César do Paço, antigo cônsul de Portugal em Palm Beach, Flórida, que ficou conhecido nos últimos tempos em reportagens jornalísticas que o apontam como um dos financiadores do Chega, avançou com uma providência cautelar contra a Wikipédia, por existir uma página associada ao seu nome, em que são citadas notícias que o colam ao partido de André Ventura e ao Movimento Zero. O tribunal de primeira instância decidiu não dar seguimento ao pedido, mas agora o Tribunal da Relação de Lisboa determinou que a Wikipédia deve eliminar os “parágrafos inteiros” que falam sobre a proximidade de César do Paço ao Chega — a sua “ligação a este partido, a doação de quantia a este partido, a participação num comício, bem como o apoio ao Movimento Zero”.

Segundo a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida na última terça-feira e consultada pelo Observador, a Wikipédia deve ainda retirar “os factos de índole criminal alegadamente praticados” por César do Paço, ocorridos em 1989, as informações sobre a exoneração do cargo de cônsul honorário de Cabo Verde e ainda a indicação de que “ficou impedido de obter qualquer documento português”. No recurso para a Relação, a defesa de César do Paço pediu, além da retirada desta informação, o pagamento de dois mil euros por cada dia de atraso no cumprimento da sanção, mas os juízes da Relação fixaram o pagamento nos 500 euros por dia. Mas há mais: a Wikipédia foi também condenada “a identificar todos os editores que acrescentaram o conteúdo” em questão.

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A acusação com data de 1989, e que é mencionada na página da Wikipédia, ficou conhecida depois de uma investigação da SIC. César do Paço foi acusado pelo Ministério Público de furto qualificado e, segundo a reportagem publicada em 2021, nunca chegou a apresentar-se em tribunal e, em 1994, foi considerado contumaz — que é o que acontece quando o arguido está ausente do julgamento e não é sequer possível ser notificado. Em consequência, ficou impedido de obter qualquer documento português até 2002. E é precisamente esta informação que consta na sua página da Wikipédia e é detalhada em seis parágrafos: “A 17 de setembro de 1991, o Ministério Público deduzira acusação contra César do Paço pelo crime de furto qualificado com fuga, pedindo prisão preventiva. A 20 de maio de 1993, o tribunal de Portimão emitiu um mandado de captura em nome do foragido, que deveria ser colocado em prisão preventiva após a captura. O julgamento foi marcado para 28 de junho do mesmo ano, mas não chegou a acontecer, por não comparência do acusado”.

A “mera curiosidade ilegítima do público”, segundo a Relação de Lisboa

Apesar de a primeira instância ter entendido que não estão “em causa quaisquer ataques pessoais desproporcionados ou gratuitos ou clamorosamente injustificados, orientados à dignidade, integridade e integridade moral ou honorabilidade do requerente, ou quaisquer expressões manifestamente desnecessárias ou desproporcionais, através, por exemplo, de linguagem violenta e exagerada, nem tão pouco especialmente opinativa”, a Relação vem agora sublinhar o direito ao esquecimento, uma vez que não existiu qualquer condenação do processo de 1989 e sublinha ainda que “há que distinguir entre o interesse público tutelável e a mera curiosidade ilegítima do público”.

Além disso, continua a Relação, “nada consta provado nos autos no sentido de que, a terem ocorrido tais factos, os mesmos tenham gerado um alarme social relevante, quer a nível local quer a nível nacional, ou seja, não está demonstrada a existência de um incontroverso interesse público original”.

Também as ligações e o financiamento ao Chega têm sido divulgados por vários jornais, que identificam a proximidade entre César do Paço e André Ventura. Aliás, já em 2020, a Visão publicou uma investigação em que questionava o poder financeiro do ex-cônsul e os encontros com a direção do partido. E, um ano depois, a SIC divulgava que César do Paço tinha feito uma doação ao Chega no valor máximo legalmente permitido, de cerca de 10 mil euros. No entanto, para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Wikipédia e os respetivos autores “não podiam tratar os dados pessoais de César do Paço como indicadores das suas opiniões políticas, em concreto, a proximidade de dirigentes do Partido Chega, a ligação a este partido, a doação de quantia a este partido, a participação num comício, bem como o apoio ao ZM (Movimento Zero)”.

A Relação considerou, por isso, provado que todas a informações que constam na página da Wikipédia causaram “stress, angústia, receio por si e pela sua família e sobretudo, profunda tristeza, sendo que o Requerente sente-se injustiçado, sentindo em causa a sua imagem e reputação, influenciando negativamente a estabilidade psicológica e emocional”.