Várias propostas de alteração do PCP ao relatório preliminar da comissão de inquérito sobre a TAP resultaram na inclusão, na versão final, que será votada esta quinta-feira, 13 de julho, de pedidos de auditorias, nomeadamente no que respeita à Airbus, mas também inclui um novo capítulo que realça informação a participar ao Ministério Público, ainda que todo o relatório final chegue à entidade de investigação judicial.

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Assim, de acordo com a versão do relatório que será votada, a que o Observador teve acesso, o PCP propôs — e foi aceite — a introdução de recomendações ao Governo para auditorias. Uma dessas investigações é para que o Governo, “no quadro das suas relações bilaterais e da sua participação nas estruturas da União Europeia”, “atue para que seja lançada uma investigação ao papel da Airbus no processo de privatização da TAP em 2015”. Isto pelas suspeitas de que a renegociação com a Airbus para a compra de aviões (trocando os A350 por equipamentos Neo) permitiu a David Neeleman, com o dinheiro recebido da construtora aeronáutica, fazer a sua capitalização na TAP. A Airbus é um consórcio europeu da qual fazem parte empresas públicas de França, Alemanha e Espanha.

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Aliás, sobre essa privatização ficará também expressa a recomendação para que o Ministério das Finanças publique o relatório final da Comissão Especial de Acompanhamento à Privatização da TAP.

Mas há mais auditorias que vão ser pedidas, e que passaram a constar da versão final a ser votada. Fica o pedido para que o Governo “realize com carácter de urgência uma inspeção e auditoria, através da IGF, às contas da TAP SGPS e TAP SA, no sentido de apurar cabalmente todos os pagamentos e contratos relacionados com os negócios de compra e atividade da TAP ME Brasil; os pagamentos feitos pelo Grupo TAP à Airbus; às empresas de David Neeleman e ao próprio; à Atlantic Gateway; ao Grupo Barraqueiro e a Fernando Pinto; O valor e os motivos de todos os contratos de consultoria pagos pela TAP (solicitados ou não) desde 2005″.

Sobre o contrato de Fernando Pinto é incluído na versão final, que será votada, alguns pormenores sobre o contrato feito com o gestor depois de este ter deixado de ser presidente. Depois de terminar mandato como CEO Fernando Pinto fez “três contratos de prestação de serviços de consultoria (um em nome individual, outro em nome da Free Flight de que é gerente e outro complementar a este), todos pelo período de dois anos, assegurando um seguro de saúde por cinco anos na empresa, um seguro de vida por dois anos, apoio jurídico, logístico e fiscal da própria empresa e uma viatura de serviço, que se somam ao direito a uso vitalício, ilimitado, gratuito e com reserva de lugar, na classe mais elevada, de facilidades de passagem nas linhas operadas pela TAP, extensivas ao cônjuge, bem como a promessa de um prémio, em opções de compra, no valor de 7,6 milhões de euros caso a TAP fosse colocada em bolsa”.

O valor do contrato, tal como já tinha sido revelado na comissão, é de 1,6 milhões, “ou seja, 67 mil euros por mês, faltando apurar se há outros pagamentos realizados diretamente à Free Flight Consulting que não constem dos informados a esta CPI como tendo sido realizados diretamente a Fernando Pinto.

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Aliás, os contratos de consultoria pagos pela TAP bem como os pagamentos a David Neeleman e à Atlantic Gateway são explicitamente indicados num novo capítulo introduzido agora que determina aspetos específicos a serem vistos pelo Ministério Público. “Como habitualmente, o presente relatório será remetido ao Ministério Público para os devidos efeitos. A Comissão reitera que o acervo documental ficará à inteira disponibilidade da referida entidade. Não obstante, a CPI entende destacar, desde já, um conjunto de matérias que se entende relevante”.

Há vários dados reforçados junto do Ministério Público

São cerca de uma dezena de indícios apurados pela CPI que se pretende reforçar junto do órgão de investigação. A inclusão deste capítulo foi sugerido pelo PCP, o que foi aceite, mas há pontos que acabam por ser novos, até por via de documentação entretanto chegada.

É o caso da documentação que chegou após 10 de julho (data limite para a entrega de propostas de alteração ao relatório preliminar) com “a faturação existente relativa a serviços indevidamente pagos pela TAP, mas realizados em benefício dos negócios de David Neeleman e da empresa Atlantic Gateway”. Nessa documentação existem pagamentos realizados após 12 de novembro de 2015 (quando ficou concluída a venda da TAP a esta entidade) superiores a 10 milhões de euros pagos pela Atlantic Gateway pela compra da TAP em 2015. “Estes pagamentos delapidaram a empresa e representam um conjunto de práticas inadmissíveis”.

