No dia em que Vladimir Putin discursou perante uma audiência de cerca de 200 mil pessoas para marcar o aniversário de um ano da invasão à Ucrânia, várias crianças ucranianas de Mariupol subiram ao palco do estádio Luzhniki para “agradecer” aos invasores.
Uma delas foi Anna Naumenko, menina de 15 anos, que dirigiu a sua mensagem a Yuri Gagarin, soldado que a terá “salvo”. “Obrigada tio Yuri por me ter salvo, à minha irmã e a centenas de milhares de crianças de Mariupol”, disse, segundo o jornal inglês The Guardian.
“Depois da transmissão, conheci as crianças que foram salvas em Mariupol pelo voluntário Yuri Gagarin. Mais de 300 crianças! Todas lhe chamam anjo”, declarou Polina Tsvetkova, apresentadora de um canal estatal russo.
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Meses antes, relataram “chocados” os antigos vizinhos de Mariupol, aquelas crianças viviam, de facto, na cidade do sul da Ucrânia, agora ocupada pelas forças russas. “A abominação é que não são atores”, disse um ucraniano. “São, realmente, crianças de Mariupol.” O canal inglês Sky News fala mesmo em “crianças raptadas”.
“A sua mãe [de Anna], a blogger Olga Naumenko, era conhecida na cidade”, indicou um antigo habitante ucraniano de Mariupol. A mulher terá, segundo o The Guardian, sido morta por estilhaços de uma explosão. A irmã Karolina também a acompanhou ao palco no momento em que agradeceu aos russos por a terem, alegadamente, salvo.
Um outro antigo morador da cidade ucraniana reconheceu mais uma das crianças que surge abraçada ao soldado. “O adolescente com o chapéu preto e o casaco cinzento a abraçar o invasor chama-se Kostya, meu vizinho. Vivíamos no mesmo prédio e passámos o primeiro mês da guerra no mesmo abrigo.”
Ao longo do último ano, foram vários os relatos de que as forças russas estariam a levar para a Rússia crianças ucranianas. Em julho, a ONU anunciou que estava a investigar o suposto envio de crianças ucranianas para a Rússia, onde seriam oferecidas para adoção a famílias russas, disse Michelle Bachelet, Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Mais recentemente, em fevereiro, um estudo da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, concluiu que a Rússia tinha enviado mais mais seis mil crianças ucranianas, entre os quatro meses e os 17 anos, para campos de reeducação e orfanatos.
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O ucraniano, cuja identidade nunca é revelada, acredita que a família de Kostya tenha sido “convidada” a mudar-se para Moscovo, em troca de um prémio monetário ou “motivada de outra forma”. “Não os posso chamar pró-Rússia porque antes da guerra em grande escala, eles nunca expressaram opiniões concretas”, diz.
Mas muitos habitantes de Mariupol recordam uma família de “boas pessoas”, com quem os antigos habitantes da cidade partilharam comida em momentos de grande escassez e aflição.
“Não sei porque é que a família de Kostya mudou a atitude perante os russos. Acho que eles são adaptativos… São pessoas a quem não lhes interessa sob que bandeira vivem. Estão à procura de benefícios para eles próprios nos dois lados”, disse um ucraniano que acrescentou que a mãe do adolescente trabalha agora na administração russa da cidade ocupada de Mariupol. De acordo com as redes sociais, diz o The Guardian, a família continua mesmo a viver na cidade do sul da Ucrânia.
Presidente russo diz que candidaturas para adotar crianças nos territórios anexados estão a aumentar
Dias antes de discursar no estádio Luzhniki, Vladimir Putin revelou que o número de candidaturas para a adoção crianças nas quatro regiões ucranianas anexadas em setembro do ano passado está em “crescimento”, com os cidadãos russos interessados em adotar crianças das regiões de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporíja.