Espremido, mesmo espremido, era uma história que estaria colocada entre um pequeno caso e um quase fait divers. No final de outubro, numa altura em que o Benfica não tinha qualquer derrota na época, mantinha em aberto a possibilidade de terminar o grupo da Liga dos Campeões que tinha o PSG na primeira posição – como viria mesmo a acontecer depois da goleada em Israel frente ao Maccabi Haifa – e liderava de forma isolada o Campeonato, o jornal Record contou um episódio ocorrido na tribuna do Parque dos Príncipes na partida entre os encarnados e os franceses que teria deixado incomodados alguns membros dos órgãos sociais (os que estavam presentes e os que souberam depois por outros do que se passara). Mais uma vez, o protagonista era Domingos Soares de Oliveira. E a forma como se tornou público não foi inocente.

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Em resumo: o co-CEO da SAD chegou ao estádio parisiense e foi aí que se apercebeu de que não estava na primeira linha da tribuna, reservada para apenas três responsáveis do Benfica. Rui Costa, o presidente do clube e da SAD, era um. Fernando Seara, líder da Mesa da Assembleia Geral do clube (que olhando para os estatutos é “no papel” a primeira figura), era outro. Luís Mendes, pessoa próxima de Rui Costa que foi um dos novos nomes de Direção e SAD, era o terceiro. Ao intervalo, Domingos Soares Oliveira terá questionado de forma direta Nuno Costa, chefe de gabinete do presidente e responsável pelo protocolo, sobre a escolha e terá sido nesse momento que a discussão aumentou de tom. À semelhança do que fez noutros momentos com estas características, Rui Costa serenou os ânimos e assumiu a responsabilidade da escolha. “Se o jogo foi a meio de outubro e a notícia saiu no final do mês, não só veio de dentro como tinha também o seu propósito”, explicam ao Observador. Falou-se na saída, nada mudou. Pelo menos até agora.

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Fosse por “guerras” antigas, fosse pela ligação muito próxima que tinha com Luís Filipe Vieira, Domingos Soares de Oliveira esteve sempre longe de ser figura unânime no plano interno. Aliás, essa imagem não estava circunscrita aos órgãos sociais, bastando recordar a Assembleia Geral do Benfica ainda em setembro de 2021 onde foram vários os associados que tomaram a palavra para criticar o dirigente, pedindo a sua saída da Luz. No entanto, pelo conhecimento da realidade dos encarnados e pelos anos de trabalho em conjunto, Rui Costa foi tentando sempre olhar para tudo isso como um “não problema”, de tal forma que confiou no antigo número 2 de Vieira um dos lugares na nova administração da sociedade encarnada. Agora, a posição do co-CEO voltou a ser colocada em causa e com um dado concreto que podia mudar o filme.

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“Agora que foi acusado, espero que Domingos Soares de Oliveira abandone finalmente o Benfica e deixe de contribuir para denegrir o nome do nosso clube, tal como aconteceu com os restantes dois membros da pandilha [Luís Filipe Vieira e Miguel Moreira]”, escreveu no Twitter Francisco Benítez, adversário de Rui Costa nas últimas eleições e líder do movimento Servir Benfica. Da parte do próprio clube não houve lugar a qualquer comentário, sendo que de todos os casos que têm envolvido os encarnados este é o único que causa uma real preocupação por haver uma acusação formada contra a própria sociedade do futebol (SAD).

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O presidente dos encarnados tem feito de tudo para abrir uma nova era que não esteja “colada” aos casos de Justiça que envolvem os encarnados e age em tudo sempre com esse objetivo final. Um exemplo prático recente foi a possibilidade de o Benfica abrir uma Academia de futebol na Áustria, uma ideia que foi sendo estudada em termos internos mas que acabou por cair quando foi tornado público que um dos nomes envolvidos na intermediação de um possível acordo era o antigo diretor financeiro Miguel Moreira. “A Benfica SAD foi convidada pelo governo de uma província austríaca a avaliar a possibilidade de desenvolver localmente uma academia. Em nenhum momento foi considerado o pagamento de qualquer percentagem ou valor a quem quer que seja. A hipótese foi analisada, detalhadamente. Avaliados os prós e os contras, foi decidido não avançar com o projeto. O assunto está encerrado”, esclareceu o clube em comunicado, sem disfarçar o incómodo pelas notícias (de origem interna) saídas a público quando tudo estava encerrado.

