Não tardaram a surgir reações ao discurso de Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, que disse que não se demitia – depois de tudo apontar para o contrário – após ter dado um beijo a Jenni Hermoso nos festejos do Mundial feminino, gesto considerado por muitos uma agressão sexual. O Conselho Superior do Desporto de Espanha pretende afastar o dirigente das atuais funções. A instituição emitiu um comunicado onde considerou a atitude de Rubiales “absolutamente incompatível com a representação que tem no desporto espanhol e com os valores de uma sociedade avançada como a espanhola”.

O presidente do Conselho Superior do Desporto de Espanha, Víctor Francos, diz que o organismo que comanda já ativou os procedimentos ao seu alcance para destituir Rubiales do cargo de presidente da federação. “A partir deste momento, acabo de acionar todos os instrumentos à disposição do Conselho Superior do Desporto para tomar as medidas oportunas que estão nas nossas mãos, que é analisar as denúncias e analisar a causa”, disse em declarações à Cadena SER.

Rubiales recusa demitir-se, diz que o beijo a Jenni Hermoso foi “consentido” e que gesto podia ter acontecido com filhas

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Mais tarde, em conferência de imprensa, Víctor Francos reforçou a posição. “O que o senhor Rubiales fez foi agravar a situação. O governo de Espanha não vai ficar parado. Rubiales disse que não ia sair e que não ia renunciar. Queremos transmitir-lhe uma coisa com todo o respeito pelo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol. O caminho deste governo com a Real Federação Espanhola de Futebol terminou”, afirmou. “Queremos que este seja o #MeToo do futebol espanhol. Aconteceram coisas muito graves que não podem acontecer novamente”.

As referências ao caso dentro de campo

Os jogadores do Cádiz FC demonstraram o seu apoio à colega de profissão Jenni Hermoso através de uma faixa com as palavras “Todos somos Jenni”, que colocaram no relvado antes do início do jogo com o Almería. Segundo relata o El País, nas bancadas gritava-se “Rubiales, demissão”. Esta será a primeira equipa masculina a mostrar o seu apoio publicamente e em grupo à jogadora.

Do outro lado do oceano, na liga de futebol feminino norte-americana, no jogo entre as San Diego Wave e as Orlando Pride, todas jogadoras de ambos os clubes entraram em campo esta sexta-feira com uma bracelete com a frase “Contigo, Jenni”. A National Women’s Soccer League (NWSL) publicou um vídeo na conta de twitter com uma série de imagens das faixas usadas pelas jogadoras e com a mensagem: “Estamos juntas contigo, Jenni Hermoso”. O clube San Diego Wave FC também fez uma publicação na mesma rede social em relação a este tema, com uma fotografia da equipa a mostrar uma t-shirt na qual se pode ler: “Nós estamos contigo Jenni”.

Na Bundesliga, no jogo entre o SC Freiburg e o Werder Bremen, este sábado em Freiburg, foi possível ver duas faixas na bancada onde se podia ler a frase: “Punho em vez de beijo para Rubiales e Rummenigge – desculpem mas tudo ok”. No México, as equipas Pachuca e Juarez mostram uma faixa com a frase: “Estamos contigo Jenni”, no Torneo Apertura 2023 Liga MX Femenil, esta sexta-feira em Juarez. Ambas as imagens podem ser vistas na galeria no topo do artigo.

As reações dos futebolistas

Borja Iglesias anunciou que não regressa à seleção masculina “até que as coisas mudem e este tipo de atos não fique impune”, como explicou nas redes sociais. “Estou triste e dececionado. Como jogador de futebol e como pessoa não me sinto representado pelo que aconteceu hoje na Cidade do Futebol de Las Rozas”, escreveu o avançado que representa o Bétis.

No entanto, foram as mensagens deixadas pelas jogadoras da seleção feminina, campeãs do Mundo na Austrália e na Nova Zelândia, que mais se evidenciaram. A vencedora das duas últimas Bolas de Ouro, Alexia Putellas, comentou a situação, mostrando desagrado perante as declarações proferidas por Rubiales. “É inaceitável. Acabou-se. Contigo, parceira”, escreveu no X, antigo Twitter, dirigindo-se a Jenni Hermoso (com que se encontra nesta altura a passar férias nas ilhas Baleares, tal como outras jogadoras).

As reações de jogadoras não se ficaram por aqui. Athenena, jogadora que Rubiales colocou às costas durante os festejos, escreveu “Estamos contigo” na descrição de uma foto de Jenni Hermoso, exatamente a mesma frase escrita por Olga Carmona. “Há limites que não podem ser ultrapassados ​​e não podemos tolerar isso. Estamos contigo companheira”, afirmou Aitana Bonmatí, eleita melhor jogadora do Mundial.

O futebol feminino português também não ficou indiferente ao beijo de Rubiales a Jenni. “Não é falso feminismo. É um discurso vergonhoso de Rubiales! Pior? Os aplausos de toda uma sala”, disse a internacional portuguesa Tatiana Pinto, que joga no Levante. Já Jéssica Silva, também jogadora da Seleção Nacional, pediu medidas. “As futebolistas da seleção espanhola fizeram história! Foram campeãs do mundo pela primeira vez! E agora deviam estar a festejar, sem polémicas, só com alegria! No entanto, estão a lutar por algo que devia ser transversal a todos nós… O respeito. Que se tomem medidas!”.

