A presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) critica o modelo de orçamentação, acredita que a proposta orçamental para 2024 será centrada na execução do PRR , defende prudência orçamental e não deixa de dar conselhos sobre a venda da TAP.

Em entrevista à Lusa, Nazaré da Costa Cabral considera que se o Programa de Estabilidade, entregue pelo Governo em abril, integrasse medidas de política para o próximo ano e seguintes, atualmente já seriam conhecidas quais as prioridades para o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024).

Continuamos a apostar nessa metodologia de orçamentação de olhar com o tal viés de curto prazo, que é um viés que também não serve o país, como está à vista. Andamos sempre a navegar o caminho à vista e, de facto, com uma visão menos estratégica e menos de médio prazo“, disse.

A presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) crê, com base nos desenvolvimentos orçamentais, que o foco no próximo ano será a execução dos fundos europeus, até porque o fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “estará para breve” e “o ano de 2024 será um ano crítico desse ponto de vista”.

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“Aquilo que me parece é que o OE2024 vai continuar a centrar-se muito na execução do PRR e a apostar na despesa de investimento induzida pelo PRR”, disse.

Por outro lado, aconselha prudência orçamental, mesmo que se confirme um crescimento acima do esperado este ano.

“Creio que a orientação da política orçamental deverá tendencialmente ser uma orientação contracíclica. Ou seja, devemos ter aqui alguma prudência orçamental na gestão das contas públicas, até porque o que neste momento nos preocupa é a questão da inflação”, afirma.

Recorda ainda que existe um impulso económico induzido pelo próprio PRR, que depois não tem impacto orçamental nem na orientação da política orçamental.

Temos de continuar a olhar para a despesa com cuidado e temos de aguardar, porque vêm aí mudanças do ponto de vista das regras orçamentais, que provavelmente já vão entrar em vigor em 2024″, disse.

Nazaré da Costa Cabral recorda ainda que o Programa de Estabilidade apontava para ser executada uma verba do PRR de cerca de 3.900 milhões de euros, mas até maio houve “uma execução [na base de caixa] na ordem de 418 milhões de euros”.

Neste sentido, considera que a meta se torna “difícil de alcançar”, e alerta para que mais, importante do que os progressos de execução, é se o PRR vai ser executado “em áreas que interessam ao país”.

Assinala ainda a importância de debater o impacto da inflação na execução do PRR, “quer em termos de lançamento de concursos, para investimentos que é necessário fazer, quer depois em termos da justificação e depois da execução desses mesmos contratos”.

No entanto, destaca que se fala na reprogramação, mas não há “indicação da parte do Governo de quais são as medidas que eventualmente poderão estar a ser previstas” para garantir que “efetivamente estas verbas sejam aproveitadas e usadas pelo Governo”.

TAP deve ser bem vendida

Por outro lado, a presidente do Conselho das Finanças Públicas alertou que a TAP deve ser bem vendida, de forma a assegurar o retorno dos apoios do Estado, e criticou a forma “negligente” como se encara o setor empresarial do Estado.

Nazaré da Costa Cabral admite preocupação com a TAP e com o ressarcimento do capital injetado, até porque as receitas das privatizações ou reprivatizações têm impacto nas finanças públicas.

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Nós temos de ter a preocupação de que a empresa vai ser bem vendida, porque disso depende o retorno que eventualmente possamos vir a obter, a partir do esforço que foi feito”, disse.

O Governo quer reprivatizar a TAP, tendo contratado a E&Y e o Banco Finantia para a realização de avaliações independentes, estando previsto publicar durante o verão o decreto-lei que iniciará o processo de venda da companhia.

A presidente do Conselho das Finanças Públicas recorda que tem alertado para as “preocupações” que a empresa suscita pela sua dimensão, importância para a economia portuguesa, número de trabalhadores que tem e também pela “exigência financeira” que tem significado para o Estado, nomeadamente com o processo de reestruturação.

“Um processo que envolveu 3.200 milhões de euros e não sabemos se eventualmente não será necessário mais algum tipo de apoio. Esperemos que não, mas de facto é uma empresa que suscita agora preocupações”, explicou.

Para Nazaré da Costa Cabral há “um avanço do ponto de vista daquilo que é o panorama financeiro” da TAP, já que “a empresa mudou de uma situação em que tinha capitais negativos para capitais próprios positivos”, mas “continua a ser uma empresa altamente endividada“.

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Esta ideia tão fácil que a dado momento se deixou passar de que os montantes foram alocados no âmbito do processo de restruturação e por serem injeções de capital os contribuintes não deveriam desejar ou esperar sequer o retorno dessas injeções, creio que esta mensagem é muito perigosa e é desadequada”, considera.
Neste sentido, considera que, “se atualmente a empresa está recapitalizada, ainda que tenha um passivo – mas o passivo paga-se –, e a companhia com o que vai ser o seu desempenho profissional vai pagar e honrar os seus compromissos”, tal “é um cartão de visita que tem de ser apresentado, de valorização da companhia“.

Creio que, neste momento, aquilo que é de esperar, o mínimo que é de esperar, é que tenhamos a ambição de valorizar a companhia no momento em que ela está para ser vendida”, afirmou.
Até porque, recorda, nos termos da lei, “as receitas das privatizações ou reprivatizações devem reverter para a amortização da dívida pública“.

Portanto, há aqui um efeito de consignação muito importante. Aquilo que nós possamos, digamos, alcançar em termos de boa venda da companhia tem um efeito para a sanidade das nossas finanças públicas e para a situação financeira do Estado no seu todo”, salienta.

Nazaré da Costa Cabral defendeu ainda que se reformule a forma como a gestão das empresas públicas é encarada: “Não temos olhado para este setor empresarial do Estado como deve ser olhado. Como um setor que é um setor económico, que é um setor de produção económica e onde devemos querer ter o melhor desempenho possível”, disse.

Segundo a especialista em Finanças Públicas, a falta de aprovação dos planos de atividades ou a aprovação tardia de contas são exemplos, tais como a falta de aprovação dos contratos de gestão, o que resulta, diz, quer num problema de gestão, quer de validade jurídica dos atos que são praticados.

“Acho que deixar passar isto revela a forma, peço desculpa, algo negligente como este setor tem sido olhado. Ele é uma espécie de repositório acrítico de despesa pública, porque tem lá os trabalhadores, muito importantes com certeza, e por isso é preciso pagar aos trabalhadores. Mas, depois, o que é que nós fazemos com estas empresas públicas”, disse.