo, elegância, espontaneidade, feminilidade e juventude, ingredientes que foram a inveja – por muito tempo – de muitos colegas. O blazer azul elétrico entrou para a história republicana conjugado com um top rosa carne e saltos com 12 centímetros”). Também a mãe e líder dos Irmãos de Itália, Giorgia Meloni, era destacada pelos “looks simples e jovens, com cabelos castanhos claros ou loiros, em sua maioria soltos, de comprimento médio e sempre acompanhados por um fio de maquilhagem para um estilo sabão e água, tão apreciados pela maioria”.

Certo dia em que a tradicional imagem clean e humilde foi rendida por uma aparição televisiva cheia de brilho, as coisas correram mal. Os críticos aproveitaram a cosmética extra para atirar as devidas farpas, caso da jornalista Selvaggia Lucarelli que, em fevereiro de 2021, depois de uma publicação no seu Instagram, se viu acusada de body shaming. “Os Irmãos de Itália estão a borrifar-se para os migrantes, para os gays, que não devem adotar (…) Mas são sensíveis ao GLITTER. Ou seja: ficam ofendidos se dissermos que a sua líder mulher-mãe-cristã também usa brilhos. Uma ofensa indescritível. Uma ferida incurável. Uma dor inconsolável, para a pobre Giorgia (…) , reagiu Lucarelli às acusações.

Com make up mais ou menos discreta, uma coisa é certa: é de esperar que os inestéticos vincos nunca se intrometam na roupa. Em 2019, quando chegou mesmo em cima da hora para discursar no Congresso Mundial das Famílias, um projeto lançado pela direita cristã americana, Meloni explicou o motivo da demora: “Estava a passar a ferro”, gracejou. “Mas tirei dez minutos para vir falar de política convosco”.