(em atualização)

É mais um dia em que Tiblíssi é palco de confrontos entre manifestantes, opositores do Governo pró-russo, e as autoridades policiais. Desde segunda-feira que o caos se instalou dentro e fora do Parlamento da Geórgia. Nas ruas da antiga república soviética, a polícia carregou, na terça-feira e, de novo, na quarta-feira, contra manifestantes com gás lacrimogéneo e canhões de água.

“Há uma enorme quantidade de forças especiais em direção aos manifestantes que estão no parlamento. Gás lacrimogéneo, canhões de água, unidades especiais, mobilização em grande escala contra o povo georgiano”, relata, no Twitter, a jornalista Katie Shoshiashvili.

Dentro do Parlamento, na segunda-feira, Anri Okhanashvili, do partido no poder Sonho Georgiano (centro-esquerda), esbofeteou Levan Khabeishvili, deputado da oposição. O agressor foi autorizado a continuar à frente dos trabalhos parlamentares, enquanto o agredido, do Movimento Nacional Unido (centro-direita), foi escoltado para fora da sala.

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[O vídeo da agressão entre deputados]

Esta quarta-feira, os protestos contra a aprovação da lei do “agente estrangeiro” continuaram e, ao início da tarde, já milhares de pessoas desfilavam pacificamente nas ruas, concentrando-se, horas mais tarde, frente ao Parlamento. Ao final do dia, o cenário repetiu-se: polícia de choque, canhões de água e gás lacrimogéneo foram lançados sobre os manifestantes.

Segundo a jornalista Katie Shoshiashvili, os manifestantes derrubaram várias barricadas e a polícia respondeu com canhões de água.

Nas redes sociais, os vídeos sucedem-se, mostrando a escalada de violência nas ruas. Num deles, vê-se um grupo de manifestantes a virarem um carro da polícia.

“Não importa quanto gás usem, vamos reunir-nos de novo e de novo”

“Não importa quantas vezes eles nos dispersem, não importa quanto gás usem, vamos reunir-nos de novo e de novo, e haverá mais e mais de nós. O encontro é na Avenida Rustaveli a partir das 15h [11h em Lisboa], com famílias, filhos, netos, mães, pais, avós, avôs”, disse, na terça-feira à noite, Nika Melia, um dos líderes do Movimento Nacional aos jornalistas. Os protestos, deixou claro, são para continuar até à “vitória”.

E vitória, neste contexto, é deixar cair a polémica lei que está a ser discutida pelos parlamentares.

Nesta quarta-feira, depois do desfile, e já em frente ao Parlamento georgiano, os manifestantes cantaram o hino da União Europeia, como relatam os jornalistas no local, como forma de oposição ao atual Governo da Geórgia (pró-russo). O país tornou-se independente em 1991, com o colapso da União Soviética. No entanto, dentro do país, há zonas separatistas — Ossétia do Sul e Abecásia — que proclamaram a sua independência, reconhecida pela Rússia. No local, segundo a imprensa, estavam mais de 5 mil pessoas.

O que é a lei do “agente estrangeiro”?

Na terça-feira, o dia terminou com 66 pessoas detidas, entre elas, jornalistas e políticos da oposição. Em causa está a chamada lei do “agente estrangeiro” que, para os defensores, aumentará a transparência na Geórgia, enquanto que, para os críticos, é uma violação à democracia e uma forma de afastar o país da adesão à União Europeia.

No Parlamento, foram aprovadas duas versões do projeto de lei, segundo a imprensa local, enquanto os milhares de manifestantes, reunidos do lado de fora, vaiavam contra aquilo que consideram ser uma lei ao estilo russo, semelhante a legislação aprovada por Moscovo e que permitiu ao Kremlin controlar a imprensa e os opositores de Vladimir Putin.

Assim que a notícia chegou aos manifestantes, a polícia de choque preparou-se para atuar.

Em qualquer um dos projetos, qualquer organização, da sociedade civil ou ligada aos media, tem de ser registada como “agente de influência estrangeira”, caso receba mais de 20% do seu financiamento do exterior. A partir daí, podem ser sujeitas a uma monitorização feita pelo Ministério da Justiça.

Os jornalistas, por exemplo, temem ser obrigados a revelar fontes.

Manifestantes protegem bandeira da UE contra canhões de água

O vídeo tornou-se viral e icónico da situação vivida na Geórgia nos últimos dias. Uma mulher sozinha, enfrenta as autoridades, agitando uma bandeira da União Europeia. À medida que a polícia avançava, e os canhões de água eram disparados, primeiro um, depois dois, depois vários manifestantes aproximaram-se da mulher para ajudá-la a manter a bandeira erguida, criando um muro de corpos humanos contra a enxurrada de água.

Além dos canhões de água, foi disparado gás lacrimogéneo contra os manifestantes.

