O Conselho Superior da Magistratura (CSM) debate esta quinta-feira e sexta-feira a independência do poder judicial, no seu XVI Encontro Anual, que decorre em Vila Nova de Gaia e conta com a presença da ministra da Justiça e do Presidente da República.

O programa de dois dias abre com intervenções do presidente da Câmara Municipal de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, do vice-presidente do CSM, o juiz conselheiro José Sousa Lameira e da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.

Para além de participações do professor de direito e constitucionalista Paulo Otero e do presidente da Rede Europeia de Conselhos da Magistratura, Professor Filippo Donati, o evento conta ainda no seu último dia com uma mesa redonda na qual participam a provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, da jurista, deputada e ex-ministra socialista Alexandra Leitão e do professor e ex-deputado do PSD Miguel Morgado.

O encontro é encerrado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo juiz conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, por inerência, do CSM.

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Henrique Araújo tem dado voz a preocupações de contaminação do poder judicial pelo poder político, tendo criticado publicamente nos últimos tempos o que apelidou de “portas giratórias” na magistratura, com magistrados a entrarem e a saírem da carreira judicial com passagens pela vida política.

Recentemente, numa cerimónia de tomada de posse de juízes recém-formados, o presidente do CSM alertou para tentativas de enfraquecer a Justiça com campanhas de desinformação, lembrando os casos europeus da Polónia e da Hungria, onde o poder judicial tem sido subjugado ao poder político, reforçando que é preciso continuar atento a essas tentativas de subjugação.

A organização do XVI Encontro Anual do CSM espera reunir em Vila Nova de Gaia cerca de 300 juízes este ano.

Conselho Superior da Magistratura considera inadmissível que Estado entregue à arbitragem litígios em que é parte

O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura defendeu esta quinta-feira que o Estado está a contribuir para o descrédito do funcionamento da Justiça ao retirar dos tribunais e entregar à arbitragem a resolução de litígios em que é parte.

Na intervenção de abertura do XVI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura (CSM), dedicado a debater a independência do poder judicial e que decorre esta quinta-feira e sexta-feira em Vila Nova de Gaia, o juiz conselheiro José Sousa Lameira defendeu que o maior problema da Justiça, “há muito identificado, é sem dúvida a lentidão na resolução dos litígios”, que “falha essencialmente por não conseguir dar resposta em tempo razoável”.

Isto é sentido como uma incapacidade de o Estado administrar justiça aos seus cidadãos, o que leva muitos a defender o recurso a meios alternativos, designadamente à arbitragem e, em última linha, à privatização da Justiça. Não considero que o caminho seja esse, designadamente quando uma das partes é o Estado (central ou não) pois os tribunais arbitrais não são órgãos estaduais, sendo altamente controvertido que constituam órgãos de soberania”, disse.

Para o vice-presidente do CSM “é inadmissível que o Estado remeta a resolução dos litígios nos quais é parte para fora dos Tribunais Estaduais, pois isso é não acreditar no funcionamento das suas próprias instituições, nos seus Tribunais, o que contribui claramente para o descrédito do funcionamento da Justiça”.

Sousa Lameira recusou ainda uma ideia de corrupção generalizada na sociedade portuguesa extensível à Justiça, que “ameaça a confiança na democracia, colocando em causa o próprio sistema democrático”, defendendo que os magistrados a devem combater com um comportamento ético.

“Os casos excecionais conhecidos permitem que se discuta a questão da corrupção na Justiça e nos juízes. Não pode ser tema tabu. Contudo, volto a dizer, não pode ser um caso excecional e isolado a fazer germinar a ideia – perigosa, diga-se, e também injusta — de que a corrupção tem terreno fértil na Justiça”, defendeu o juiz conselheiro.

Sousa Lameira defendeu uma classe independente do poder político e outros “grupos de pressão” externos, mas também independente de forças internas, como o próprio CSM, estruturas sindicais ou outras representativas de classe.

E defendeu a legitimidade democrática do poder judicial, que não tem que resultar de eleições, mas sim do respeito pela Constituição, que define funções e estatuto dos juízes, e do respeito pela lei, à qual se encontram vinculados, não a podendo substituir “pelos seus próprios valores, nem fazer tábua rasa da lei, para fazer vingar a sua própria ideia de justiça”.

“Por vezes, fala-se de um não legitimado ‘regime dos juízes’. O Direito e os juízes seriam um entrave à governação. Os tribunais seriam forças de bloqueio. Não tenho dúvidas de que não existe nenhum regime dos juízes e de que estes não pretendem exercer as funções de outros poderes do Estado (executivo ou legislativo). O poder judicial, representado pelos juízes, não foge às suas responsabilidades”, disse.

Para o juiz conselheiro, “o CSM deve ser o primeiro a defender a independência dos juízes” e deve fazê-lo resistindo ao “clamor mediático” que possa surgir contra determinado juiz, tendo o dever de ser “extremamente cauteloso e ponderado na abertura de processos disciplinares, os quais podem condicionar a independência dos juízes”.

“Na verdade, quando uma decisão judicial, seja sobre uma causa socialmente sensível ou politicamente incómoda, seja sobre outro qualquer assunto, não agradar, bastará montar um círculo mediático para forçar o Conselho a agir disciplinarmente. E lá temos nós a última pedra no edifício do Estado intrusivo, pois, com juízes amedrontados, quem resta para defender os cidadãos?”, questionou o vice-presidente do CSM.

“Principalmente aqueles que não se movimentam nos corredores dos meios da comunicação social, nem são conhecidos por um pensamento politicamente correto, nem se movem no âmbito das influências geradas pelo poder económico”, acrescentou.

A concluir a sua intervenção, Sousa Lameira defendeu que “a independência do poder judicial passa também pela efetiva composição do CSM”, que, podendo ter membros nomeados externamente, não pode ter os juízes “representados em minoria no seu órgão constitucional de autogoverno”.

“A maioria de juízes é possível, como atualmente acontece, mesmo sem qualquer alteração legislativa, se o Excelentíssimo Presidente da República nomear um juiz conselheiro”, sublinhou.

O vice-presidente do CSM evocou ainda as “situações graves e preocupantes” da Polónia, Hungria e Turquia, onde a lei foi alterada para permitir ingerências do poder político na independência judicial, ameaçando o Estado de Direito, para afirmar que “em Portugal, felizmente, esse perigo está afastado”.