António Pires de Lima, ex-ministro da Economia, ataca o Governo do PS por ter incentivado e autorizado a compra da VEM, empresa de manutenção no Brasil, que foi, nas suas palavras, “um negócio ruinoso”.

Pires de Lima, que está a ser ouvido no Parlamento, diz ainda, na declaração inicial, sentir orgulho pela privatização que o governo do qual fez parte, em 2015, concretizou.

“Desde 1998, tempo em que o primeiro-ministro era António Guterres que era objetivo assumido por todos os governos a privatização da TAP, talvez uma exceção do governo que em 2006 incentivando e aprovando o investimento na empresa de manutenção brasileira conseguiu que a TAP fizesse negócio ruinoso que marcou o futuro da empresa”, acrescentando que “orgulho-me depois de 17 anos de anúncios a privatização ter sido concluída em 2015 pelo governo do qual fiz parte”. Aliás, lembrando que a venda da TAP estava no memorando da troika assinado por José Sócrates, Pires de Lima diz que, no entanto, o “fizemos com a convicção de que era essencial para sobrevivência da empresa e assegurar a urgente capitalização da TAP”.

Pires de Lima recusa comentar opções do Governo depois de 2016, mas ainda assim vai dizendo que “o custo de uma intervenção na companhia em momentos de pandemia teria sido substancialmente inferior àquele que se verificou” e desfia uma comparação da TAP antes e em 2018. Aliás diz que a manutenção da propriedade pública da TAP custou “pelo menos mais 1,2 mil milhões face àquilo que seria uma TAP privada” na pandemia, até por causa do encerramento da manutenção do Brasil.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Agora, no processo de privatização que o atual Governo quer lançar “tenho esperança que consiga fazer um negócio” positivo, até porque, diz, já não tem o tal “negócio ruinoso” no Brasil “que eu nunca consegui explicar”. “Tem todas as condições [para a privatização] correr bem, depois de injetados 3,2 mil milhões de euros e fechado o maior cancro, que é a operação no Brasil”, por isso, “é o meu desejo, vontade e esperança é que esta privatização se possa desenvolver e chegar a um bom resultado e uma parte importante dos 3,2 mil milhões possa ser recuperada”, ainda que tenha deixado a afirmação de que o despedimento da CEO da TAP “não sei se dá tranquilidade”.

Escusando dizer o que faria se fosse ministro nessa altura, Pires de Lima apontou três saídas para a TAP se em 2020 com a pandemia ainda fosse privada: deixar cair empresa (ainda assim diz que teria dúvida sobre este caminho — “não sou tão liberal”); ou ajudar empresa com empréstimos (o que aconteceu na generalidade das empresas europeias e que já foi restituído) — “nesse caso não estou a ver porque é que o Estado ia emprestar dinheiro para fechar a malfadada empresa no Brasil”; ou nacionalizar. “Não vou dizer o que faria. Não sou ministro, não era na altura e não quero julgar quem o era”.

Pires de Lima está a ser ouvido no Parlamento

E afirma ser “totalmente falso, infundado e injurioso que no governo de que fiz parte tenhamos autorizado ou sido condescendente com a compra de aviões acima do preço justo mercado”. Diz ainda ser sua “convicção que não se verificou”, falando de documentação dada pelo empresário “respeitável” Humberto Pedrosa, que fez parte dos acionistas privados da TAP, que os aviões foram mesmo adquiridos com desconto 4-5%, ou seja 233 milhões de euros face ao preço justo mercado e garante que houve nove avaliações feitas.

“É altamente improvável que tenhamos sido enganados, e que os aviões tenham chegado acima do preço mercado”, assume Pires de Lima.

Venda da TAP em 2015. Preocupação não era a origem (dos fundos Airbus), mas sim que o dinheiro ficasse na empresa

Segundo o ex-ministro o Governo de António Costa quando tomou posse foi informado pela Parpública dos fundos Airbus. A informação esteve “desde o primeiro dia ao dispor. Estava acessível e foi transmitida de viva voz pela Parpública aos novos habitantes depois de dezembro de 2015”.

Quanto à compra de aviões, Pires de Lima garante que nas primeiras propostas do consórcio Atlantic Gateway não havia referência aos fundos Airbus. E assume que “quando assinámos o contrato de venda da TAP com a Atlantic, a 24 junho de 2015, não tinha informação nenhuma sobre a forma como a Atlantic Gateway se predispunha a financiar os compromissos com o Estado português”.

Pires de Lima assume que o “Ministério da Economia só foi informado para a possibilidade de se utilizar fundos Airbus para a sua capitalização na segunda quinzena de setembro”, tendo sido dito à Parpública numa reunião onde a Atlantic “assumiu essa possibilidade”. Ou seja do acionista privado usar dinheiro resultante da negociação com a Airbus para financiar a sua entrada na TAP. A proposta foi formalizada a 16 de outubro, onde constava, segundo Pires de Lima, a garantia de que os aviões só iriam ser comprados ao valor do mercado, e mesmo com uma poupança de 233 milhões.

