O Banco de Portugal reviu em baixa as projeções para o crescimento económico de Portugal este ano e para os anos seguintes. Face à projeção de junho — na qual estimava um crescimento de 2,7% para este ano –, o banco central, liderado por Mário Centeno, retifica o otimismo para 2,1% (com uma contração no terceiro trimestre). Ainda assim continua acima do inscrito pelo Governo no programa de estabilidade que aponta para 1,8%, ainda que Fernando Medina, ministro das Finanças, tenha, em julho, admitido que a economia podia, mesmo, crescer ao nível projetado então pelo Banco de Portugal, de 2,7%, mas não foi feita a revisão da meta pelo Executivo (que atualização as projeções no âmbito da proposta do Orçamento do Estado para 2024, cujas linhas principais vão ser apresentadas aos partidos com assento parlamentar na sexta-feira).

O Banco de Portugal passa assim do mais otimista em relação ao crescimento do PIB (com referência à projeção de junho) para o mais pessimista (excluindo o Governo).

Segundo o Boletim Económico do Banco de Portugal, presentado esta quarta-feira, 4 de outubro, “após o dinamismo no início de 2023, a atividade económica terá estagnado no segundo e terceiro trimestres e deverá manter um crescimento fraco até ao final do ano”, justifica, explicando a revisão em baixa pelas exportações e pelo consumo privado (“em menor grau”) e do investimento em particular público.

Revê, em baixa, não apenas o crescimento para 2023, mas para os dois anos seguintes. Em 2024 aponta agora para um crescimento de 1,5% (contra os anteriores 2,4%), e de 2,1% em 2025 (contra os anteriores 2,3%). Ainda assim, salienta o Banco de Portugal, em 2024 e 2025 a economia portuguesa continuará a apresentar um crescimento superior ao da zona euro.

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“A revisão do crescimento em 2024 decorre maioritariamente do desempenho menos favorável da atividade ao longo de 2023 e, em menor grau, da revisão das hipóteses de enquadramento e da consideração de um perfil menos favorável das exportações no início do ano”, refere. Há mesmo em 2023 uma variação negativa nas exportações e no terceiro trimestre o Banco de Portugal estima que haja uma contração na economia nacional.

O impacto das taxas de juro arrastam também o comportamento económico em 2024 e 2025.

“A transmissão das subidas das taxas de juro de política às condições financeiras enfrentadas pelas famílias e empresas continuará a limitar a atividade em 2024 e 2025, sendo os seus efeitos parcialmente compensados pelo impacto favorável da redução gradual da inflação sobre o poder de compra das famílias, pela aceleração das entradas dos fundos da UE e pela hipótese de maior dinamismo da procura externa”.

Mário Centeno votou contra, na última reunião do BCE, a decisão de voltar a subir as taxas de juro, conforme noticiou o Observador.

BCE sobe juros (com o voto contra de Centeno). Taxas podem não subir mais, mas tão cedo não irão baixar

Em conferência de imprensa, Mário Centeno disse mesmo que está a haver a transmissão (negativa) da subida das taxas de juro à economia. E avisou: “O aperto financeiro não está concluído”, pedindo “cautela com as decisões no futuro próximo”.  “A taxa de juro real vai continuar a  aumentar” e o impacto da transmissões das taxas para a economia são faseados e desfazados. Não são iguais para todos os setores ao mesmo tempo.

Acredita que “estas taxas [do BCE] são compatíveis com trazer inflação para objetivo de médio prazo e que se os riscos para a economia se materializarem — muitos já se começaram a materializar — o momento em que haja uma inflexão do nível das taxas de juros tem de ser adaptado”, salientou o governador. “Portanto é um tema em aberto”, mas o que o BCE transmitiu em setembro nas atuais condições foi “importante”.

