O presidente do Sindicato dos Jornalistas defendeu esta quarta-feira que a liberdade de expressão “deve sobrepor-se” a vontades, referindo-se ao cartoon de Onofre Varela, retirado da Bienal Internacional de Arte Gaia depois de críticas da Comunidade Israelita de Lisboa.

“Admito que a comunidade israelita em Portugal possa não ter gostado do cartoon, mas a vida é mesmo assim. A liberdade de expressão é isso mesmo, é nós aprendermos a conviver com o que gostamos e com o que não gostamos. A liberdade de expressão deve sobrepor-se a todos os gostos e vontades”, afirmou esta quarta-feira o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões.

Em declarações à agência Lusa, em reação à retirada, por parte do cartoonista Onofre Varela, do seu próprio cartoon da Bienal Internacional de Arte Gaia depois de críticas da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL), Luís Filipe Simões destacou que “o cartoonismo vive de hipérboles” e que, em momento algum, a “liberdade de expressão artística pode ser posta em causa”.

“Todos nos recordamos do movimento que foi o Charlie Hebdo e foi um movimento muito bonito porque pôs toda a Europa a defender a liberdade de expressão e a liberdade criativa. Esses são valores que em democracias consolidadas e maduras têm de prevalecer sobre tudo”, salientou.

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Luís Filipe Simões disse ainda respeitar a decisão do cartoonista Onofre Varela, assim como da Câmara de Gaia, mas não respeitar a “tentação de dizer que o que incomoda deve ser retirado ou afastado”.

“Num contexto de democracia madura temos sempre de conviver com a liberdade criativa”, acrescentou.

Na terça-feira, numa carta dirigida ao presidente da Câmara de Gaia e publicada na sua página oficial do Facebook, a Comunidade Israelita de Lisboa considerou que um cartoon de Onofre Varela “banaliza o Holocausto cometido pelo regime nazi e diaboliza os judeus na sua relação com a Palestina”.

“Somos contra a censura, mas o direito de livre expressão deve e pode ser travado quando estimula o ódio e a intolerância. A imagem referida é ultrajante e menoriza o horror e a tragédia do Holocausto. Hitler não tramou os judeus com ‘desrespeito’ como referido no texto do Cartoon, tratou os judeus com um extermínio em massa e com uma desumanidade sem limites”, defendeu a comunidade.

Esta quarta-feira, numa publicação na sua página na rede social Facebook, o cartoonista Onofre Varela refutou as acusações de antissemitismo proferidas pela Comunidade Israelita de Lisboa, sublinhando que decidiu retirar o cartoon “para não ferir suscetibilidades tão melindrosas”.

“Dizer que esta minha apreciação crítica é uma atitude antissemita é confundir uma cebola com um pêssego! Nesse sentido, alerto quem se escandalizou com o meu desenho, para que nunca use cebola numa salada de frutas, nem pêssego num estrugido. O resultado seria intragável, como intragável é o fundamentalismo de quem apelida de ‘antissemita’ quem não diz ámen consigo”, escreve o cartoonista.

Ainda na terça-feira durante a manhã, em resposta enviada à Lusa, o diretor da Bienal Internacional de Arte Gaia, Agostinho Santos, sublinhou que o certame se “assume como uma Bienal de Causas” e, nesse sentido, “assume o compromisso de dar liberdade a cada artista para expressar a sua visão do Mundo, independentemente das orientações individuais manifestadas”.

“O trabalho de Onofre Varela, reconhecido cartoonista, faz referência a Israel na sua perspetiva e já foi publicado há alguns anos na comunicação social. Não significa isso que a Bienal se identifique com qualquer expressão política manifestada pelos artistas representados, mas jamais impedirá que a sua liberdade de expressão seja limitada”, vincou Agostinho Santos.

Ao final da tarde, o município de Vila Nova de Gaia reiterou à Lusa que “apoia todas as instituições e iniciativas de relevante interesse municipal, sem exercer qualquer tipo de interferência na sua gestão e organização”.

“Jamais o município põe em causa a liberdade de expressão. Independentemente disso, entende-se que quando se ferem suscetibilidades num tempo em que a tolerância é um valor fundamental, devem ser tomadas opções. Por isso, constatamos com total agrado a decisão de retirada, pelo artista, do cartoon em causa, desta forma evidenciando a sua sensibilidade ao assunto”, justificou a Câmara de Gaia.

Em fevereiro de 2020, um outro cartoonista português, Vasco Gargalo, disse à agência Lusa ter recebido ameaças de morte, além de acusações de antissemitismo, por causa de um cartoon publicado em novembro do ano anterior.

Em causa estava um cartoon, intitulado “Crematório”, que Vasco Gargalo publicou ‘online’, na plataforma Cartoon Movement a 15 de novembro de 2019 e que republicou num comentário ao plano de paz para o Médio-Oriente apresentado, na ocasião, pelos Estados Unidos.