O dia em que o Brasil ficou a conhecer Janja foi o dia em que Lula da Silva saiu da prisão. Depois de ter passado 580 dias preso e de ter visto a condenação anulada em novembro de 2019, o novo Presidente eleito do Brasil escolheu pegar no microfone, logo à saída da prisão, e por entre recados políticos apresentar ali a nova namorada: “Consegui a proeza de, preso, arrumar uma namorada, ficar apaixonado e ainda ela aceitar casar comigo — é muita coragem dela”. Ao lado, Janja sorria e abraçava Lula enquanto a multidão — a multidão de que fez parte naqueles 580 dias, em vigílias à porta da Polícia Federal — aplaudia.

Passaram três anos, Lula e Janja casaram-se e, a partir de janeiro, a socióloga, terceira mulher do novo Presidente, será mesmo a nova primeira-dama do Brasil. E as constantes mostras de carinho ou referências apaixonadas como a que Lula fez no dia em que saiu da prisão não são irrelevantes: é que a mulher que diz querer mudar a essência do papel de primeira-dama, assim como a sua relação com Lula, foram peças-chave na campanha do petista e na mensagem — política e emocional – que quis passar.

Janja, que era tratada assim pelos seus amigos e, agora, pelo país inteiro, chama-se na verdade Rosângela da Silva e nasceu há 56 anos em União da Vitória, no Paraná, tendo-se mudado para Curitiba durante a infância. Não são conhecidos grandes pormenores sobre a sua vida pessoal antes de conhecer Lula, sendo que a revista Veja refere que chegou a estar casada durante dez anos e nunca teve filhos.

A vida profissional e política é, sim, conhecida, ou não fosse Janja uma ‘petista de carteirinha’, como diz a própria — ou seja, era militante bem antes de conhecer Lula e filiou-se no PT logo aos 17 anos. Entretanto, como recorda o Globo, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, especializou-se em História e fez um MBA em Gestão Social e Sustentabilidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A partir de 2005, foi coordenadora de programas de desenvolvimento sustentável, na central hidroelétrica de Itaipú, tendo depois passado pela Eletrobrás e sido assessora de comunicação e relações institucionais da empresa, onde hoje em dia já não trabalha.

Hoje Janja está, de resto, completamente focada no papel de primeira-dama, como até aqui esteve na participação na campanha de Lula. Já era grande apoiante de Lula, que conheceu ainda nos anos 1990, quando andava já em campanha presidencial (corrida que perdeu por três vezes nessa década) e a conhecer o país nas suas “caravanas da cidadania”, mas só se aproximaram a partir de 2017, quando se viram num encontro com ativistas de esquerda.

Comidinha, roupa lavada e flores. O tempo da prisão

A versão oficial é, no entanto, que a relação começou realmente já com Lula na cadeia. Em entrevista a um podcast brasileiro, em 2021, o agora Presidente eleito contava: “Ela morava em Curitiba e sempre levava uma comidinha para mim toda a noite. Não deixava eu mandar minha roupa para lavar fora, queria lavar na casa dela. Quando eu saí, pensei: ‘não tem jeito, acho que vou ter mesmo que casar com a bichinha’“. Janja estava identificada como “família” já na lista de visitantes da prisão.

A isto juntavam-se as “centenas de cartas de amor” que os dois trocaram durante aqueles 580 dias (ambos mandavam uma todos os dias, contou Lula, que às vezes lhes juntava ramos de flores), até Lula sair da prisão e apresentar publicamente a namorada — embora o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira tivesse chegado a revelar nas redes sociais que Lula estava apaixonado e que o seu primeiro projeto, quando saísse da prisão, seria casar-se.

Foi o que aconteceu, em maio de 2022, numa festa de casamento em que foi exibido o vídeo do hino de campanha “Sem Medo de Ser Feliz” (Lula Lá), numa nova versão que foi uma “surpresa preparada por Janja para Lula”, sendo que os dois vivem juntos em São Paulo desde que Lula saiu da prisão. Depois desse dia, Lula passou a falar com frequência da mulher, uma vez que, como explica a BBC, Janja — que tem menos 21 anos que Lula — se tornou uma espécie de símbolo de “juventude e saúde” na campanha.

