Se o Presidente da República pôs o peso todo na divergência o primeiro-ministro preferiu apontar o dedo à metade meio cheia do copo da relação institucional: “Não se justifica dramatizarmos que, em sete anos e dois meses, tenha havido um momento em que as agulhas não tenham ficado acertadas”. Quanto ao futuro, António Costa garante “total convergência” entre os dois e que o “Governo não se sente nada incomodado” com a “vigilância activa do Presidente da República”. Mas lembra que foi aluno de Marcelo em Direito Constitucional e que não se esqueceu do que aprendeu sobre os poderes de cada um.

O primeiro-ministro não saiu daqui, na resposta à intrevenção de Marcelo na noite passada,e diz que o episódio Galamba foi “uma exceção no que o próprio Presidente designou como uma relação que tem sido marcada pela capacidade de acertarmos agulhas”. Aliás, chamou mesmo “rara” à divergência — “mas natural” — que se gerou com a sua rejeição do pedido de demissão do ministro João Galamba, depois de o Presidente da República lhe ter dito que o governante devia sair do Governo. “Vimos de hemisférios distintos. É uma divergência que aconteceu e não vale a pena dramatizarmos“, afirmou o primeiro-ministro.

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Quanto à primeira parte da mensagem presidencial, “sobre o passado” (a demissão turbulenta de um adjunto do Ministério das Infraestruturas), Costa disse que não houve “novidade”: “Confirmou o que sabíamos: temos divergência quanto à responsabilidade de um conjunto de eventos deploráveis” — Costa aponta ao ex-adjunto, Frederico Pinheiro, Marcelo ao ministro responsável, João Galamba. E ainda “que o que mais importa é manter a boa cooperação entre órgãos de soberania para manter estabilidade e para manter boa cooperação, para garantir estabilidade e permitir que se prossiga uma ação que permita que melhorias da economia se vão traduzindo nas melhoras das condições de vida dos portugueses”, afirmou o primeiro-ministro enumerando medidas — como o aumento intercalar das pensões e dos funcionários públicos, ou os apoios ao crédito à habitação, às rendas ou ainda o IVA zero.

Questionado sobre o aviso de Marcelo em passar a ser um Presidente “ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam”, António Costa garante que “o Governo não se sente nada incomodado com a vigilância activa por parte do Presidente da República”. Mas aqui acrescenta que foi aluno de Marcelo, na faculdade, em Direito Constitucional: “E ainda não esqueci de tudo o que aprendi”. Referia-se aos poderes de cada um e que “o normal em democracia é que cada um exerça as competências próprias que a Constituição atribui” — no PS reclama-se que Costa traçou uma linha vermelha a Marcelo ao não demitir Galamba, já que o Presidente não tem o poder de exonerar ministros.

Ainda assim, Costa acautela: “Nesta circunstância ninguém tem dúvidas que todos agiram no exercício das suas competências constitucionais”. E com isto tenta dosear a crítica a esse suposto abuso de poder por parte do Presidente que alguns socialistas acreditam que estava a acontecer.

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Quanto a João Galamba, António Costa não vê problemas na sua autoridade política depois de uma mensagem pública do Presidente especialmente crítica para o ministro — que Marcelo considera ter ficado afetado na sua “credibilidade e autoridade”. “As condições para cada um exercer funções medem-se por resultados e ainda ontem o ministro das Infraestruturas teve ocasião de lograr o acordo que pôs termo à greve na CP que já se arrastava há bastante tempo e prejudicava o dia a dia dos portugueses”. Esta é, para o primeiro-ministro, “a melhor demonstração que [Galamba] está a exercer as suas funções com bons resultados”, defendeu.

Foi questionado sobre a legitimidade de João Galamba pedir a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS), mas já não respondeu (já defendeu que considera que foi tudo conforme a lei) e afastou-se do microfone instalado no Picadeiro Real — onde tinha decorrido a entrega do Prémio Camões — para que pudesse responder ao Presidente. Até aqui, tanto o Governo como o PS estavam em silêncio absoluto sobre a intervenção presidencial desta quinta-feira.

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