Várias organizações que resgatam pessoas no Mediterrâneo central desafiaram esta quinta-feira o Governo italiano, ao anunciarem que não irão acatar o decreto aprovado na quarta-feira que prevê multas e o arresto de navios humanitários.

As organizações alemãs Sea-Eye e Sea-Watch e a italiana Emergency explicaram, citadas pela agência EFE, que consideram “ilegal” a norma aprovada pelo executivo liderada pela ultraconservadora Giorgia Meloni, que mudou a sua estratégia de “portos encerrados” para a de “portos distantes”, visto que ao autorizar o desembarque em locais distantes, os navios mantêm-se longe da zona de resgate o maior tempo possível.

“De acordo com a versão do decreto a que tivemos acesso e uma avaliação preliminar ao seu conteúdo jurídico, é provável que seja ilegal, na medida em que visa regular o comportamento dos navios de bandeira alemã em águas internacionais e penalizar a sua entrada no mar italiano”, refere a Sea-Eye, num comunicado hoje divulgado.

O decreto estipula que Itália aplicará um regime de sanções administrativas, em vez de penais, podendo ainda proceder “à detenção administrativa do navio (em relação à qual se admite recurso) e, em caso de reincidência da conduta proibida, à sua apreensão, precedida de apreensão cautelar”.

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Embora o valor das multas não tenha sido especificado, os meios de comunicação locais noticiaram que serão de 50 mil euros para os barcos e até dez mil euros para o capitão e o proprietário do navio, caso não forneçam as informações exigidas.

A Sea-Eye não seguirá nenhum código de conduta ilegal, nem nenhuma outra diretiva oficial que viole o direito internacional ou as leis do Estado de bandeira. No nosso caso, das leis da República Federal da Alemanha. Por isso, rejeitamos este suposto código de conduta e tememos que gere conflitos com as autoridades italianas”, acrescentou a ONG alemão, que pediu proteção alemã.

Já a Emergency disse que só respeitará o decreto, que “reduz drasticamente as possibilidades de salvar vidas no mar, limitando as operações dos navios humanitários e multiplicando os custos das operações de resgate para todas as ONG no mar”, se este não entrar em conflito com as leis internacionais.

A organização italiana recordou que em 2022 quase 1.400 pessoas perderam a vida no Mediterrâneo central só este ano, enquanto mais de 20 mil foram devolvidas à Líbia, onde “desaparecem em circuitos de tráfico de seres humanos ou são levadas para centros de detenção em condições desumanas, submetidas a maus tratos, abusos e torturas, confirmadas pela ONU, organizações internacionais e jornais de todo o mundo”.

Também a Sea-Watch se opôs ao decreto, que é “um apelo para deixar que as pessoas se afoguem”. “Obrigar os navios a entrar no porto, viola o dever de resgate no caso de haver mais pessoas em perigo no mar”, defendeu aquela ONG.

A coordenadora médica da Sea-Watch, Hendrike Forster, citada pela EFE, defendeu que “a alocação politicamente motivada de portos distantes põe em perigo a saúde das pessoas resgatadas, e tem por objetivo manter os navios humanitários fora do Mediterrâneo o máximo tempo possível”.

“Desta forma, o Governo italiano assume a responsabilidade direta pelas consequências sanitárias a bordo dos navios de resgate”, afirmou.

Segundo o Governo italiano, o decreto-lei só irá aplicar-se em casos de violação dos limites territoriais ou de proibição de circulação, mas serão respeitadas as situações estipuladas na Convenção do Direito do Mar da ONU para a segurança das pessoas resgatadas no mar.

Desde o início do ano, 1.998 migrantes desapareceram no Mediterrâneo, incluindo 1.369 no Mediterrâneo central, a rota migratória mais perigosa do mundo, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Todos os anos, milhares de pessoas que fogem de conflitos ou da pobreza tentam chegar à Europa atravessando o Mediterrâneo a partir da Líbia, cuja costa fica a cerca de 300 quilómetros de Itália.