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"Herbarium": as flores de Emily Dickinson colhidas por Ana Luísa Amaral

Este artigo tem mais de 2 anos

Dickinson adorava flores. Quando era estudante, reuniu num caderno mais de 400 espécies, que acompanham numa nova edição os poemas inspirados nos campos de Amherst, traduzidos por Ana Luísa Amaral.

Emily Dickinson
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Emily Dickinson é uma das mais importantes e originais poetas norte-americanas

Getty Images

Emily Dickinson é uma das mais importantes e originais poetas norte-americanas

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Emily Dickinson, uma das mais importantes e originais poetas norte-americanas, nasceu e cresceu rodeada de flores e bosques. A propriedade da família em Amherst, no estado do Massachusetts, era constituída por seis hectares de prado, a norte e a sul da estrada que dividia as duas casas, Homestead e The Evergreens. Junto aos dois edifícios havia um terreno com árvores e arbustos. Havia ainda um jardim, cuidado por Emily, a sua irmã Lavinia e a sua mãe, uma estufa e um jardim de vegetais.

A natureza que rodeava Emily impressionou-a desde cedo. Era ainda uma criança quando aprendeu a classificar as flores que colhia perto de casa. No seu espólio, sobrevivem duas coleções de plantas colhidas por si — uma sem data e outra do período em que estudava na Amherst Academy, para onde entrou aos nove anos. Esta última inclui mais de 400 espécies, que Emily Dickinson colou e classificou nas páginas de um caderno. Um terceiro herbário tem espécies que lhe foram enviadas de locais no Médio Oriente, provavelmente por Abby Wood Bliss, colega na Ahmerst Academy.

São estas flores e plantas que ilustram uma nova edição dos seus “poemas botânicos”, inspirados nos campos de Amherst, onde passou toda a sua vida. Publicado este mês de setembro pela editora Relógio d’Água, o Herbarium foi traduzido por Ana Luísa Amaral. É provavelmente um dos últimos trabalhos de tradução da escritora portuguesa. Ana Luísa Amaral, poeta e especialista em Emily Dickinson, morreu no passado mês de agosto, aos 66 anos.

"Herbarium", com tradução de Ana Luísa Amaral, foi publicado este mês de setembro

A edição, bilingue, inclui um conjunto de poemas escritos entre 1839 e 1846, quando Emily criou o seu herbário. Estes falam de gencianas, rosas e margaridas, mas também de abetos e cogumelos, que servem à poeta para explorar a sua realidade interior. Porque, para Emily Dickinson, a natureza era mais do que um simples consolo — era “a chave para os segredos da vida, e na sua revolução anual, ela reconhecia os antigos modelos de nascimento, morte e renascimento”, como referiu a crítica literária Polly Longworth.

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As flores de Emily Dickinson

Emily Dickinson nasceu a 10 de dezembro de 1830, na casa da família, Homestead, que pertencia aos seus avós paternos. Foi também ali que morreu, a 15 de maio de 1886, aos 56 anos, depois de uma vida de quase reclusão. Filha do meio de Edward e Emily Norcross Dicksinson, tinha um irmão mais velho, Austin, e uma irmã mais nova, Lavinia. Ao contrário de muitas raparigas no século XIX (mas não de muitas na localidade onde nasceu, como lembra o site do Emily Dickinson Museum), Emily teve uma sólida formação escolar. Depois de um período no escola distrital, frequentou a Amherst Academy, fundada para fornecer instrução religiosa. Nesta escola, o dia começava e terminava com orações, mas o currículo também incluía formação secular, em áreas como o Inglês, Geologia, Botânica, História e Álgebra. Emily continuou a sua formação no Mount Holyoke Female Seminary, em South Hadley, criado para preparar as jovens para se tornarem mulheres e mães de família. Emily esteve apenas um ano no Mount Holyoke. Foi o período mais longo que passou longe de casa.

Terá sido influenciada pelo que aprendia nas aulas de Botânica que Emily decidiu criar um herbário, no qual reuniu espécies que colheu na floresta, no prado e no jardim de casa. Wendy Martin, autora de um volume introdutório sobre Emily Dickinson publicado pela Cambridge University Press, a poeta, “uma amiga sempre magnânima e generosa”; colecionou plantas, folhas e flores para as coleções dos amigos. No ensaio “A portrait of the poet as a young girl”, Martin notou o interesse que o herbário de Emily Dickinson tem para os estudiosos da sua obra, “que veem nele o início do amor de Dickinson pela natureza, a precisão científica e a observação meticulosa”. “A coleção de mais de 400 espécies pode também ser a precursora das coleções de poesia (…) que Dickinson reuniu em adulta. Na verdade, à medida que amadurecia, as barreiras entre plantas e páginas tornaram-se cada vez mais ténues: ela escreveu poemas sobre flores, envolveu flores em poemas e observou e cuidou de palavras e plantas.”

