Tinham tudo para andar felizes e unidos, arranjaram um pouco de tudo para andarem zangados e cada um para seu lado. Apesar de estar com uma confortável vantagem na liderança da Serie A que não ganha há mais de três décadas e de ter chegado aos quartos da Champions como uma das formações com melhor futebol, o Nápoles viveu nas últimas duas semanas episódios inesperados que destoavam e muito daquilo que o sul de Itália deveria nesta altura estar a sentir. Aliás, houve um pouco de tudo: guerras, silêncios, ameaças, críticas. Tanta coisa que Luciano Spalletti, o técnico que na última época viu o seu carro (um Panda) roubado pelas claques com a promessa de que seria devolvido se pedisse a demissão mas que entretanto se tornou um herói por ter colocado a equipa perto do título, ameaçou sair de imediato caso a situação se repetisse.

Leão pintou o que Kvaravaggio perdeu na linha – mas a exposição ainda vai a meio (a crónica do AC Milan-Nápoles)

“Doeu-me muito ver o nosso estádio, que se chama Diego Armando Maradona, que é de uma equipa que há 33 anos que não ganha a Serie A e que ia ter pela frente um jogo fundamental, convertido numa espécie de um contra todos. Nunca vou entender isso e vou recordar para sempre. É inexplicável que se tenha chegado aqui. Se voltar a acontecer, com tudo aquilo que temos agora em jogo, levanto-me e vou-me embora. Não é justo para ninguém nem para os meus jogadores, que são sensíveis e estão a sofrer com o que estava a acontecer. Jogámos num ambiente que não nos ajudou e é inexplicável que a equipa seja refém da situações”, apontou o técnico transalpino, que procura também o seu primeiro scudetto como técnico em Itália.

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Na sequência dos preços dos bilhetes, das novas medidas de segurança e das restrições da entrada de faixas e bandeiras que levaram a claque do Nápoles a manter o silêncio na goleada sofrida com o AC Milan para a Serie A, até Aurelio De Laurentiis, presidente dos napolitanos, passou a andar com escolta policial por todo um escalar da tensão que deixava as autoridades preocupadas. E quando as notícias já estavam concentradas na possível presença de adeptos radicais do Feyenoord a convite da claque transalpina (os neerlandeses não podem entrar no Olímpico para o jogo de quinta-feira na Liga Europa com a Roma), eis que o líder do clube reuniu-se de surpresa para selar as pazes com representantes das claques num hotel da cidade. “Napoli siamo noi” [“O Nápoles somos nós”], escreveu De Laurentiis no Twitter, utilizando a frase com que era insultado desde que tomou uma posição de força após os confrontos com adeptos romanos na autoestrada.

O jogo voltava a estar focado naquilo que deveria ser sempre: um duelo entre o campeão e o mais do que provável novo campeão italiano, um choque entre o segundo clube com mais títulos na Liga dos Campeões (AC Milan) e um conjunto que viveu um período áureo na Europa via Taça UEFA nos tempos de Maradona. A ver pelos registos recentes na Serie A, era complicado encontrar favorito tendo em conta que os rossoneri vão de deslize em deslize e os napolitanos não foram além de um nulo na receção ao Verona. Na Europa, o caso era diferente. Até a vantagem mínima dos agora visitantes, com um golo de Bennacer após passe de Rafael Leão, deixava tudo em aberto no jogo que marcava o regresso de Osimhen e a tentativa do conjunto da casa “vingar” a coreografia com Polichinela, personagem clássica da commedia dell’arte napolitana.

A entrada do Nápoles foi diabólica como o ambiente que se vivia (e há muito não se sentia por ali), com uma série de cantos consecutivos, Mário Rui a fazer passar a bola muito perto de livre (5′) e Politano a ter também dois pontapés de pé esquerdo com perigo que passaram ao lado (13′ e 16′). Depois, e um pouco à semelhança do que acontecera em San Siro, o sentido mudou e de forma flagrante com Giroud no papel de vilão e Alex Meret a vestir a capa de herói: primeiro o francês desperdiçou uma grande penalidade por falta de Mário Rui sobre Rafael Leão (22′), a seguir permitiu de novo a defesa ao internacional italiano quando estava isolado na área (28′). Pelo meio ainda houve um remate de Zielinski para defesa de Maignan mas o rumo da partida tinha mudado, com Spalletti a perder dois jogadores por lesão (Mário Rui e Politano) e Rafael Leão a ter um corte no limite na área que impediu o remate cruzado de Chucky Lozano ainda antes do intervalo. O português não ficaria por aí e, após mais uma arrancada fabulosa, assistiu Giroud para o 1-0 (43′).

Já se começavam a ver algumas caras entre a desilusão e a resignação nas bancadas mas havia ainda mais 45 minutos para jogar, que começaram praticamente com a melhor oportunidade do Nápoles até esse momento que teve Kvaratskhelia a rematar por cima só com Maignan pela frente. Sempre que o AC Milan tinha a capacidade de lançar Rafael Leão em velocidade ou na profundidade causava sempre incómodo junto da defesa do Nápoles mas era nas ações sem bola que se concentrava a equipa de Stefano Pioli, que “secou” por completo Osimhen e colocou várias vezes Kvaratskhelia em situações de 1×2. Nem mesmo assim o número 77 “aceitou” ser travado, com mais uma iniciativa individual a passar por dois e a rematar por cima, mas seria dos pés do georgiano que viria o fim definitivo da eliminatória, com uma grande penalidade falhada com mérito de Maignan (82′) que sentenciou o destino de um Nápoles com muita vontade mas ainda mais ansiedade. Tanta que acabou mesmo por trair a equipa da casa, que fica agora apenas com a Serie A apesar de ter ainda evitado a derrota neste jogo no terceiro minuto de descontos por Osimhen (90+3′).