“Quando jogados no Etihad, sentimo-nos imparáveis”. O Manchester City respira confiança por tudo o que é sítio, ainda mais depois de uma jornada que dissipou a inevitabilidade da reconquista do título inglês depois de uma vitória por 3-0 fora frente ao Everton a que se seguiu uma derrota caseira do Arsenal com o Brighton pelo mesmo resultado, mas a frase de Jack Grealish acrescentava algo mais a esse estado de espírito: se a equipa de Pep Guardiola se sente confortável em qualquer sítio que tenha um campo e uma bola, jogar em casa aumenta ainda mais os índices de capacidade da equipa, numa realidade consubstanciada em números sem paralelo na Europa: em 28 jogos, 26 vitórias, um empate e apenas uma derrota consentida em período de descontos. Era também contra isso que o Real Madrid teria de jogar, na tentativa da enésima noite de milagres europeus que tinha como surpresa o facto de os espanhóis não partirem como favoritos.

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Aliás, havia três grandes obstáculos em termos estatísticos para os merengues ultrapassarem: 1) fazerem o que só o Brentford conseguiu na presente temporada e ganharem no Etihad, sendo que desde novembro que mais ninguém venceu com o Manchester City a jogar em casa (e com essa particularidade de a vitória ter chegado aos 90+8′ num encontro em que os citizens tiveram 75% de posse de bola); 2) o Liverpool foi a última equipa a vencer o conjunto de Pep Guardiola na Champions em Manchester, num triunfo que data já de abril de 2018, há mais de cinco anos; 3) o Real Madrid nunca conseguira ganhar no Etihad, levando antes da partida uma série de duas derrotas e dois empates. Segredo para fintar a história? Vicks VapoRub.

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No dia mais esperado na Liga dos Campeões, tendo em conta que para quase todos era desta meia-final que saía uma espécie de vencedor antecipado da competição numa decisão com o Inter (que voltou a ganhar na véspera ao rival AC Milan e voltou a uma final europeia 13 anos depois do triunfo de José Mourinho), o jornal Marca debruçou-se sobre uma espécie de “ritual” que várias equipas tinham e que o Real Madrid não deixou cair: o uso do gel na zona do peito, que tem como objetivo abrir as fossas nasais e descongestionar graças ao efeito do eucalipto que ajuda a melhorar a circulação e a chegada de oxigénio aos pulmões. Seria isso suficiente para vencer o City? Para uns sim, para outros não. A única coisa garantida era um grande jogo.

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“O legado que deixo é que tivemos uma história do outro mundo durante muitos anos. O legado é que as pessoas vão recordar que marcámos muitos golos, que nos marcaram poucos e que ganhámos muitos títulos. Nestes anos aqui, diverti-me muito. É como um bom livro. E talvez na Europa as pessoas não vejam nada disto mas aqui divertiram-se muito. Isso é um legado”, comentara Pep Guardiola, quase que a “aliviar” uma pressão extra de chegar ao único título que faltava no Manchester City. “Este é o meu quarto ano neste clube. Aproveitei e aproveito cada dia. O legado é a cada dia treinar este clube, estes jogadores e tentar tirar o melhor disso. Este ano podemos fazer algo importante, como fizemos em 2022. Estamos muito motivados, sabemos que é difícil mas a dificuldade ajuda-nos a tirar o melhor de nós”, resumira também Carlo Ancelotti.

Era nesta base que estavam lançados os dados do jogo, sempre com Erling Haaland como principal foco de quase todas as conversas entre uma constelação de estrelas com muitos outros nomes. Esta noite, destacou-se um outro nome, por sinal bem conhecido dos portugueses: Bernardo Silva. Quando se olha para toda a carreira do internacional entre a formação do Benfica, o Mónaco e o Manchester City, até quando se olha para aqueles que jogam contra e não com o jogador, sobram elogios. Elogios, elogios e elogios. Pep Guardiola é exemplo paradigmático disso mesmo, falando do número 20 como um pequeno génio que sabe tudo do jogo mesmo que muitas vezes não entre na ficha de jogo a marcar ou a assistir. Agora, num daqueles jogos que marcam uma carreira, Bernardo apontou os dois golos que colocaram os ingleses na final da Champions.

À semelhança do que tinha acontecido no Santiago Bernabéu, o Manchester City teve uma entrada a “varrer” mas criando ainda oportunidades ainda mais flagrantes com uma outra grande nuance: conseguiu tirar por completo o Real Madrid do jogo, a ponto de ter feito apenas 20 passes certos nos primeiros 20 minutos. O que valia? Courtois. Quase num remake da exibição épica que teve na final da última Champions contra o Liverpool, o belga começou por ter uma defesa por instinto num cabeceamento de Haaland na pequena área após cruzamento de Grealish da esquerda (13′) e esteve ainda melhor numa das melhores intervenções nesta edição da Liga dos Campeões a novo remate do norueguês (21′). A baliza parecia fechada até que apareceu a magia de Kevin de Bruyne, a isolar Bernardo Silva para o remate a fuzilar que fez o 1-0 no jogo (23′).

Também aqui, parecia haver uma cópia do filme que se tinha visto na eliminatória da última época mas com uma diferença: não havia reação do Real Madrid. Por não fazer mais do que três/quatro passes para a frente sem ficar com a bola,  por continuar a ter grandes problemas com o futebol com bola intenso e agressivo dos ingleses, por não conseguir colocar em jogo as três unidades da frente entre Benzema, Vinícius e Rodrygo. Ainda assim, mesmo para uma equipa quase “morta”, a oportunidade lá chegou com Toni Kroos a acertar com estrondo na trave de meia distância num lance em que Ederson tocou ainda na bola (35′). Estava dado o aviso que não teve continuidade e, pior, não evitou que o Manchester City mantivesse o pendor atacante e com golo: Jack Grealish trabalhou bem na esquerda, o remate de Gündogan em zona perigosa na área ficou prensado na defesa contrária e Bernardo Silva, a fazer a recarga de cabeça, aumentou para 2-0 (37′).

Algo teria de mudar no segundo tempo. Em parte, mudou. Mudou porque o Manchester City, num misto entre o que o Real impediu que acontecesse e o que a própria equipa inglesa não quis muitas vezes forçar. No entanto, os espanhóis continuaram a ser praticamente nulos no plano ofensivo à exceção de um livre direto de Alaba desviado por Ederson pela linha de fundo. Aliás, até determinado ponto aquilo a que se assistiu foi quase um final de ciclo de uma era com Modric e Kroos (Benzema nem tanto mesmo não fazendo muito por não ter bola). E ainda foi o Manchester City a ficar perto do 3-0 mesmo sem ter tanta chegada ao último terço, com Courtois a desviar para a trave um remate de Haaland na área (73′). A lição em relação à derradeira época estava devidamente estudada e o 3-0 chegou mesmo num autogolo de Éder Militão após um livre lateral de Kevin de Bruyne no lado esquerdo para Akanji que bateu depois no defesa brasileiro (76′). Só faltava a cereja no topo do bolo, com Foden a isolar Álvarez e o argentino a carimbar o 4-0 final (90+1′).