As mortes por overdose aumentaram 45% no ano passado face a 2020, totalizando 74, o valor mais alto desde 2009, revela um relatório nacional divulgado esta quarta-feira, que destaca o “valor atípico” de presença de metadona nestes casos (41%).

Os dados constam do Relatório Anual sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência em 2021 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) que vai ser apresentado esta quarta-feira numa audiência na Assembleia da Republica pelo diretor-geral do SICAD, João Goulão.

O documento destaca também que o número de mortes por overdose com cocaína (51%) foi o mais elevado desde 2009. Em 39% dos óbitos foi detetada a presença de opiáceos.

Segundo o relatório, os valores registados nos últimos quatro anos de overdoses com cocaína e com opiáceos foram os mais altos desde 2011.

Na grande maioria (84%) das overdoses havia mais do que uma substância, destacando-se as benzodiazepinas (58%) e o álcool (22%).

Além das 74 mortes por overdose, foram registados outros 339 óbitos por outras causas e que apresentaram resultados toxicológicos positivos, um número que tem vindo a aumentar desde 2016, atingindo em 2021 o valor mais alto desde 2008.

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Os dados indicam que 42% destas mortes foram atribuídas a morte natural, 36% a acidentes, 13% suicídio e 3% homicídio.

No ano passado, estiveram em tratamento 23.932 utentes com problemas relacionados com o uso de drogas no ambulatório da rede pública, referem os dados, salientando que, dos 3.236 utentes que iniciaram tratamento, 1.538 eram readmitidos e 1.698 novos utentes.

Apesar de ter havido um ligeiro aumento (inferior a 2%) entre 2020 e 2021 dos utentes em tratamento no ambulatório, após as descidas nos quatro anos anteriores, ainda está “muito aquém dos valores pré-pandemia”.

Na rede pública e licenciada registaram-se 440 internamentos relacionados com o uso de drogas em Unidades de Desabituação (mais 45% relativamente a 2020) e 1.980 em Comunidades Terapêuticas (+8%), correspondendo a 52% e 56% do total de internamentos nestas estruturas.

“Estes internamentos aumentaram face a 2020, ano em que houve decréscimos relevantes devido à pandemia, após a tendência de estabilidade entre 2016-2019”, refere o relatório, observando que o número de internamentos em comunidades terapêuticas já está próximo dos valores pré-pandemia, mas os das unidades de desabituação ainda estão “muito aquém”.

Apesar de a heroína continuar a ser a droga principal mais referida entre os utentes em ambulatório e nas Unidades de Desabituação, no caso dos utentes das comunidades terapêuticas e dos novos utentes em ambulatório, a cocaína e a canábis são predominantes.

Em 2021, os consumos recentes de droga injetada variaram entre 3% e 14% nos vários grupos de utentes em tratamento, e as práticas recentes de partilha de seringas totalizaram entre 9% e 28% nos consumidores de drogas por via injetável.

“Considerando a heterogeneidade dos perfis demográficos e de consumo dos utentes em tratamento, torna-se essencial continuar a diversificar as respostas e a apostar nas intervenções preventivas de comportamentos de consumo de risco”, defende o relatório.

No final de dezembro de 2021 estavam integrados 54 reclusos em programas orientados para a abstinência e 850 em programas farmacológicos (838 com agonistas opiáceos e 12 com antagonistas).

Segundo o mesmo relatório, as apreensões e as quantidades confiscadas de todas as drogas, que tinham sofrido uma quebra em 2020, aumentaram em 2021, sendo uma vez mais o haxixe a substância com o maior número de apreensões (1.081).

A seguir ao haxixe, as substâncias ilícitas com mais apreensões foram a cocaína (513) e a liamba (449) e, com valores inferiores, a heroína (270) e o ecstasy (77), adianta o documento, que assinala, pela primeira vez no âmbito destes registos, apreensões de MDMB-4-en-PINACA (canabinoide sintético), de 4-CMC e de alfa-PHP (ambas substâncias estimulantes).

Segundo os dados, houve “um incremento significativo da liamba apreendida” em 2021, o valor mais elevado desde 2010, e descidas nas quantidades confiscadas de haxixe, apesar de ser o segundo valor mais alto desde 2015, e de ecstasy, o valor mais baixo desde há sete anos.

As quantidades apreendidas de cocaína e de heroína foram próximas às de 2020, sendo os valores dos últimos três anos os mais altos desde 2007 no caso da cocaína, e os mais baixos de sempre no caso da heroína.

Os dados referem também que, entre 2020 e 2021, houve um aumento das apreensões de haxixe (+49%), de heroína (+29%) e de cocaína (+28%), e ligeiras descidas das de liamba (-3%) e de ecstasy (-3%), mas tendencialmente inferiores aos dois anos anteriores, pré-pandemia, exceto no caso da liamba e da heroína.

As restrições devido à pandemia afetaram diversos aspetos dos mercados das drogas ao nível nacional e global, embora ainda esteja por avaliar o seu impacto a médio e longo prazo”, lê-se no documento.

O relatório realça as quantidades confiscadas nos últimos dois anos de plantas de canábis, “os valores mais altos do milénio”, e de plantas de ópio, os valores mais altos desde 2009.

Quanto às rotas, o documento adianta que “Portugal tem sido um país de trânsito no tráfico internacional de haxixe e de cocaína, em particular nos fluxos oriundos, respetivamente, de Marrocos e da América Latina e Caraíbas, e com destino a outros países, sobretudo europeus”.

Em 2021 destacaram-se como principais países de origem da cocaína apreendida o Brasil, seguido do Paraguai e da Costa Rica, constatando-se nos últimos anos uma redução na utilização de Portugal em rotas com destino fora da Europa.

Marrocos e Espanha surgiram como os principais países de origem no caso do haxixe e Espanha e Portugal no da liamba.

Sobre os meios utilizados no transporte das drogas, houve, entre 2020 e 2021, um “aumento relevante” do número de apreensões por via marítima de haxixe (pelo segundo ano consecutivo) e de cocaína.

No ano passado, foram identificados 2.083 presumíveis infratores, mais 25% face a 2020, (42% como traficantes e 58% como traficantes-consumidores), 1.579 (76%) dos quais foram detidos, mas os valores mantêm-se inferiores aos dos anos pré-pandemia.

No final de dezembro do ano passado, estavam detidos 1.742 indivíduos condenados ao abrigo da Lei da Droga, representando o segundo valor mais baixo dos últimos dez anos e um ligeiro decréscimo (-2%) face a 2020.