“Vergonha alheia” foi a forma como Iker Casillas, que já foi um putativo candidato à presidência da Real Federação Espanhola de Futebol até à alteração da data do último sufrágio, descreveu os últimos acontecimentos. “Devíamos passar estes cinco dias a falar das nossas raparigas! Da alegria que nos deram a todos! Para nos orgulharmos de um título que não tínhamos no futebol feminino mas…”.

Bellerín, antigo jogador do Sporting, conhecido pelas intervenções políticas e participação na vida cívica, considera que “o narcisista nunca acredita que cometeu um erro, é capaz de mentir, manipular a verdade e responsabilizar a vítima para manter o seu poder sobre os outros”, em mais uma mensagem de apoio à jogadora do Pachuca.

O treinador do Barcelona, Xavi Hernández, também condenou a conduta de Rubiales, que apelida como “inaceitável” e “intolerável”. “Quero dar o meu apoio incondicional a Jenni e a todas as jogadoras e condenar o comportamento do presidente da RFEF, que me parece inaceitável. Gostaria também de manifestar a minha tristeza pelo facto de não se falar do título e apenas se falar do comportamento, que é intolerável”, afirmou, na manhã deste domingo.

Na Federação a primeira consequência da polémica foi o anúncio de que Rafael del Amo deixou o cargo de presidente do Comité Nacional de Futebol Feminino Espanhol. Mais quatro responsáveis federativos seguiram o exemplo.

De recordar que toda a sala onde Luis Rubiales discursou aplaudiu o anúncio de que o dirigente não se ia demitir. Entre os presentes, esteva Jorge Vilda treinador de Jenni Hermoso na seleção. Na primeira fila, estava ainda o selecionador da seleção masculina, Luis de la Fuente que, após ter sido criticado por aplaudir Rubiales, emitiu um comunicado onde diz que censura o “comportamento equivocado e fora do lugar do presidente da Real Federação Espanhola”.

“Não há lugar para machismo e assédio, no futebol ou onde quer que seja”

Em Portugal tem imperado o silêncio sobre o caso. Além de Jéssica Silva e Tatiana Pinto, nenhuma outra figura de relevo do universo desportivo se pronunciou.

Na esfera política, o PAN critica a falta de posicionamento da Federação Portuguesa de Futebol, que desvalorizou o impacto da polémica na candidatura conjunta que envolve Portugal, Espanha, Ucrânia e Marrocos ao Mundial2030. O partido vai mais longe e exige que o Governo se pronuncie sobre “a desvalorização” da FPF através de um requerimento dirigido ao presidente da AR e à ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.

Já a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, também recorreu à rede social X para defender que “não há lugar para machismo e assédio, no futebol ou onde quer que seja”, frisando que “Aceite ou não, Rubiales sairá da presidência da Federação espanhola de Futebol e da vice-presidência da UEFA”.

Iberia, Renfe e Multiópticas: as reações dos patrocinadores

No mundo empresarial, somam-se tomadas de posição de empresas que trabalham diretamente com a federação espanhola. É o caso da transportadora Seur, que utilizou as redes sociais para “condenar qualquer comportamento ofensivo ou degradante”, confiando que sejam “tomadas as decisões adequadas para que situações como as vividas recentemente não se voltem a repetir no futuro”. A transportadora “apoiará a decisão do Conselho Superior de Desporto”.

Também a Multiópticas reforçou a importância de “fomentar a igualdade e o respeito”. “Pedimos uma reflexão profunda e adoção das medidas oportunas sobre este incidente que assombra a imagem dos êxitos desportivos da nossa seleção feminina”, lê-se nas publicações da marca nas redes sociais.

Já a Ibéria, companhia área espanhola patrocinadora da RFEF, fez saber que “quando há situações ofensivas, impróprias de uma sociedade desenvolvida, moderna e igualitária como a espanhola, a Ibéria apoia as medidas oportunas e pertinentes tomadas para preservar os direitos e a dignidade das e dos desportistas”.

A Renfe, operadora que explora a rede ferroviária espanhola (e que planeia entrar no mercado português já em 2024), frisou à agência EFE que “apoia de maneira contundente a atuação do Conselho Superior de Desporto (CSD)”. Além disso, a operadora, que possui um patrocínio publicitário com a Federação, afirma que “os serviços jurídicos estão a estudar medidas adicionais.”

A Iberdrola, principal patrocinadora da seleção feminina de futebol espanhol, garantiu que qualquer atitude que “se desvie ou vá contra” a defesa da igualdade de direitos e dignidade das mulheres “não tem espaço no mundo do desporto nem da sociedade”, em declarações à mesma agência noticiosa.

Notícia atualizada dia 26 de agosto, às 14h36, para incluir as reações do PAN e de Mariana Mortágua, e às 15h30 para incluir as declarações das empresas. E atualizada novamente às 20h37 para incluir reações de clubes internacionais.