Nas paredes do Parlamento da Geórgia, os manifestantes deixaram escrita uma mensagem para os defensores da lei: “Aqui sentam-se os escravos, traidores do país.”

Polícia diz que manifestação se tornou violenta

Na sua nota à imprensa, o Ministério da Administração Interna anunciou terem sido detidas 66 pessoas na terça-feira em Tbilíssi por vandalismo e desobediência. “Ontem [terça-feira], ao longo do dia, as unidades competentes estiveram mobilizadas junto ao edifício do parlamento de forma a garantir a ordem pública e o desenrolar pacífico da manifestação. Depois, o protesto ultrapassou os limites estabelecidos na lei sobre liberdade de expressão e reunião pacífica e tomou um rumo violento.”

Segundo o comunicado, os manifestantes tentaram bloquear as entradas do Parlamento e continuaram com  ações violentas. “A polícia, para aliviar a tensão, abriu a estrada e pediu aos manifestantes que se dispersassem. No entanto, os manifestantes lançaram vários objetos – pedras, inflamáveis, objetos contundentes – na direção dos funcionários do Ministério da Administração Interna, agrediram fisicamente e resistiram às autoridades.”

Além disso, esclarece-se na nota oficial, os manifestantes danificaram e incendiaram veículos pertencentes ao ministério, bem como equipamentos especiais da polícia, e atacaram as autoridades com cocktails molotov.

“Houve uma violação em massa da lei e da ordem por parte dos manifestantes, que persistiu continuamente por várias horas”, conclui a nota.

Polícia de choque afasta manifestantes do Parlamento com gás lacrimogéneo

Na noite de quarta-feira, a polícia de choque e as forças especiais conseguiram afastar a multidão que se concentrava em frente ao Parlamento, tendo usado gás lacrimogéneo e canhões de água para dispersar aqueles que se encontravam ainda na Praça Central de Tiblíssi.

Num vídeo partilhado por Anton Gerashchenko, conselheiro do ministro dos Assuntos Internos na Ucrânia, veem-se pessoas a correr perto do Parlamento, a rua cheia de fumo, enquanto se ouvem gritos e assobios de um apito. “Estamos com as pessoas da Geórgia na sua luta pela liberdade”, escreveu.

Num outro vídeo partilhado por Gerashchenko no Twitter, vê-se uma impressionante multidão reunida em frente ao Parlamento já durante a noite, antes da intervenção da polícia de choque.

Jovens manifestantes dançam ao som das sirenes

É uma forma de protesto que está a ser partilhada no Twitter. “Jovens protestam contra a máquina de barulho dançando”, escreve uma utilizadorada rede social. Vários jovens reuniram-se esta quarta-feira à noite nas ruas de Tiblíssi e dançaram ao som de um apito ruidoso da polícia de choque.

“Cenas atuais de Tiblíssi: os manifestantes que restam dançam em frente à polícia de choque enquanto as sirenes de aviso soam na Avenida Rustaveli”, escreve outro utilizador. O vídeo foi partilhado já depois da meia-noite, hora local.

“Estamos com as pessoas da Geórgia”, diz porta-voz do Departamento de Estado dos EUA

Um porta-voz do Departamento de Estado expressou na noite desta quarta-feira ao jornalista Alex Raufoglu o apoio dos EUA aos protestantes. “Estamos com as pessoas da Geórgia e as aspirações que têm. A nossa esperança é que o governo da Geórgia, como é a nossa esperança em todo o mundo, que os governos reflitam as aspirações do seu próprio povo”, disse o porta-voz do governo.

As declarações podem ser ouvidas num vídeo partilhado por Raufoglu na sua conta de Twitter.

Polícia tira o uniforme e junta-se aos protestantes

Na sua conta de Twitter, a jornalista Katie Shoshiashvili fez repost de um vídeo que começou a atrair atenção ao final da noite de quarta-feira. Nele, um polícia apita várias vezes com a buzina, pega aparentemente em peças do seu uniforme e coloca-as em cima do tejadilho do carro para se juntar aos manifestantes.

O gesto é recebido com aplausos e encorajamentos por vários manifestantes  que estavam a assistir à cena. Depois de largar o uniforme em cima do carro, o agente da polícia segura um cartaz que lhe é estendido com a bandeira da Geórgia desenhada.

Zelensky agradece aos protestantes por segurarem a bandeira ucraniana

Na sua mensagem noturna, Volodymyr Zelensky agradeceu aos manifestantes da Geórgia que seguraram as bandeiras ucranianas durante os protestos desta quarta-feira. O presidente ucraniano expressou “respeito sincero” pelo país, citado pelo The Kyiv Independent.

“Não há ucraniano que não deseje sucesso à nossa amiga Geórgia. Nós queremos pertencer à União Europeia — e vamos. Queremos que a Geórgia esteja na União Europeia e temos a certeza: irá estar”, declarou Zelensky.