Luís Montenegro decidiu retirar a confiança política a Joaquim Pinto Moreira, deputado que foi constituído arguido na Operação Vórtex e que decidiu voltar à Assembleia da República à revelia da direção social-democrata. Líder do PSD pediu ainda ao Conselho de Jurisdição uma investigação à escolha de candidatos nas eleições autárquicas de Lisboa de 2017, numa referência às mais recentes revelações no processo Tutti Frutti. “Seremos intransigentes com o respeito pela lei e pela ética política”, assegurou.

De acordo com Luís Montenegro, Joaquim Pinto Moreira continuará a pertencer ao grupo parlamentar social-democrata se assim o entender, mas não irá “expressar a vontade política do PSD”. “Quebrou-se a confiança”, sublinhou o líder social-democrata, referindo-se à decisão tomada por um dos seus aliados mais antigos de voltar à Assembleia da República à revelia e sem o respaldo da direção social-democrata. O objetivo da direção social-democrata, sabe o Observador, foi tentar fazer de Pinto Moreira um exemplo para os demais e mostrar que a atual direção social-democrata não terá contemplações com quem pisar o risco, seja ele próximo ou não do presidente do partido.

A alternativa — não agir contra o antigo vice-presidente da bancada — seria sempre interpretada como um sinal de falta de liderança e uma derrota pública. Ao longo do fim de semana, de resto, o líder do PSD foi sendo pressionado por muitos dirigentes sociais-democratas a ser “exemplar” neste caso. À boleia disso, Montenegro tenta ainda marcar o contraste em relação a António Costa, muitas vezes acusado de ser complacente com casos eticamente pouco recomendáveis.

Horas depois, em entrevista à RTP, Luís Montenegro voltou a dizer que Pinto Moreira “não vai representar a vontade do PSD” e que se limitará a cumprir o seu mandato. Sobre o que fará em concreto o deputado na Assembleia da República, uma vez que não tem margem para fazer parte do processo de tomada de decisão do grupo parlamentar ou para intervir em nome do PSD, Montenegro não se alongou. A bola está do lado de Pinto Moreira, que continua sem reagir à decisão da liderança social-democrata.

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Recorde-se que Joaquim Pinto Moreira, que pedira a suspensão do mandato de deputado depois de ter sido constituído arguido na Operação Vórtex, decidiu requerer na sexta-feira o regresso ao Parlamento à revelia de Luís Montenegro e sem qualquer respaldo da direção do PSD. A decisão de Pinto Moreira, homem muito próximo de Luís Montenegro, apanhou de surpresa o próprio núcleo duro social-democrata e causou um óbvio embaraço político à direção do partido.

O pedido de regresso de Pinto Moreira aconteceu no final de uma semana em que outras figuras do PSD, nomeadamente o deputado Carlos Eduardo Reis, viram o seu nome envolvido numa série de reportagens da TVI/CNN Portugal no âmbito da Operação Tutti Frutti.

“Tutti-Frutti? Não quero ter a mínima dúvida”

Sobre Sérgio Azevedo e Luís Newton, dois dos sociais-democratas envolvidos na Operação Tutti Frutti, o líder do PSD não entrou em grandes detalhes e atirou para depois da investigação interna qualquer ação concreta. A sindicância, que ficará a cargo do Conselho de Jurisdição do partido, vai versar, sobretudo, sobre o alegado acordo entre PS e PSD na escolha de candidatos às juntas de freguesia de Lisboa, em 2017. “[Queremos] afastar qualquer possibilidade de o PSD ter escolhido candidatos na base do entendimento com outros partidos. Seremos implacáveis e intransigentes”, prometeu Montenegro.

Esta espécie de ‘comissão de inquérito’ vai ouvir Pedro Passos Coelho, líder do partido à época dos alegados factos, Pedro Pinto, então líder da distrital de Lisboa, Luís Newton e Paulo Ribeiro, que, depois da demissão de Mauro Xavier, lideraram o processo de escolha de candidatos. O ex-deputado Sérgio Azevedo está afastado da vida política e Luís Newton é presidente da Junta de Freguesia da Estrela e líder da concelhia do PSD/Lisboa. “Estas decisões têm relação com as notícias da passada semana, nas quais se alegou a existência de alegados esquemas de combinação eleitoral que, a serem verdadeiros, viciaram o processo de democracia interna e externa”, assumiu Montenegro.

Na já referida entrevista a RTP, Luís Montenegro voltou a falar sobre o caso. “Não quero ter a mínima dúvida. No PSD, não pode haver um milímetro de dúvida. Não convivo bem com a dúvida sobre a autenticidade do processo eleitoral. O meu partido não vai escolher candidatos em conluio com outros partidos. Se houve [conluio], então temos de tirar consequências”, argumentou o líder social-democrata.

De fora fica Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD, amigo de longa data de Sérgio Azevedo, com quem mantinha um aliança política. O antigo homem forte de Rui Rio e diretor de campanha de Jorge Moreira da Silva nas diretas contra Luís Montenegro, é referenciado na investigação do Ministério Público como fazendo parte da alegada rede de tráfico de influências com origem, sobretudo, em Lisboa. Não sendo arguido, nem tendo sequer sido ouvido pelas autoridades, a direção do partido entendeu não haver qualquer elemento que o coloque em causa. Pelo menos, para já.

