Numa fase em que qualquer boa história ou enredo merece um documentário ou mesmo um filme, os vários capítulos da vida desportiva de Liliana Cá têm o sumo suficiente para chegar a esse patamar numa carreira intermitente que teve momentos altos como o ouro no Festival Europeu de Juniores ou a prata nos Europeus Juniores, um interregno de cinco anos pelo meio e um regresso que nem a própria acreditava que pudesse ser tão bem sucedido perante a obtenção do recorde nacional do disco que pertencia há largos anos à mítica Teresa Machado. Aos 36 anos, faltaria apenas um pódio numa grande competição, aquele pódio que todas as lágrimas denunciavam quem podia ter sido no maior palco de todos: os Jogos de Tóquio. Uma queda com lesão condicionou os últimos lançamentos mas a portuguesa não desistiu. Nem aí, nem agora.

Por um minuto, a história podia ter sido outra. Desde o regresso à competição após largos anos de paragem em que viveu no estrangeiro (ainda chegou a representar em Inglaterra o New Ham & Essex Beagles mas deixou o atletismo), Liliana Cá tinha sido segunda nos Jogos do Mediterrâneo e sétima nos Europeus de 2018 mas foi em 2021 que chegou onde sabia que podia chegar, batendo o recorde pessoal e nacional em março com 66,40. No Japão, no início de agosto, sentia que podia voltar a quebrar a marca, motivada pelo terceiro lugar que ocupava no final da segunda ronda. No entanto, quando as atletas já pediam a interrupção da prova devido à forte chuva, escorregou, caiu, deslocou de forma ligeira a rótula e ficou muito limitada para o recomeço da competição. A quinta posição que num outro contexto poderia ser boa soube a pouco. Daí para cá, foi a pensar num pódio numa grande competição que foi trabalhando mesmo sendo uma outsider.

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Caiu, ligou o pé, a rótula saiu do sítio. Tentou mais sem êxito. Liliana Cá fez histórico quinto lugar mas chorou por não gostar de desistir

“Tenho os mínimos diretos e, agora, é só manter, que é para chegar lá [aos Mundiais] e tentar fazer história. O que é história? História é ficar entre as três primeiras e trazer uma medalha para Portugal. Tem de ser com recorde nacional”, apontou em junho a agora atleta do Sporting, clube que voltou a representar depois de ter voltado no Novas Luzes, uma formação de Londres. O sexto lugar no Campeonato do Mundo de Eugene com 63,99 (melhor marca pessoal de 2022) e a quinta posição nos Europeus de Munique com 63,67 mostravam isso mesmo: para sonhar com a tal medalha, teria pelo menos de aproximar-se do recorde nacional.

Ficou a promessa, falhou a medalha: Liliana Cá termina final do disco dos Europeus no quinto lugar

A qualificação por repescagem após lançar a 63,34 na segunda tentativa, muito perto dos 64 metros que já valiam o apuramento direito para a final, mostrou sobretudo o nível alto que iria ter pela frente na decisão desta terça-feira. Por um lado, mesmo não havendo grandes diferenças de marcas, houve cinco atletas que garantiram o salto direto para a final entre a norte-americana Valarie Allman (67,14), a chinesa Bin Feng (65,68), a croata Sandra Perkovic (65,62), a alemã Claudine Vita (64,51) e a norte-americana Laulauga Tausaga (64,34). Por outro, as 12 finalistas encontravam-se nos 14 primeiros postos do ranking mundial, com Liliana Cá a ocupar nesta fase o sexto lugar. Concorrência pelas medalhas não iria faltar.

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As duas primeiras tentativas mostraram as dificuldades que Liliana Cá poderia enfrentar, com um primeiro lançamento a 58,86 e uma tentativa nula de seguida que a colocavam em perigo para as derradeiras três tentativas. A portuguesa ocupava a 11.ª posição sem margem de erro e a saber também de forma antecipada que só mesmo batendo o recorde nacional poderia sonhar com medalhas tendo em conta as marcas de Valarie Allman (68,57), Bin Feng (66,97, melhor marca do ano) e Sandra Perkovic (66,57, também melhor marca do ano). Alheia a essa pressão, a atleta de 36 anos lançou a 63,59, melhorando ligeiramente a marca de qualificação, e subiu ao sétimo lugar, tendo de aguardar pelas adversárias para saber se passava o “corte”. Laulauga Tausaga continuou a surpreender e melhorou o seu registo mas Cá tinha seguido em frente.

Naquela que foi a grande surpresa, a alemã Claudine Vita, bronze no último Europeu, não passou sequer às últimas três tentativas (63,19) tal como a francesa Melina Robert-Michon (63,46). Agora, a portuguesa tinha um único caminho: arriscar. Era arriscando que podia subir, dentro do risco que isso comporta sempre. Com isso, Liliana Cá acabou por fazer uma tentativa nula no quarto ensaio e também no penúltimo lançamento, sobrando apenas mais uma hipótese para fazer algo mais. Lá na frente, tudo em aberto: Tausaga passara para a frente com o recorde pessoal de 69,49 e a neerlandesa Jorinde van Klinken passou para terceiro com 67,20, deixando Feng fora das medalhas antes da resposta imediata da chinesa (67,41). O pódio ficaria mesmo assim apesar de Allman ter feito 69,23 e Liliana Cá acabou em oitavo fechando com 62,49.