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Domingos Soares de Oliveira é agora um dos acusados no processo Saco Azul a par de Luís Filipe Vieira e de Miguel Moreira, algo que reforçou a opinião dos críticos internos de que manter a figura na Luz tem mais contras do que prós nesta fase. Em paralelo, também a oposição a Rui Costa no derradeiro sufrágio, que daí para a frente tem tomado algumas posições que podem ser contrárias aos dirigentes eleitos mas de forma ponderada e moderada, pedia de forma aberta a saída do administrador e co-CEO. E existia também essa perceção tirada das Assembleias do clube para aprovação do Orçamento e do Relatório e Contas de que entre os associados não era um nome unânime. Mais do que nunca, a possibilidade de Soares de Oliveira ganhou força mas a última decisão seria do próprio ou de Rui Costa, que, segundo reforçaram ao Observador, não gostaria de deixar cair o dirigente que está no Benfica há quase duas décadas (2004): “Se assim não fosse, teria aceitado a intenção colocada em cima da mesa na altura das eleições de deixar o clube”.

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Para já, o presidente do Benfica não ia forçar qualquer saída. E por três razões: 1) os motivos pelos quais confiou em Soares de Oliveira para prosseguir na SAD mantinham-se válidos; 2) não considerava que a sua presença leva a uma “colagem” ao que se passou antes da sua ascensão à liderança do clube e da SAD; 3) apesar de ter surgido agora essa acusação do Ministério Público no âmbito do Saco Azul, preferia aguardar por aquilo que resultará da fase de instrução, que de seguida determina a ida ou não a julgamento do caso. Ou seja, e apesar de ter ficado com o terreno mais “minado” em termos internos e de universo benfiquista, continuava a ser visto como uma mais-valia. No entanto, a reunião de Direção dos encarnados, marcada para esta quarta-feira, levou a uma alteração de cenário, como começou por avançar a CNN Portugal e como já era de alguma forma esperado esta semana no plano interno. Segundo explicaram ao Observador, mais do que um jantar de benfiquistas sem ligações aos órgãos sociais que Rui Costa tomou conhecimento no início da semana, aquilo que foi ouvindo no sábado de manhã no Pavilhão da Luz durante a entrega dos emblemas de águias de ouro e de prata também ajudou a precipitar uma decisão que parecia inevitável.

De acrescentar ainda que Domingos Soares de Oliveira, além de administrador, co-CEO e responsável por empresas do grupo Benfica, é também um dos administradores da nova empresa que irá gerir a centralização dos direitos televisivos, a par do presidente da Liga Pedro Proença e dos diretores executivos Rui Caeiro e Tiago Madureira. O responsável dos encarnados foi o nome escolhidos pelos clubes profissionais para ocupar essa posição, ainda em 2021, e não houve qualquer pedido de alteração dessa condição mesmo de depois da acusação do Ministério Público no âmbito do processo Saco Azul.

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Enquanto tudo isso aconteceu, o dirigente esteve no estrangeiro, primeiro numa reunião da ECA (Associação de Clubes Europeus) e depois na conferência “O Negócio do Futebol” organizada pelo Financial Times, onde falou no tema “Dinheiro novo e a batalha para crescer”. E era também esse reconhecimento internacional de Soares de Oliveira que fazia com que Rui Costa continuasse a considerar que se tratava de uma mais-valia para o clube. No entanto, a imagem do dirigente ficou de tal forma desgastada que ficar era um beco sem saída, embora não exista ainda qualquer confirmação oficial da situação – que até pode surgir apenas no final da temporada, na medida em que a ideia foi apenas abordada esta noite no plano interno em reunião.