A leiloeira Christie’s decidiu cancelar a segunda parte de uma das maiores vendas de joias de sempre. Na origem da decisão estão as críticas, levantadas nos últimos meses por associações judaicas e figuras do mundo do colecionismo, em torno do espólio da milionária e colecionadora de arte Heidi Horten, cujas origens têm ligações ao regime nazi.

Horten, que morreu em 2022, viu parte da sua coleção de diamantes, esmeraldas e safiras ser colocada à venda em maio deste ano, num processo que gerou um valor recorde de 202 milhões de dólares (cerca de 187 milhões de euros).

A venda, contudo, gerou polémica, quando o jornal New York Times deu conta de que a fortuna de Horten (herdada do marido, o empresário Helmut Horten) estava diretamente ligada às políticas do período nazi na Alemanha, quando Horten expandiu a sua rede de lojas apropriando-se de estabelecimentos retirados a empresários judeus.

O empresário alemão e dono da cadeia de grandes armazéns Horten AG pertencia ao partido nazi e acumulou riqueza durante a II Guerra Mundial”, explicou o jornal El País. Foi precisamente esta fortuna que Heidi Horten herdou, e que lhe permitiu viver de forma abastada durante o resto da sua vida.

Maior coleção privada de joias da Christie’s vai a leilão. Peças pertenciam a viúva de colaborador nazi que enriqueceu na II Guerra

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Aquando da primeira parte da venda, a fundação estabelecida pela herdeira estipulou que os lucros das joias seriam doados para pesquisas médicas e a um museu de Viena dedicado a preservar arte comprada pelo casal Horten. Depois de noticiadas as ligações da fortuna ao nazismo, a Christie’s acrescentou à informação sobre a venda que Helmut Horten tinha comprado negócios de judeus que tinham sido “vendidos sob coação”, e comprometeu-se a doar parte da receita para associações de estudo e sensibilização do Holocausto.

A oferta, no entanto, acabou por ser recusada por diversas associações, como a Yad Vashem, dedicada a gerir o maior memorial de homenagem às vítimas do Holocausto. O jornal israelita Jerusalem Post noticiou ainda outras associações que rejeitaram a oferta da Christie’s.

Face às críticas, e ao “escrutínio intenso” de que foi alvo, a leiloeira optou agora por não seguir em frente com a segunda parte do leilão, que estava agendado para novembro deste ano com 300 lotes previstos.

Em comunicado, Anthea Peers, presidente da divisão europeia, africana e do Médio Oriente da Christie’s, disse que “a venda da coleção de joalharia de Heidi Horten provocou um ‘escrutínio intenso’ e as reações afetaram-nos profundamente a nós e a muitos outros, pelo que vamos continuar a refletir sobre elas”.

Ao New York Times, o presidente da Fundação de Sobreviventes do Holocausto dos EUA, David Schaecter, aplaudiu a decisão, descrevendo-a como um sinal para todas as outras leiloeiras das consequências de lucrar com bens deste tipo. “Estamos contentes que eles tenham reconhecido a grande dor que vendas adicionais de arte e joias Horten causaria a sobreviventes do Holocausto”, disse.