É referido ainda o pagamento de 15 milhões de euros realizado à consultora Seabury por serviços prestados em 2015 e 2016, “tratando-se da consultora que assessorou David Neeleman na compra da TAP”. O contrato assinado pela TAP, por Fernando Pinto (então CEO da transportadora), com a Seabury é de 26 de junho de 2015, dois dias depois da assinatura do acordo de venda direta à Atlantic Gateway e cuja prestação de serviços (institulada Project Gateway) decorreu antes da finalização do acordo de venda a 12 de novembro de 2015. Bruno Dias já tinha denunciado este contrato no decurso da comissão de inquérito e agora viu ser inscrita este sinal vermelho para o Ministério Público investigar.

O Observador noticiou também com base em documentação remetida pelo Tribunal de Contas que a TAP pagou no quadro de recompra de 2017 a entidades que foram consultoras dos acionistas privados e que não terão participado neste processo.

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É também remetido especificamente para o Ministério Público as indicações de que “um conjunto de administradores da TAP, durante os anos de 2017, 2018 e 2019, tinham os seus salários pagos através de uma prestação de serviços paga à Atlantic Gateway em vez de receberem os mesmos através da TAP, fazendo com que a TAP fugisse ao pagamento da taxa de 23% para a Segurança Social, e que os mesmos fugissem ao pagamento da taxa de 11% para a Segurança Social”. Há aqui mesmo um pedido expresso para que estes contratos sejam investigados. Também o PCP, ao longo do inquérito, fez várias perguntas sobre estes contratos e fez vários requerimentos com pedidos de informação, nomeadamente os pagamentos à segurança social.

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Fica, assim, no relatório final o que são consideradas três evidências: a informação da Segurança Social que Humberto Pedrosa, David Pedrosa e David Neeleman não têm quaisquer salários da TAP declarados junto deste organismo; a informação da segurança social de que em 2020 a TAP já declarou salários de Humberto Pedrosa e David Pedrosa; as decisões da Comissão de Vencimentos determinando o valor dos salários para 2017, 2018, 2019 e 2020; e declarações de Pedrosa à CPI dizendo que, “em determinada altura, entendemos que, em vez de estarmos a receber salário, receberíamos o salário, mas via faturamento, no fundo, via prestação de serviços à Atlantic Gateway”; e ainda a informação de que David Pedrosa assina o contrato de prestação de serviços com a Atlantic Gateway tanto pela TAP como pela Gateway, pelo qual será pago pela TAP um total de 4,3 milhões de euros à Atlantic Gateway.

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Ainda nas informações específicas para o Ministério Público, a comissão reitera a disponibilidade para acesso da investigação ao acervo documental da CPI sobre os chamados Fundos Airbus, que já estão a ser investigados judicialmente.

Existe um último tema que é sugerida a investigação pelo Ministério Público e que tem a ver com o alegado “uso impróprio” de
viaturas de serviço da TAP por parte de alguns administradores. “Tal facto poderá ser gerador de responsabilidades a apurar em sede própria”. Um desses administradores, segundo foi sendo perguntado no inquérito, terá sido Christine Ourmières-Widener, que até terá suscitado o quase despedimento de um motorista.

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Classificação de documentos deve ser investigada

Há ainda sobre a proposta comunista um acrescento no relatório final que será votado esta quinta-feira uma referência sobre  classificação de documentos.

Fica assim na versão final a conclusão de que “houve uma excessiva classificação de documentos como confidenciais, secretos ou de acesso restrito”. Documentos classificados que “por lei deveriam estar publicado na internet (é o caso, por exemplo, dos Relatórios e Contas da TAP SGPS e do Relatório Final da Comissão Especial de Acompanhamento à privatização da TAP, criada em 2015) e documentos sem qualquer motivo para essa reserva, que acaba por dificultar o escrutínio público da atividade do governo e das empresas públicas (como os pareceres jurídicos e as auditorias requeridas e pagas por entidades públicas, ou os contratos de leasing automóvel declarados como secretos)”.

A dificuldade de escrutínio por parte da Assembleia da República aconteceu, ainda, com a classificação de documentos referentes à privatização de 2015, recompra de 2017, e à reestruturação de 2020. “Os respetivos governos recorreram à classificação como documentos confidenciais, dificultando também o escrutínio democrático da própria Assembleia da República e do exercício do direito ao controlo de gestão por parte dos trabalhadores da TAP”.

Para a comissão de inquérito, e sob proposta do PCP, “todas estas situações devem ser comunicadas às respetivas entidades competentes para que se atue e apure cabalmente todas as responsabilidades, incluindo responsabilidades criminais”.