A ministra da Justiça salientou esta terça-feira que em Portugal os grupos religiosos minoritários “têm e manterão a liberdade de manifestar a sua fé ou crença religiosa“, o que “não acontece noutras partes do mundo”.

Contudo, estes momentos pacíficos e transitórios de convivência coletiva não significam que possamos ou devamos tomar tudo como garantido”, alertou Catarina Sarmento e Castro, ao discursar na cerimónia de abertura da Conferência Internacional “Consciência e Liberdade 2023” sobre Religião e Liberdade de Expressão, promovida pela Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR), que decorre esta terça e quarta-feira, em Lisboa.

Segundo a ministra, tem-se assistido ao ressurgimento mundial de todas as formas de religiosidade, desde o despertar do Islão ao reavivamento do evangelismo protestante, desde a renovação do cristianismo à disseminação de novas religiosidades na Europa de Leste, desde o ressurgimento de religiões na China à multiplicação de igrejas em África.

Por outro lado, disse, a racionalização e globalização das fronteiras entre espaços religiosos e seculares, resultantes dos princípios constitucionais da laicidade do Estado e da separação entre Estado e igrejas, estão a ser diluídas, e por mais do que uma razão.

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Se, por um lado, o nosso espaço público e mediático é cada vez mais ocupado pelo trabalho inestimável de muitas organizações religiosas a favor daqueles que lidam com os problemas mais difíceis da humanidade, como a fome ou a guerra, também nos confronta com notícias de acontecimentos de radicalismo e violência, com declarações que evocam motivos religiosos que nos levam a questionar como estamos a viver a liberdade religiosa e os princípios de separação e cooperação entre o Estado e as comunidades religiosas”, observou Catarina Sarmento e Castro.

Em sua opinião, é neste contexto que “a reflexão sobre a articulação e a coexistência saudável entre os princípios da liberdade de expressão e da liberdade religiosa se torna imperativa”, assim como a abordagem da tensão entre a liberdade de expressão religiosa e a liberdade de expressão sobre religião, os limites do discurso religioso e do discurso sobre religião ou os efeitos do constrangimento do discurso sobre os direitos da liberdade religiosa.

A ministra lembrou que o princípio da liberdade religiosa e o exercício desta liberdade são um dos pilares do Estado Democrático de Direito, com vista “a proteger a consciência religiosa, proteger os indivíduos que praticam uma religião minoritária, mas também aqueles que são fiéis aos mandamentos de credos religiosos maioritários, e mesmo aqueles que não têm uma religião, sejam ateus ou agnósticos”.

Este princípio implica portanto, não só a liberdade de mudar de religião ou crença, mas também a liberdade de manifestar a própria religião ou crença, sozinha ou em comum, tanto em público como em privado”, enfatizou.

Referiu a propósito que a Constituição Portuguesa consagra a separação entre Estado e religião, mas que o princípio da laicidade do Estado e a separação entre Estado e religião não deve impedir a realização de “um esforço conjunto contínuo no sentido da coexistência e do diálogo entre pessoas de fé e agnósticos”.

Pelo contrário, o princípio da laicidade do Estado deve implicar a defesa intransigente da tolerância como forma de garantir que todos possam, livremente, sem sofrer discriminação ou agressão, expressar a sua crença ou a sua falta de crença”, realçou.

Na ocasião, a ministra destacou o papel central que tem sido desempenhado ao longo dos anos por José Vera Jardim, antigo ministro da Justiça e presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa, na “promoção da coexistência e do diálogo entre comunidades religiosas e entre estas e não-crentes”.

Vera Jardim não pôde estar presente na conferência por motivos de saúde, tendo sido representado pelo vice-presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa, Fernando Soares Loja, que foi outro dos oradores na sessão, a par de Mário Brito e Adam Dieng, respetivamente presidente e presidente honorário da AIDLR.

Na sua intervenção, a ministra assinalou que as únicas ideias cuja divulgação deve ser proibida são as que se revelem incompatíveis com os princípios democráticos, ou seja, as que “incitam ao ódio e que visam restringir o debate público”.

E este é sem dúvida o caso do discurso do ódio, inequivocamente contrário aos valores de tolerância, paz social e não discriminação subjacentes à Convenção” dos Direitos Humanos, indicou Catarina Sarmento e Castro, falando das adaptações realizas no âmbito do Código Penal português por forma a assegurar uma proteção material e processual completa e eficaz contra a discriminação, incluindo o incitamento à discriminação, e para reforçar os seus esforços no combate à intolerância, estereótipos, preconceitos e discriminação contra grupos vulneráveis e minoritários, incluindo comunidades ciganas, pessoas de origem africana, muçulmanas e lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais e pessoas intersexuais.

A ministra recordou ainda que Portugal foi um dos primeiros estados-membros da União Europeia a adotar um plano, aprovando, em julho 2021, o “Plano Nacional contra o Racismo e a Discriminação 2021-2025 – Portugal contra o racismo”.

É compreensível que uma das prioridades do Programa do Governo seja precisamente o reforço dos mecanismos de prevenção e repressão do discurso do ódio, e a alteração do artigo 240.º do Código Penal, que se revelou essencial, já se encontra no circuito legislativo”, concluiu.