Vladimir Putin e outros cleptocratas internacionais poderão vir a ter um novo problema no futuro: o Tribunal Internacional Contra a Corrupção — que foi analisado esta segunda-feira no programa “Justiça Cega” da Rádio Observador.

Os trabalhos para a redação de um novo tratado que poderá estar na origem do Tribunal Internacional Contra a Corrupção iniciaram-se no final de agosto. O texto está a ser redigido em Hamburgo por alguns dos melhores juristas internacionais, sob os auspícios da fundação “The New Institute”.

Corrupção. É possível ter Tribunal Internacional?

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O “projeto doutrinário pretende prevenir e reprimir a chamada grande corrupção”, quebrando o “círculo vicioso da impunidade de muitos cleptocratas” que têm “a riqueza e o poder para garantir impunidade e, com essa impunidade, acumularem ainda mais riqueza e poder”, afirma Francisco Pereira Coutinho, professor da Universidade Nova de Lisboa e especialista em Direito Europeu.

O projeto já recolheu o apoio de 45 antigos chefes de Estado e primeiros-ministros, como Aníbal Cavaco Silva, e de 32 prémios Nobel, como se pode ler na página oficial do Tribunal Internacional Contra a Corrupção.

Vladimir Putin, presidente da Federação Russa sobre o qual existem suspeitas de corrupção e enriquecimento ilícito (como demonstraram os “Panama Papers”, por exemplo), e outros cleptocratas russos e de outras nacionalistas serão alvos claros deste novo tribunal.

“O que se pretende com o Tribunal Internacional contra a Corrupção é combater a grande corrupção”, nomeadamente “apanhar chefes de Estado e de Governo, líderes políticos, responsáveis pela gestão e aplicação do património público nos respetivos Estados. Portanto, não se pretende apanhar a raia miúda.”

“Vladimir Putin poderia ser alvo desse Tribunal Internacional contra a Corrupção”, enfatiza Pereira Coutinho.

“O objetivo fundamental é acabar com a impunidade dos cleptocratas num crime que tem uma natureza muitas vezes transnacional, porque os proveitos desta apropriação de bens públicos acabam por estar espalhados um pouco por todo o mundo. A ideia passa por reproduzir aquilo que tentamos fazer também no início do século com o Tribunal Penal Internacional — que se destina a impedir a impunidade relativamente a crimes internacionais muito graves”, explica o jurista.

O caminho espinhoso para a concretização do novo tribunal

Contudo, a criação do novo tribunal não é fácil.

“Trata-se de um texto de um tratado e, portanto, é necessário que exista uma convenção internacional que vai ter que ser adotada e depois retificada por muitos Estados”, diz Pereira Coutinho. Por exemplo, o Estatuto de Roma, que instituiu o TPI, obrigava que esse tratado fosse subscrito por pelo menos 60 estados.

Os passos práticos são os seguintes, explica o professor da Universidade da Nova:

  • “O mais importante neste momento é que já existe um projeto doutrinal. Há alguns Estados que apoiam esta ideia, designadamente os Países Baixos e o Equador”
  • Assim é necessário que um desses Estados [Países Baixos ou Equador ou outro país que apoie a criação do tribunal] “assuma a paternidade deste projeto, convoque uma conferência internacional, chame os Estados e os convença da necessidade de adotar este tipo de tratado internacional.”
  • Posteriormente, “vai ser preciso negociar o tratado” nessa conferência internacional para chegarmos a uma versão final.
  • A seguir, “vai ser necessário assiná-lo”, sendo necessário para tal que os governos proponham aos parlamentos nacionais o tratado e que estes o ratifiquem.
  • Só depois desses passos é que “teremos, então, eventualmente um novo Tribunal Internacional” no final de um processo que “demora de vários anos”, diz Pereira Coutinho.

“Basta lembrar que o Estatuto de Roma, a origem do Tribunal Penal Internacional, que foi assinado em 1998 e entrou em vigor em 2002. Neste momento, o TPI tem apenas 123 Estados-parte. Não fazem parte os Estados Unidos, China, Índia, Rússia. Só por aqui se percebe a dificuldade que existe na criação de tribunais internacionais, especialmente no ambiente internacional que temos neste momento”, afirma Francisco Pereira Coutinho.

No caso do Tribunal Internacional Contra a Corrupção há um obstáculo acrescido: os próprios cleptocratas farão tudo para que este projeto não se materialize.

“Vai ser necessário a colaboração dos Estados, sendo que alguns desses Estados são dirigidos pelos visados deste novo tribunal. E só aqui se percebe as dificuldades que existiriam se nós quiséssemos, por exemplo, alargar ainda mais a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, porque não seria apenas Vladimir Putin, poderíamos estar a falar aqui de um conjunto muito diversificado de cleptocratas”, diz.

E quando o Tribunal Internacional Contra a Corrupção poderá estar no terreno? “Dificilmente será instituído
antes do final desta década. Foi uma pena que não tivéssemos tido esta ideia há 20 anos, na altura em que o contexto internacional” permitiria um caminho menos espinhoso, conclui Francisco Pereira Coutinho.