O Ministério Público (MP), o Tribunal de Contas (TdC), a Inspeção-Geral de Finanças e a Polícia Judiciária receberam, no verão de 2021, uma denúncia anónima que acusava a Fundação Casa da Música (FCM) de favorecer em termos comerciais e publicitários os seus mecenas e de não cumprir as regras de contratação pública. Estão já em curso investigações por parte do MP e do TdC. A notícia é avançada pelo Público, esta quinta-feira.

O documento, entretanto publicado online, anexa centenas de faturas e comunicações internas, entre outros. E acusa a administração da FCM de beneficiar mecenas da fundação em materiais promocionais da Casa da Música, o que vai contra o Estatuto do Mecenato. A administração é ainda acusada de celebrar contratos desrespeitando as regras de contratação pública, que deveria cumprir por ser financiada maioritariamente pelo Estado.

Um dos exemplos mencionados é o da relação comercial da Casa da Música com a empresa Casa Florida, da empresária Vanessa Garcia-Agulló, que fornece arranjos florais desde 2009, num total de 200 mil euros faturados entre esse ano e 2020. Especificamente, entre 2018 e 2020, os valores ultrapassaram sempre os 27 mil euros, um aumento que os denunciantes ligam ao facto de Fernando da Cunha Guedes, marido de Vanessa Garcia-Agulló e presidente da Sogrape, se ter tornado mecenas da Casa da Música. Fernando Cunha Guedes, que ao Público rejeitou “cabalmente as alegações” de favorecimento, é atualmente vice-presidente do conselho de fundadores da Casa da Música e, de acordo com a denúncia, é desde 2015 gerente da Casa Florida.

A administração da FCM também garante que as relações com os mecenas e fundadores “não condicionam, determinam ou influenciam a escolha dos prestadores de serviços”.

Outro exemplo citado inclui celebrações de contratos com a Allianz, enquanto José Pena Amaral era simultaneamente administrador da Casa da Música e da seguradora. Há ainda denúncias ligadas ao grupo Sonae, ao BPI e à Fundação La Caixa. No caso destas duas últimas entidades, por exemplo, a denúncia indica que apenas os respetivos logótipos estão representados no cubo colocado no exterior, o que viola, segundo os denunciantes, o Estatuto do Mecenato. A FCM responde que também mantém contratos de patrocínio que, na denúncia, são tratados “indistintamente” com os de mecenato.

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A administração diz ainda que está a aguardar a decisão do Tribunal de Contas “com absoluta serenidade”.

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Casa da Música rejeita ter beneficiado indevidamente mecenas

A Fundação Casa da Música rejeitou esta quinta-feira o benefício indevido de mecenas, do qual foi acusada numa denúncia anónima divulgada ‘online’, salientando que tem sido “absolutamente transparente” quanto ao tratamento dado aos seus mecenas.

Num comunicado enviado à imprensa, o Conselho de Administração da Fundação Casa da Música destacou que “tem sido absolutamente transparente a este propósito, como o demonstra o facto de explicitar, em documentos como o ‘Plano de Atividades e Orçamento’, o tratamento dado aos seus mecenas e apresentar as medidas tomadas para atrair mais mecenas e manter os já existentes”.

A denúncia, intitulada “Casa da Música: uma rapsódia só”, está exposta num ‘site’ com o nome “Fugas da Casa”, que descreve formas usadas por empresas privadas para, “aproveitando o seu duplo estatuto de mecenas e membros dos órgãos de gestão da Fundação Casa da Música (financiada pelo Estado com 10 milhões de euros anuais), retirarem benefícios próprios ilegais que ascendem a muitos milhares de euros por ano”.

Ao longo de sete secções – cinco “fugas” e dois “episódios” –, são expostos alguns dos negócios que terão, alegadamente, beneficiado empresas representadas no conselho de administração e no conselho de fundadores da Casa da Música.

Segundo a denúncia, estes negócios representam “o incumprimento de legislação em, pelo menos, dois domínios: o Estatuto do Mecenato, que proíbe os benefícios comerciais e publicitários em troca de apoio mecenático, e o Código dos Contratos Públicos, que obriga as instituições com financiamento estatal maioritário a procedimentos transparentes na contratação de serviços a partir de 5.000 euros”.

“Os casos aqui expostos representam negócios bem acima deste valor”, lê-se na denúncia que é acompanhada da digitalização de centenas de faturas e, em alguns casos, de correspondência comercial e comunicações internas da fundação.

De acordo com o texto, a informação em causa foi enviada, no ano passado, ao Tribunal de Contas, à Inspeção-Geral de Finanças, ao Ministério Público e à Polícia Judiciária.

A Fundação Casa da Música argumenta que “as contratações referidas na denúncia não constituíram, para as empresas em causa, um benefício indevido, uma vez que apenas foram remuneradas pelos fornecimentos realizados e serviços efetivamente prestados, a valores competitivos, não tendo a Fundação, também por essa razão, suportado qualquer prejuízo económico na contratação dos fornecimentos e serviços”.

Além disso, recorda a sua “singularidade jurídico-institucional, que reclama uma forte relação com o setor privado, quer na composição dos seus órgãos sociais, quer no estabelecimento de relações de mecenato e de patrocínio”, destacando que “as relações mecenáticas que certas empresas estabelecem com a Fundação ou o exercício de cargos corporativos por certas pessoas não podem servir como fundamento para as afastar — pessoas e empresas — de prestarem serviços ou de fazerem fornecimentos à Casa da Música, tanto mais que, em certos casos, isso significaria tornar os mercados concorrenciais mais exíguos ou mesmo afastar alguns dos melhores operadores do mercado”.

No comunicado, a fundação dá conta de que tinha conhecimento da informação divulgada no site “Fugas da Casa”, “uma vez que deu origem a uma denúncia, do mesmo teor e também anónima, da qual a fundação foi notificada, para efeitos de pronúncia, pelo Tribunal de Contas, no final do ano de 2021, e reportada a factos pretensamente ocorridos no período 2009-2021”.

A fundação refere ainda não ter sido, “até ao momento, notificada de qualquer diligência do Ministério Público a respeito da mesma informação”.

Quanto ao processo aberto pelo Tribunal de Contas, a Casa da Música disse ter-se pronunciado “sobre os vários casos que foram apresentados”, tendo prestado “todos os devidos esclarecimentos” e juntado “a documentação de suporte à contratação de fornecimentos e serviços, bem como às relações de patrocínio e mecenato que mantém”.

Para a fundação, “os esclarecimentos prestados demonstram a improcedência das acusações feitas e agora renovadas junto da Comunicação Social, evidenciam erros técnicos de análise, incorreto enquadramento jurídico e desconhecimento de factos relevantes da atividade da Casa da Música”.

Considera a fundação “estar absolutamente demonstrado que a determinação dos seus fornecedores e prestadores de serviços partiu de escolhas e análises concorrenciais e de eficiência económica, e sempre tendo como princípio norteador a defesa dos interesses da Casa da Música”.

A Fundação Casa da Música aguarda “com absoluta serenidade, a mesma com que atuará quando e se for notificada pelo Ministério Público a respeito destes mesmos temas”, a decisão do Tribunal de Contas.

Notícia atualizada às 22h03