Fim de pagamento de quotas para votar

Luís Montenegro anunciou ainda que, no próximo processo de revisão estatutária, o PSD vai permitir que os militantes possam votar em eleições internas mesmo que não tenham assegurado o pagamento dos dois últimos anos de quotas — uma forma de mitigar a influência dos caciques eleitorais, que usam o pagamento em massa de quotas para mobilizar eleitores e influenciar eleições internas.

A direção do PSD vai ainda propor a criação de um código de ética para dirigentes e representantes partidários, onde “constem deveres e obrigações cuja violação acarrete responsabilidade política e disciplinar — ainda não nada alinhavado nesse sentido, embora a vontade do núcleo duro do PSD seja entregar esse projeto a uma personalidade acima de qualquer suspeita.

Durante a tarde, em conferência de imprensa, a partir da sede do partido, em Lisboa, o líder social-democrata deixou ainda um aviso claro para dentro de casa: “A efetivação da análise e responsabilidade política e a salvaguarda da dignidade institucional não significam qualquer juízo de censura legal ou qualquer ofensa aos direitos individuais. Isto vale para o Governo; e como também para os partidos da oposição. No PSD, não estão em causa questões pessoais ou jurídicas; está em causa a conduta de um partido.”

Luís Montenegro deixou ainda outra garantia: “O PSD não se conforma, nem quer contribuir para a degradação da política. E, por isso, faz diferente. Não nos escondemos atrás do ‘jargão à política o que é da política, à justiça o que é da justiça’. Não ignoramos as questões políticas e éticas”.

Como explicava aqui o Observador, este caso já está a provocar uma guerra interna no PSD, uma vez que Carlos Eduardo Reis, homem influente do rioísmo, e outros deputados dessa ala acusaram a direção social-democrata de estar a atirar o deputado social-democrata para linha de comboio a fim de atingir politicamente o Governo — Fernando Medina e Duarte Cordeiro também foram envolvidos no processo Tutti Frutti.

Tutti-Frutti. Montenegro mantém todas as opções em aberto. Rioísmo antecipa guerra civil

Chega, sim ou não? Montenegro volta a não responder

Na já referida entrevista à RTP, Luís Montenegro assinalou o seu primeiro ano de mandato à frente do PS. “A nossa alternativa política está a ser cada vez mais bem acolhida. Mas não nos podemos esquecer que o nosso ponto de partida era uma diferença de 14 pontos percentuais [nas sondangens] e uma maioria absoluta no Parlamento. Satisfeito não estou, mas estou confiante. A alternativa apresenta-se com vigor nos momentos eleitorais. Quero ganhar as eleições, não as sondagens“, sublinhou.

O líder social-democrata foi desafiado a comentar várias vezes as palavras sobre Marcelo Rebelo de Sousa sobre a ausência de alternativa ao PS. “O país percebe que a única alternativa viável é liderada pelo PSD. Não sei porque é que se pode dizer uma coisa dessas. Não estou dentro do pensamento do Presidente da República. Houve eleições há menos de um ano e, naturalmente, que o povo português tomou uma opção, que agora se começa a mostrar frustrada”.

Confrontado mais uma vez com a questão do Chega, Montenegro voltou a atirar para canto. “Já clarifiquei muito bem as condições que exijo a mim mesmo. Aquilo que é espantoso é haver uma incidência brutal sobre esse assunto quando, do lado do PS, ninguém pergunta a António Costa se, no caso de perder as eleições, estará disponível para ser outra vez primeiro-ministro. Ou se está disponível para voltar a fazer alianças com Bloco de Esquerda e PCP.”

Perante a insistência — a pergunta foi feita várias vezes e em forma de ‘sim’ ou ‘não’ — Luís Montenegro recusou dizer taxativamente que jamais fará um acordo com o Chega. “Eu sou muito mais claro sobre isso do que é o primeiro-ministro. Não há eleições amanhã. Tenho a minha estratégia política eleitoral”, rematou.

Pressão sobre Costa à boleia das secretas

Sobre a questão do envolvimento do SIS na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, antigo adjunto de João Galamba, o líder social-democrata anunciou que o partido vai entregar um conjunto de perguntas no Parlamento exigindo a António Costa que esclareça as várias questões que continuam por esclarecer.

“Falta explicar quem é que acionou a presença dos serviços de informações. Falta explicar se houve roubo ou não… Há um conjunto significativo de dúvidas que têm de ser esclarecidas”, disse. Ainda assim, Montenegro não excluiu vir a apoiar uma eventual comissão parlamentar de inquérito ao caso das secretas se Costa não responder às perguntas.

Quanto ao seu futuro, e desafiado a dizer se deixa a liderança do partido caso perca as próximas eleições europeias, Montenegro deixou tudo em aberto, mas deixou claro que uma eventual derrota não significa automaticamente a sua saída a presidência social-democrata. “Depende da avaliação política que fizer“, salvaguardou.

“Não tenho medo de ir a votos. Vou e sujeito-me depois à interpretação dos resultados eleitorais. O PSD perdeu as eleições europeias por 12 pontos percentuais. Se o PSD ficar a 2 ou 3 pontos, não acho que seja um mau resultado. Mas as eleições são para ganhar. Estou a trabalhar para ganhar. Não vou dizer que o insucesso eleitoral nas europeias conduz necessariamente à minha cessação de funções”, rematou.