O amor pela natureza corria-lhe no sangue. A mãe tinha uma paixão por jardinagem, um interesse que era partilhado também pelos seus irmãos. Apesar de ter seguido as pisadas do pai no mundo da advocacia, Austin Dikcinson, que estudou Direito em Harvard, eram apaixonado por arquitetura paisagística, tendo tido como amigos próximos Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux, destacados especialistas na área, de acordo com o Emily Dickinson Museum. Austin teve um primeiro contacto com a disciplina quando era aluno no Amherst College, onde assistiu às palestras do geólogo Edward Hitchcock, terceiro presidente da instituição privada de ensino superior, sobre a paisagem das cidades europeias. Quando em 1873, depois da morte do pai, assumiu o cargo de tesoureiro na instituição, deleitou-se em cuidar da paisagem de Amherst College.

Life In Amherst Charming village church Learning From The Homes Of Famous Writers Learning From The Homes Of Famous Writers

Emily Dickinson nasceu e morreu em Amherst, no Massachusetts, rodeada por natureza. A propriedade da família (em cima, à esquerda) era constituída por seis hectares de prado

Boston Globe via Getty Images

Para Emily, o jardim da família era um refúgio — das exigências familiares, da lida da casa e da sociedade —, mas também um local onde a poeta podia observar a natureza. Muitas das criaturas e plantas que habitavam o seu jardim, como cobras, abelhas e tristes-pia, uma ave de plumagem predominantemente preta que habita o território da América do Norte, surgem na sua poesia, incluindo nos poemas de Herbarium. “O jardim era um lugar onde Dickinson sentia que pertencia. ‘Ultimamente cheguei à conclusão que sou Eva, aliás Mrs. Adam’, brincou numa carta para Abiah Root”, uma amiga dos tempos de escola.

Foi, portanto, natural que, quando começou a escrever poesia durante a infância, Emily tenha olhado para o que a rodeava em Ahmerst, uma paisagem que estava tão intimamente ligada ao seu dia a dia na propriedade da família. Porém, a forma como escolheu fazê-lo não era habitual. Ao contrário de outros poetas e escritores norte-americanos do mesmo período, nomeadamente os românticos, aos quais tem sido associada, recusou-se a interpretar o mundo natural à luz de teorias científicas e teológicas ou a utilizá-lo “como um guia para o comportamento moral”, como afirmou John B. Pickard. Em vez disso, usou-o para revelar nos seus textos as suas experiências pessoais e para desenvolver e fornecer “criações imaginárias, observações e perceções”.

Algumas das plantas e flores colhidas por Emily Dickinson que fazem parte do seu herbário. A edição da Relógio d'Água reproduz algumas destas páginas

Houghton Library

Grace Mei-shu Chen, num ensaio publicado nos Dickinson Eletronic Archives, explicou que, apesar de ter sido exposta às novas ideias e filosofias sobre o mundo natural, que surgiram na América no século XIX, e de os seus textos refletirem “as influências culturais do romantismo, da teologia natural e do trascendentalismo de Emerson, Dickinson não permaneceu recetora ou divulgadora dessas influências”. Em vez disso, “equilibrou assimilação com interrogação, ceticismo, disrupção e exploração”. Ao contrário de pensadores como Edward Hitchcock ou Ralph Waldo Emerson, os textos da poeta “sugerem que a natureza que desafia a ser definida não é o único local onde o poeta pode estudar o trabalho de Deus ou testemunhar a beleza, o sublime ou o poder imaginativo. É também onde experiencia o inescrutável, o mutável, o indefinível, o positivo e o negativo, e onde se relaciona com a biodiversidade, o nascimento e a morte, o mistério, os limites da ciência, a reavaliação dos pressupostos logocêntricos, o aleatório, a evolução, o prazer estético e o conhecimento”.

Nos “poemas botânicos” de Emily Dickinson é possível encontrar uma grande variedade de criaturas que habitam o mundo natural, desde as mais importantes às mais significantes. O rato, o cogumelo, a mosca, o abeto ou a simples margarida — todos têm o seu lugar na poesia de Emily. “Os românticos evitavam estes aspetos (…) mas Emily Dickinson encontrou neles a verdadeira representação da natureza”, defendeu Fariha Khan, no ensaio “Emily Dickinson as a nature poet”.

Grace Mei-shu Chen acredita que os poemas de Emily Dickinson têm significância ecológica, porque “registam vários processos naturais, fenómenos e seres” que “ajudam a iluminar as condições ecológicas de Ahmherst na segunda metade do século XIX, quando era o habitat natural de diversas criaturas que estavam” a sofrer as consequências do desenvolvimento e da desflorestação. “Mais significativamente, estes trabalhos, que criam novas imagens dos elementos naturais e mostram respeito pela diversidade, providenciam um conjunto de conhecimento biológico e ecológico assim como prazer estético, que potencialmente afeta uma mudança refrescante no olho mental e na atitude em relação à natureza.”

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