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O atletismo é uma das modalidades mais marcadas pelos ciclos, pelos momentos e pelo contexto de cada uma das grandes provas internacionais do calendário. Em alguns casos, como no triplo masculino, a diferença é demasiado grande para esperar muitas surpresas e heróis improváveis; noutros, como no peso feminino dos Europeus de Pista Coberta, todos os pormenores contam. E comparar 2021 com 2023 é encontrar o exemplo paradigmático disso mesmo, tendo como centro das atenções a campeã em título, Auriol Dongmo.

Após ter sido várias vezes campeã africana da especialidade, a atleta de 32 anos nascida nos Camarões teve a primeira grande medalha internacional por Portugal nos Europeus de Pista Coberta de Torun, em 2021. Aí, só mesmo a sueca Fanny Roos conseguiu colocar o triunfo em causa, fazendo um 19,29 que a colocou à frente antes da resposta imediata de Auriol com um 19,34 que seria decisivo para arrecadar o título. Também aí,  a alemã Christina Schwanitz fechou o pódio já longe das adversárias, ao passo que a neerlandesa Jessica Schilder, mesmo batendo o seu recorde pessoal com 18,69, não passou da quinta posição. Agora, dois anos depois em Istambul, a mesma Schilder garantiu a qualificação à primeira com 19,18 (única apurada direta a par da portuguesa, que fez também de início 18,51) e chegava como favorita à discussão das medalhas.

“O apuramento correu bem. O mais importante, que era a qualificação, foi feito. Estava na minha cabeça que tinha de fazer o lançamento para a final no primeiro lançamento e, depois, descansar para o mais importante, que é amanhã [sexta-feira]. Na final tenho de lançar muito mais longe… O trabalho foi feito. Vão ser seis lançamentos e cada um vai ser importante para poder conquistar esta medalha. Fisicamente estou bem, mas tenho de me mentalizar que posso. Estou motivada, vou lutar até ao fim e quero ganhar mais uma medalha de ouro para os portugueses, porque gosto de ver os portugueses felizes”, comentou após garantir presença na decisão da especialidade a par de Jéssica Inchude (sétima marca de qualificação com 17,92).

Depois dessa vitória em Torun, Auriol Dongmo teve de dar a volta a um dos maiores desgostos da carreira, ao falhar por cinco centímetros as medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio onde foi a melhor europeia atrás de Gong Lijiao, Raven Saunders e Valerie Adams, e partir para uma segunda metade de ciclo muito positivo. No final, conseguiu: sagrou-se campeã mundial de Pista Coberta com um fabuloso lançamento para recorde nacional a 20,34 que bateu Chase Ealey (20,21) e Jessica Schilder (19,48); acabou a final dos Campeonatos do Mundo ao Ar Livre na quinta posição com 19,62 atrás de Chase Ealey (20,49), Gong Lijiao (20,39) e Jessica Schilder (19,77); ficou como vice-campeã europeia ao Ar Livre numa decisão onde perdeu de novo apenas para Jessica Schilder sendo que ambas baterem os recordes nacionais (20,24-19,82).

Assim, o duelo entre a jovem neerlandesa de 23 anos e a portuguesa de 32 anos era um dos mais aguardados do primeiro dia de finais em Istambul, sendo que nem por isso se poderiam colocar de fora outras atletas que têm alcançado boas provas internacionais como a sueca Fanny Roos ou as germânicas Sara Gambetta e Julia Ritter. Auriol Dongmo não era favorita à vitória mas era favorita às medalhas, sendo que um dia bom lhe poderia valer uma prata e um dia muito bom permitiria o ouro mediante o rendimento de Schilder. E foi isso mesmo que se confirmou, coincidindo com um dia para esquecer também da neerlandesa.

Após ter começado a final com um lançamento a 19,63 que lhe deu de forma destacada a liderança isolada da prova, Auriol Dongmo alcançou depois a melhor marca europeia do ano com 19,76, reforçando o primeiro lugar numa fase do concurso em que as boas notícias nacionais não se ficavam por aí: Jéssica Inchude fechou a quarta série na segunda posição virtual com um lançamento a 18,33 perante uma prestação irreconhecível de Jessica Schilder, que chegou a essa fase com o melhor registo a 18,29. No entanto, e na quinta tentativa, o cenário mudou para a outra portuguesa, que viu Sara Gambetta (18,83) e Fanny Roos (18,42) passarem para a frente antes de um último lançamento que não inverteu essa realidade do quarto lugar a nove centímetros do pódio. Já Jessica Schilder não passou da quinta posição com 18,29, sendo que o domínio de Auriol Dongmo foi tal que poderia revalidar o seu título europeu em Pista Coberta com quatro dos seis lançamentos feitos a 19,63 (primeiro), 19,76 (terceiro), 19,38 (quinto) e 19,62 (sexto).

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