Manuel Beja foi o senhor que se seguiu dos protagonistas do caso Alexandra Reis na TAP a ser ouvido pela comissão parlamentar de inquérito à gestão da empresa. O discreto e ainda chairman da TAP “quebrou o silêncio” numa intervenção inicial na qual responsabilizou os antigos titulares dos ministérios das Infraestrutura, com um foco dirigido a Pedro Nuno Santos.

Ao longo de seis horas de audição houve críticas à CEO e uma alfinetada a Fernando Medina e foi revelado um parecer de advogados que colocava de forma inequívoca a TAP no estatuto do gestor público, que circulou entre os protagonistas enquanto negociavam a compensação a pagar a Alexandra Reis.

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1 Se é verdade que elogiou o papel positivo e decisivo de Pedro Nuno Santos quando foi preciso intervir para salvar a TAP no tempo da pandemia e negociar com a Comissão Europeia um plano de reestruturação exigente, também deixou a nota de que a tutela política “perdeu o norte”. Revelou com detalhe as quatro tentativas de reunir e discutir com o ministro das Infraestruturas, porque para Manuel Beja, “era claro que Hugo Mendes (o secretário de Estado com quem a presidente executiva da TAP negociou todos os detalhes da saída de Alexandra Reis) não era o decisor“.

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2 O presidente não executivo da TAP, que ainda não sabe quando vai sair de funções (nem se vai contestar o despedimento — feito por telefone por João Galamba — de que é alvo, apesar de afirmar que vai defender a sua honra), deu outros exemplos do que considera ser o desnorte da tutela acionista na demora na assinatura dos contratos de gestão com os gestores da empresa, processo que descreveu como “dormente”, e da não nomeação de administradores não executivos para substituir os que saíram no final de 2021, situação que diz ter criado um desequilíbrio no conselho de administração que reduziu a capacidade de escrutinar a comissão executiva que passou a votar em bloco depois de removido o obstáculo Alexandra Reis.

3 A preparação dos contratos de gestão e a contratação de um seguro para as responsabilidades dos gestores acabou por dar uma das novidades da noite. Um parecer de outro escritório de advogados — a Linklatersnão deixava qualquer dúvida de que o estatuto do gestor público se aplicava à TAP. O documento enviado pela administração da TAP às tutelas a 12 de janeiro de 2022 (poucas semanas antes do acordo com Alexandra Reis) circulou pelo conselho de administração e chegou por mail aos gabinetes de Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes. Mas ninguém parece ter feito a ligação, então, da submissão da empresa ao referido estatuto à celebração do acordo de renúncia com indemnização de 500 mil euros feito com Alexandra Reis que, conforme referiu o PS, determinou que este pagamento fosse considerado ilegal pela IGF.

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4 Para o PS, o parecer prova que o chairman e a presidente executiva sabiam que não estavam a cumprir o estatuto do gestor público. Para a oposição, também se poderá deduzir que o ministro e secretário de Estado sabiam que o acordo com Alexandra Reis contrariava a referida lei. Manuel Beja defende o contrário: “É evidente que todos os envolvidos no processo, incluindo sociedades de advogados de renome, não tiveram consciência de que se aplicava neste caso o estatuto do gestor público”.

5 O chairman da TAP explicou ainda porque a empresa não comunicou, até ao momento, a Alexandra Reis o montante de indemnização que tem de devolver. Porque não são os 450 mil euros indicados pela Inspeção-Geral de Finanças. O valor é líquido de impostos e tem que ser validado pela Direção-Geral do Tesouro que, por sua vez, envolve a devolução do IRS liquidado pela TAP à Autoridade Tributária.

6 O chairman assumiu ainda a discordância com Christine Ourmières-Widener sobre a saída de Alexandra Reis, cujo desempenho elogiou, e que tentou evitar, sem sucesso, por via dos contactos frustrados com o ministro das Infraestruturas. E confessou que perdeu a paciência com ainda CEO da TAP por causa do episódio do motorista da empresa que conduzia o marido. “Estava a justificar o injustificável, disse que não era aceitável em Portugal, num contexto de despedimentos, em que estávamos a considerar encerrar o infantário.”

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7 No entanto, revelou estar totalmente alinhado com a CEO da empresa na recusa ao pedido, apesar do então secretário de Estado Hugo Mendes ter dito a Christine que deveria aceder ao pedido, de mudar de dia o voo de Moçambique para conveniência do Presidente da República que o deixou “incrédulo”. E se Christine denunciou a pressão política sobre a empresa, Manuel Beja acusou o Governo de ingerência na gestão da TAP até na elaboração de comunicados.

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8 O gestor manifestou surpresa com a auditoria da IGF que protegeu os políticos e, tal como Christine, considerou que a sua demissão aconteceu por “conveniência política e partidária”. E devolveu ainda as acusações aos deputados socialistas cujo papel, disse, não é de escrutínio, mas de proteção ao Governo. E deixou a bicada ao Ministério de Finanças liderado por Fernando Medina, com quem só conseguiu reunir ao fim de oito meses de pedido de audiência (e por iniciativa de João Galamba). A pasta da TAP ficou com João Nuno Mendes (secretário de Estado das Finanças) que não era tão interventivo e acessível como o antecessor, Miguel Cruz. Mas para Manuel Beja, o maior problema nem é o Sr. A, nem o Sr. B, mas sim a lentidão com que os processos são decididos, culpa também da legislação que parece partir do princípio de que os “gestores públicos são malfeitores”.

9 Manuel Beja revelou também que a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), cujo presidente Luís Laginha de Sousa vai ser ouvido esta quinta-feira, abriu um processo de contraordenação à TAP pelo comunicado no qual a saída de Alexandra Reis é divulgada como uma renúncia, sem referência a um acordo de indemnização. E que a empresa já teve de corrigir.

CMVM abriu processo contraordenacional contra a TAP

10 Sempre calmo e sereno nas respostas, o chairman da TAP protagonizou um momento de tensão com o deputado do Chega quando Filipe Melo o questionou sobre o seu papel num processo disciplinar aberto a um funcionário por comentários homofóbicos e num caso de alegada pressão laboral por parte da empresa para forçar a saída de um quadro com muitos anos de casa.

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