Nos Estados Unidos da América, chamam-na de L. No Afeganistão, de R. Mas não é apenas o seu nome a ter duas versões, como também o seu passado. E, até hoje, ninguém sabe a sua verdadeira designação: se adotada, se raptada.

O caso remete para a noite de 5 de setembro de 2019. Faltava pouco menos de dois anos para a descolagem da última aeronave norte-americana do sol afegão, quando um grupo do Corpo de Fuzileiros Navais (Marines) cercou uma casa suspeita de pertencer a soldados estrangeiros. Segundo o jornal espanhol El País, um “fogo cruzado” começou pouco depois de darem conta da sua presença. De um lado, militares norte-americanos, do outro um homem, uma mulher e uma bebé.

O homem, que estava a usar um colete armadilhado, explodiu imediatamente. A mulher tentou ignorar os ferimentos e levantar-se, quando foi novamente atingida pelos soldados, que “temiam um novo ataque”. A bebé de dois meses foi a única sobrevivente da família, ficando com o “crânio fraturado, uma perna partida e queimaduras de segundo grau na cabeça e no corpo”.

Os militares decidiram levá-la para sua base em Bagram, perto de Cabul, e a sua história correu rapidamente. O major Joshua Mast, que não tinha participado no episódio, “com contactos na Administração de Donald Trump”, ligou à sua mulher e decidiram adotar a criança.

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A versão que deu no pedido de adoção, no entanto, foi muito diferente da que tinha realmente acontecido. Segundo o descrito pelo seu irmão advogado, a quem pediu para fazer o pedido, visto ainda estar no Afeganistão, a bebé de dois meses era filha de soldados estrangeiros “e tinha sido deixada sozinha no mundo”. O relatório dizia ainda que a menina “precisava de cuidados médicos, que não existiam no país e que o governo afegão tinha negado a sua jurisdição”.

Perante estes alegados factos, o tribunal de Fluvanna, no estado da Virginia, decidiu que a bebé, agora chamada L., era “apátrida” e colocou-a temporariamente sob a custódia do soldado e da sua mulher. Dois anos depois, em 2021, o casal formalizou a adoção oficial.

No entanto, enquanto todas estas decisões eram tomadas, a mais de 7.000 quilómetros de distância, a bebé estava a viver com a sua família biológica, depois de ter sido adotada por um primo e respetiva mulher, dizem os documentos oficiais a que a agência Associated Press teve acesso. Segundo o governo afegão, a menina, com o verdadeiro nome R., foi “obtida fraudulentamente pela família Mast, que apresentou argumentos falsos nos tribunais”.

R. estava há 18 meses a viver com o seu primo e a sua mulher, quando estes foram contactados por um advogado em Cabul, a dizer que a família Mast estava a oferecer cuidados médicos nos Estados Unidos, para que a bebé recuperasse dos ferimentos que lhe restavam. O primo de R. e a sua mulher, descritos como John e Jane Doe, nos documentos oficiais, garantiram, no entanto, que a família nunca mostrou a intenção de adotar a bebé.

Durante a “queda de Cabul”, em agosto de 2021, o casal conseguiu partir num dos voos destinados aos Estados Unidos, e ficou instalado numa base militar. Aí, recebeu uma visita de Joshua Mast e dos papéis oficiais de adoção da bebé. Foi a última vez que viram R.

Instalado no estado do Texas, o casal afegão decidiu apresentar queixa de rapto por parte da família Mast, pedindo a devolução da criança. Os advogados do militar norte-americano ainda refutaram, dizendo que lhe tinham oferecido “um lar amoroso”, mas, em março, um juiz decidiu anular a adoção. No entanto, concedeu na mesma a custódia da menina à família norte-americana, enquanto estes recorrem da primeira decisão. A família biológica de R., ainda assim, promete não desistir.