A reação humana ao perigo é um compromisso com a imprevisibilidade. Uma ameaça leva ao cumprimento cego das regras escritas nos livros de sobrevivência. Só que ler manuais representa tapar a vista ao instinto que, embora tantas vezes irracional, é o músculo da sobrevivência instalado na anatomia dos corpos nos quais a ponderação já não se infiltra. Tocava o alarme do desespero para o Sporting? Não necessariamente. Os leões vivem horas de conformidade com a posição que ocupam. Os níveis emocionais podem estar estáveis abaixo do padrões necessários ao máximo esplendor da vitalidade, mas os estímulos que os agitam mudam de acordo com as condições.

A derrota do Sp. Braga no Estádio da Luz dava espaço a algum ânimo para o Sporting na luta pelo terceiro lugar. O caminho para esse objetivo era praticamente inalcançável. Mesmo que a audácia dos atos de loucura seja elogiável, os leões tinham que fincar as garras noutras motivações. “O Paços está a lutar pela vida. O ser humano, quando luta pela vida, transcende-se. Temos que fazer o mesmo”, lançou o treinador verde e branco, Rúben Amorim, recordando que o Paços de Ferreira ainda se encontrava a lutar pela manutenção.

Amorim admitiu que preparou o jogo “como se fosse o Arsenal ou a Juventus”. A estratégia de ambos os treinadores não podia ter ficado mais clara quando ambos se pronunciaram na antevisão. “Queremos ganhar, não sofrer golos contra uma equipa que arrisca muito na construção. Temos de ser corajosos e fortes na pressão para roubarmos bolas e temos que ter cuidado com os jogadores talentosos, como o Gaitán, que pode ter menos menos velocidade mas mantém a qualidade”, alertou o treinador do Sporting. No sentido contrário, o técnico do Paços, César Peixoto, já esperava a pressão alta dos verdes e brancos. “Não vejo um jogo fácil e não espero um Sporting desmotivado. Pelo contrário. Acredito num Sporting desinibido, o que às vezes torna as coisas piores, porque os jogadores conseguem libertar-se mais da pressão. Será um Sporting agressivo e pressionante, a querer roubar-nos bolas”.

Ficha de Jogo

Mostrar Esconder

Paços de Ferreira-Sporting, 0-4

31.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Capital do Móvel, em Paços de Ferreira

Árbitro: Nuno Almeida (AF Algarve)

Paços de Ferreira: Marafona, Delgado (Jorge Silva, 61′), Nuno Lima, Maracás, Luís Bastos, Uilton (Butzke, 55′), Luiz Carlos (Thomas, 55′), Holsgrove, Paulo Bernardo, Nico Gaitán (Mauro Couto, 74′) e Alexandre Guedes (Rui Pires, 55′)

Suplentes não utilizados: Vekic, Tiago Ribeiro, Ferigra e João Vigário

Treinador: César Peixoto

Sporting: Adán, Bellerín, Diomande, Coates (Matheus Reis, 81′), Gonçalo Inácio, Nuno Santos (Arthur, 74′), Morita (Tanlongo, 65′), Ugarte (Chermiti, 81′), Edwards (Paulinho, 65′), Trincão e Pedro Gonçalves

Suplentes não utilizados: Franco Israel, Luís Neto, Rochinha e Ricardo Esgaio

Treinador: Rúben Amorim

Golos: Marafona (na própria baliza, 7′), Nuno Santos (30′), Trincão (62′) e Chermiti (90+3′)

Ação disciplinar: cartões amarelos a Morita (40′), Delgado (58′)

No Estádio Capital do Móvel, César Peixoto montou a equipa num 4x3x3 em que Uilton, à esquerda, prestava especial atenção a Bellerín, que rendeu Esgaio. Holsgrove era o médio pacense que mais saltava na pressão. Após dez minutos de jogo, a equipa acertou as marcações defensivas, o que obrigou o Sporting a fazer passes longos, mas, dado que Pedro Gonçalves era o homem mais adiantado, estava a ser difícil para os leões terem saídas limpas para o ataque.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda assim, os leões podiam dar paciência ao ritmo, porque o mais difícil estava feito e nem foi preciso nenhum jogador da equipa de Alvalade intervir. O Paços tentava sair para o ataque quando, na primeira fase de construção, Luiz Carlos atrasou a bola para o seu guarda-redes, mas acertou no poste da própria baliza. Entre o ferro e Marafona, a bola acabou por entra (7′). Mérito para a pressão referida pelos técnicos na antevisão.

Na frente do 3x4x3 do Sporting, Pedro Gonçalves, Edwards e Trincão iam revezando entre si a ocupação dos três lugares do ataque. Entre o golo e os 25 minutos, os leões demonstraram alguma dificuldade em ligar o jogo, mas quando começaram a tirar partido da mobilidade dos atacantes que Amorim escolheu, a tendência inverteu-se. Trincão apareceu no espaço entre linhas e fez a ponte com Nuno Santos que esperava o passe à esquerda. Quando recebeu a bola, o extremo (33′) correu para a baliza e fez um chapéu perfeito a Marafona  assinalando o golo 100 da equipa esta temporada,

Nuno Santos marcou o que antes Pedro Gonçalves tinha falhado por duas vezes e, depois, Trincão também perdoou. Do lado dos castores, Alexandre Guedes esteve muito perto de conseguir marcar. A desvantagem de dois golos ao intervalo desagradava o Paços de Ferreira. Em caso de derrota, a equipa praticamente dizia adeus à possibilidade de conseguir a permanência de forma direta. Daí que tenha sido César Peixoto o primeiro treinador a mexer.

O Paços de Ferreira-Sporting, embora tratando-se de uma partida entre duas equipas abaixo das expectativas, era um jogo para os verdadeiros fanáticos do futebol, uma vez que os que assim não fossem prestavam atenção a outros eventos. Isto porque os adeptos leoninos dividiam-se entre o que se passava na Mata Real e em Mallorca, pois a equipa de futsal do conjunto de Alvalade jogava à mesma hora a final da Liga dos Campeões da modalidade, num encontro, esse sim, a valer um título europeu.

No entanto, também a prestação de Trincão era de gala. Há muito que a exibição do Paços de Ferreira começou a ser escrita em itálico, pois estava tão torta que ninguém mais a conseguiu endireitar. Trincão girou sobre si com a bola controlada para confirmar que, à sua volta, estava tudo igual, ou seja, os leões continuavam a dominarem. Verificado esse facto o extremo (62′) aproveitou que a volta enganou os defesas e atirou para o 3-0.

Amorim tinha dado a novidade: “O Paulinho está convocado e pode somar alguns minutos”. Foram sensivelmente 25. O avançado entrou para o lugar de Edwards regressou aos relvados depois de ter estado afastado desde o início de abril. Mais tarde, quando Chermiti entrou, Amorim fez coexistirem dois pontas de lança num onze que de início não apresentou nenhum. Graças a essa presença na área Chermiti anotou mais um golo verde e branco (90+3′) e fez o 4-0. Independentemente do desenho da equipa, o Sporting assinava a versão final da obra de arte que construiu no Estádio Capital do Móvel e que permitiu ao conjunto verde e branco encurtar para quatro os pontos de distância para os lugares de acesso à Liga dos Campeões, após exibição que fez esquecer por 90 minutos os fracassos de uma época inteira.