Tentou-se, acrescenta, “perceber as consequências jurídicas e assegurar se uma possibilidade dessa se materializasse a TAP não seria prejudicada na compra de aviões. Era inquestionável que o financiamento da Airbus não se podia fazer à custa do valor acrescido dos aviões que a TAP era suposto comprar. Obtivemos essa confirmação na carta que foi enviada pela Atlantic Gateway a 16 outubro de 2015 à Parpública onde é formalizada essa intenção, a utilização fundos Airbus, créditos ao grupo Atlantic Gateway e onde nos é assegurado explicitamente, sendo acompanhado por nove avaliações, de que os aviões que faziam parte desse plano estratégico seriam comprados a fair market value, e até mesmo com desconto. Ainda assim solicitamos à Parpública que pedisse acesso a avaliações técnicas, a 20 outubro, e que foi respondida já depois de eu sair, 12 novembro”.

“O Governo não era comprador nem avaliador de aviões e por isso pedimos informações complementares e pedimos avaliações; e por isso foi fundamental para este negócio a aprovação do conselho de administração da TAP e a provação do conselho fiscal; e por isso introduzimos mecanismos no acordo de compromissos estratégico nomeadamente que uma comissão acompanhasse o exercício desse negócio e ainda garantimos que a capitalização tivesse trancada durante 30 anos, ou seja, esta capitalização não podia ser recuperada e isso fez parte do acordo”. Para Pires de Lima estas garantias eram “importantes para a concretização do negócio”.

Pires de Lima sobre TAP: “Tudo o que se fez é escrutinável, tem racionalidade, é explicável e é do conhecimento do atual Governo”

Pires de Lima deixa a questão sobre a congregação que tinha de ter acontecido “para enganar o Estado português”, já que assumir que além dos acionistas privados era preciso “terem conseguido nesse conluio atrair a Airbus, com cartas justificando o apoio que dava a Neeleman,” e que implicava que os aviões não eram vendidos acima do preço de mercado. Também era preciso para que houvesse o que na intervenção inicial apelidou de golpe a “instrumentalização de três empresas reconhecidas” que fizeram as avaliação e ainda Diogo Lacerda Machado — “para mim é uma pessoa respeitável e não ponho em causa” –, que foi o negociador pelo Estado da recompra da posição de Neeleman. “Era preciso que nunca tivesse suspeitado no ano e meio que esteve em negociações com a Atlantic Gateway para recuperar maioria de capital da TAP e teve acesso toda a correspondência e era finalmente necessário que todos os membros representantes do estado na administração da TAP tivessem estado distraídos”. Reforça esta questão: será que Neeleman, Pedrosa e Airbus instrumentalizaram três empresas independentes e o conselho de administração da TAP? Pires de Lima questiona se houve alguém dentro da TAP, algum conselho ou alguma direção, questionou o negócio da Airbus.

“Acho improvável ter coincidido” este conjunto de atuações “durante os últimos seis anos”, realça Pires de Lima.

Pires de Lima mostrou-se confortável com a investigação à compra de aviões por parte do Ministério Público. “Acho bem que se investigue, eu próprio acho bem que Ministério Público investigue e apure a verdade relativamente a esta matéria, se há dúvidas, questões e dados novos que se investigue. Não tenho problema quanto a esta matéria”, declarou.

O pedido de auditoria ou avaliação feita à compra dos aviões pela TAP é visto por Pires de Lima como natural no âmbito do processo de reestruturação da TAP, cuja administração tem um mandato específico para reduzir custos. O ex-ministro admite que nesse âmbito encetou processos de negociações com todos os fornecedores, incluindo a Airbus, e que, por isso, tinha de estar “munida de elementos para procurar argumentos junto da Airbus para renegociar contratos. Se vai ter sucesso ou não, não sei”.

Aproveitou para criticar Gonçalo Pires que ouvido na comissão de inquérito disse que a frota da TAP é a mais cara. Dizendo que houve uma “cerimónia oculta” para apresentar os resultados da TAP de 2022, Pires de Lima acusou de contradição o administrador financeiro da TAP que nessa apresentação falou da TAP como a empresa europeia com o melhor desempenho operacional ao nível de receitas e de custos, mas ao mesmo tempo diz que a compra de aviões foi mal feita. Além disso, acrescentou Pires de Lima, “a observação de que tinham sido mal comprados é uma desqualificação dos anteriores administradores financeiros, quer Gonçalo Pires convencer que foi preciso chegar ele à administração da TAP, quando antes houve ‘n’ representantes do Estado, para convencer que a TAP comprou [aviões] acima do preço?”. O ex-ministro salienta que a TAP “teve ‘n’ representantes e ninguém levantou esta questão, nem o serviço de compras, antes do senhor administrador Gonçalo Pires”.

Gestor financeiro confirma que frota da TAP é mais cara que a das concorrentes. Há contactos, mas “não é fácil” negociar com a Airbus

Cortado na intervenção pelos deputados socialistas que logo lembraram que durante a gestão de Neeleman o Estado só teve representantes não executivos. Ao que Pires de Lima retorquiu dizendo que mesmo os não executivos aprovam planos estratégicos e orçamentos, que, por isso, “não deixam de ter responsabilidades por serem não executivos”.

Mariana Mortágua não fez qualquer pergunta, por decorrer a comissão de inquérito à TAP.

[Já saiu: pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]