Isto apesar de dizer que não gosta de falar por ela: “Eu não gosto muito de falar sobre a Janja porque ela mesmo pode falar sobre si”, disse, sobre a mulher assumidamente feminista. Em entrevista ao podcast “Mano a Mano”, Lula admitiu que, durante o seu segundo casamento com Marisa Letícia, tinha uma “cultura machista, de um peão de fábrica, que achava que a mulher tinha que fazer a comida quando eu chegasse” mas que agora a situação é diferente. “Eu agora estou com a Janja, que é muito politizada, tem uma cabeça política boa e é muito feminista“, explicou.

É importante referir que Lula já foi casado e ficou viúvo por duas vezes: a primeira mulher, Maria de Lourdes da Silva, com quem se casou em 1969, morreu em 1971, vítima de negligência médica, após complicações de hepatite e anemia. A segunda, Marisa Letícia, morreu em 2017, após ser vítima de um AVC e depois de um casamento de 43 anos, durante o qual tiveram quatro filhos.

O amor na campanha e o coração “brando”

Agora, Janja mostra-se politicamente ativa e muito envolvida na campanha do marido, que tem usado a relação dos dois como uma prova do “amor” que Lula quer trazer ao Brasil durante este novo consulado, por contraponto à presidência de Bolsonaro. Durante a campanha, Lula descreveu-se frequentemente como “um homem apaixonado”.

No discurso de arranque da campanha, pouco antes do seu casamento, usara a mesma ideia: “Eu quero dizer para todos vocês: quero voltar efetivamente com o coração mais brando do que eu já tive. A presença da Janja aqui e o que ela falou é a consagração: eu estarei casando esse mês e, portanto, vocês têm que saber que um cara que tem 76 anos e está apaixonado como estou, que está querendo casar, só pode fazer o bem para esse país”, disse Lula.

Já depois da vitória deste domingo, que comemorou com um beijo a Janja, Lula voltou a lembrar a multidão de que está “amando” e “apaixonado”.

A par dessa mensagem positiva que querem passar aos apoiantes, Janja, que não deu entrevistas, foi comunicando muito pelas redes sociais e adiantando algumas das suas principais causas. Entre elas, a defesa dos direitos das mulheres e o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, o bem-estar animal e a proteção ambiental.

Além disso, durante a campanha fez a ponte com a comunidade artística, aparecendo ao lado de alguns dos artistas que declararam o apoio a Lula, e no dia de votar lembrou as vítimas da pandemia, incluindo a sua própria mãe (que Lula já referira num debate contra Bolsonaro) e o humorista Paulo Gustavo, que faria anos nesse dia.

“Hoje vim votar porque na sexta-feira foi o aniversário da minha mãe, que morreu de Covid, e hoje seria o do Paulo Gustavo. Vim votar pelas quase 700 mil vítimas da Covid-19, negligenciadas por este Governo. É uma dor que não passa”, disse.

No Instagram, Janja promoteu, em agosto, que vai “ressignificar o papel de primeira-dama”. Num evento com Lula, já tinha dito que não quer ser apenas uma “ajudadora” do marido – uma expressão usada por Michelle Bolsonaro para descrever o seu papel. “Eu não vou te ajudar não, não vou ser ajudadora. Eu vou estar ao seu lado, junto, lutando, para a gente dar de novo o Brasil da esperança que esse povo merece”, contrapôs Janja.

Entretanto, não só esteve presente em diversos comícios (onde muitas vezes canta ao microfone músicas de apoio a Lula) como também fez parte das reuniões de campanha, com a equipa que define a estratégia de Lula. O comportamento muito pró-ativo da próxima primeira-dama até terá irritado algumas pessoas no círculo no novo Presidente, escreve a BBC, garantindo que Janja é vista, por uns, como “ciumenta e bastante protetora”, interrompendo encontros quando Lula está cansado e levando-lhe água; para outros, é simplesmente cuidadosa e mostra preocupação com o marido, com quem acertará as decisões, que não toma sozinha.

Este domingo, a socióloga comemorou efusivamente a vitória nas redes sociais, depois de ter estado sempre ao lado do Lula, no discurso inicial e depois na Avenida Paulista, perto de milhares de apoiantes. “O Brasil da Esperança e do Amor!! Te amo meu Amor. Parabéns Brasil. O amanhã vai ser um lindoooooo”, escreveu. A partir de janeiro, terá um papel ainda mais ativo na política brasileira.