As famílias em Portugal viram as despesas aumentar à boleia da inflação e da subida das taxas de juros, mas estes acréscimos foram acompanhados, em termos médios, por um aumento do rendimento e por medidas de apoio. Isso fez com que, também em média, os agregados tenham conseguido pagar as suas dívidas e manter o nível de consumos essenciais que tinham em 2021. Mais: “sem pôr em causa outro tipo de despesas”, conclui uma simulação do Banco de Portugal.

De acordo com a simulação que consta no boletim económico de junho, divulgado esta sexta-feira — e que assenta em médias e não reflete a heterogeneidade dos vários quintis de rendimento — entre 2021 e 2023, os diferentes grupos de famílias viram o rendimento disponível, após o pagamento das despesas essenciais (que inclui o serviço da dívida e bens alimentares e energéticos), subir de modo “próximo ou superior” à inflação subjacente (taxa de variação acumulada do índice de preços harmonizado no consumo, excluindo bens alimentares e energéticos), que foi de 11% no período de 2021 a 2023.

“Isto significa que, em média, as famílias destes grupos terão tido a capacidade de pagar o serviço da dívida e manter um nível de consumo de bens alimentares e energéticos idêntico ao de 2021, sem pôr em causa outro tipo de despesas”, lê-se no boletim.

O aumento da inflação e das taxas de juro fizeram aumentar as despesas das famílias, mas a instituição liderada por Mário Centeno sublinha que estes acréscimos têm sido “acompanhados por um aumento do rendimento, fruto do dinamismo no mercado de trabalho e da implementação de medidas de apoio ao rendimento, em especial dos mais vulneráveis”.

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Para a simulação, o Banco de Portugal analisou a evolução do rendimento disponível das famílias após o pagamento do serviço da dívida e das despesas para a manutenção de um nível de consumo de bens alimentares e energéticos idêntico ao registado em 2021, para calcular o esforço exigido às famílias em 2022 e 2023.

Nos cálculos, pressupõe que as despesas com bens de alimentação e energia foram as necessárias para manter o consumo de 2021, uma hipótese que pode “sobrestimar o impacto da inflação” uma vez que não tem em conta eventuais efeitos de substituição que existem quando há subidas de preços.

Nas contas do Banco de Portugal, em termos acumulados e para o conjunto das famílias, entre 2021 e 2023, o rendimento nominal após o pagamento do serviço da dívida e da despesa com bens alimentares e energéticos cresceu 14,6%, em média. Sem grande surpresa, as famílias dos primeiros quintis de rendimento foram as mais expostas ao aumento dos preços destes bens essenciais, que representam cerca de 40% do rendimento.

Mas o serviço da dívida subiu em todos os grupos, embora o seu impacto seja “limitado”, uma vez que mais de metade das famílias não têm dívida e menos de um terço têm dívida com taxa variável. No quintil mais elevado (o quinto da população mais rica), o aumento do serviço da dívida foi compensado pelo aumento dos juros recebidos, “pois embora exista uma percentagem elevada de famílias endividadas, o peso da dívida no rendimento é relativamente reduzido”.

O Banco de Portugal concluiu que todos os grupos de famílias “têm aumentos do rendimento acima do estritamente necessário para compensar o aumento da despesa com bens alimentares e energéticos e o pagamento do serviço da dívida”.

A maior subida no rendimento disponível após despesas essenciais deu-se nas famílias que em 2021 se situavam nos dois primeiros quintis de rendimento por adulto equivalente e naquelas em que o indivíduo de referência se encontrava desempregado (respetivamente, 23,4%, 18,6% e 18,8%), fruto, “em grande parte”, do aumento das prestações sociais e do crescimento do emprego, “o qual beneficia mais os grupos onde existe uma percentagem superior de desempregados”, refere o boletim.

Nas famílias mais expostas ao aumento do serviço da dívida — as do primeiro quintil de rendimento, aquelas em que o indivíduo de referência estava desempregado em 2021 e as classes etárias mais jovens — este efeito é “compensado pelo crescimento do rendimento disponível” , que “beneficiou do dinamismo no mercado de trabalho”.

Margens de lucro subiram nos serviços e diminuíram na indústria e construção

O Banco de Portugal volta a chamar a atenção para o aumento das margens de lucro, que mostra como as empresas transmitiram a subida dos custos ao consumidor e até recuperaram parte das perdas verificadas na pandemia.

“O aumento do contributo dos lucros unitários em 2022 indica que as empresas transferiram o choque sobre os custos de produção aos consumidores e recuperaram parte das perdas de margem de 2020”, indica o boletim. No ano passado, as margens de lucro aumentaram nos serviços e caíram na indústria e construção, “o que aponta para um impacto importante do aumento dos custos intermédios nestes setores”.

Margens de lucro das empresas ameaçam “copo meio cheio” que Centeno vê na economia

A instituição não viu, porém, os salários a pressionarem excessivamente a inflação, porque a produtividade cresceu também. “O impacto do aumento dos salários nominais por trabalhador foi amortecido pelo acréscimo de produtividade, implicando um contributo contido para as pressões inflacionistas internas em 2022″, observa.

O Banco de Portugal calcula, ainda, que do aumento da receita fiscal e contributiva em 2022 (em mais de 11 mil milhões de euros), cerca de 30% (3,2 mil milhões) resultou do aumento da inflação. Foi o IVA o imposto que mais viu as receitas subir, enquanto no IRS e nas contribuições o efeito foi menor porque os salários não subiram tanto quanto a inflação entre 2021 e 2022. “No caso do IRS, este efeito mitiga o impacto da progressividade do imposto”, nota a entidade. Nos outros impostos diretos e indiretos, à exceção do imposto do selo, não foram identificados impactos do aumento da inflação.

Em 2023, “o impacto do aumento da inflação é superior ao de 2022, em resultado da evolução dos salários e do deflator do PIB, mas reduz-se rapidamente até 2025”, antecipa o Banco de Portugal.