As opções de política orçamental têm, neste cenário, de ser vistas com cautela. Mário Centeno continua a atacar as palavras de folga orçamental, dizendo que as opções têm de ser enquadradas num equilíbrio que tem de ser feito. E, por isso, vai apelando ao equilíbrio e que se vá monitorizando com atenção o mercado de trabalho.

Recusando fazer um comentário parcelar sobre política orçamental, até porque as opções “são todas legítimas desde que o equilíbrio seja preservado”, vai dizendo não acreditar que o problema na saúde seja falta de dinheiro; que o fim dos regimes que atraem investimento (como os residentes não habituais) a Portugal seja a bala de prata para a habitação; ou ainda que o excedente orçamental não é um fim em si mesmo e que chegámos tarde à efetivação do excedente.

Mário Centeno — que não quis comentar as notícias que o apontam como possível candidato à Presidência da República —  recusa, por isso, que tenha pintado na análise do governador divulgada em setembro um estado da nação “cor de rosa”, antes de apresentar o Boletim Económico em outubro (que também teve a inovação de, em vésperas de apresentação do Orçamento do Estado, divulgar projeções económicas, “num processo gradual de proximidade acrescida vamos partilhar mais e mais informações convosco [jornalistas]”). “É o governador que se apresenta trimestralmente à vossa frente, é o governador que vai às reuniões em Frankfurt, é o governador que fala muitas vezes não se consegue distinguir entre ele próprio e as suas funções no Banco de Portugal e é portanto o governador, e bem segundo a opinião dele, decidiu partilhar com todos uma análise que tem vindo a fazer ao longo do tempo e que tem partilhado com todos os responsáveis políticos portugueses, porque é o governador que se senta em Frankfurt a participar na tomada de decisão. E era o que faltava que o governado não pudesse partilhar a opinião com os portugueses, e a opinião está ali, é clara e não é nada cor-de-rosa. É um conjunto de factos e desafios difíceis que a economia portuguesa tem de ultrapassar”.

Os alertas de Centeno para Medina (e para nós)

Mário Centeno ataca quem encontra sempre respostas fáceis para reformas estruturais, quase sempre na fiscalidade, “esses achavam que as dificuldades eram endémicas e a verdade é que o país como um todo está a enfrentá-las e ultrapassá-las uma a uma e isso não é uma visão de nenhuma cor, é uma visão dos indicadores que felizmente o país conquistou. E não vale a pena relembrar o quão difícil isso foi”.

Temperança no mercado de trabalho

Quando ao mercado de trabalho há que encontrar também o equilíbrio, deixando assim o recado para as dinâmicas deste setor nomeadamente ao nível das negociações em sede de concertação social. Existe ganho de emprego, ganho salarial e há que tentar encontrar um espaço para que o emprego se possa manter, remunerando a qualificação dos portugueses. Mas “é um processo muito longo. Nós estamos a verificar em Portugal aquilo que na maior parte dos países europeus aconteceu há 40 anos. E quando chegamos tarde chegamos com mais desafios. Portugal está a chegar a estas transformações demasiado tarde e se quisermos chegar demasiado tarde e demasiado depressa podemos não conseguir”, realçou Mário Centeno falando, assim, na necessidade de temperança no mercado do trabalho.

“Se não mostrarmos temperança nesse momento vamos soçobrar. É a minha interpretação sobre as dinâmicas que devemos respeitar, o que inclui também o quadro institucional, incluindo naturalmente as leis do trabalho, e dá relevância muito significativa à concertação social e à participação de todos os parceiros”, realçou, comunicando que o Banco de Portugal tem reunido, nos últimos tempos, com o Conselho Económico e Social.

“Nós devemos sempre considerar que a remuneração reflete aquilo que é o contributo de cada um de nós para a produção e para o aumento da riqueza no país e é isso que as empresas devem refletir na remuneração que atribuem a cada trabalhador. Se é distribuído em 15 meses, 14 ou 12 ou numa vez só não é tão relevante do ponto de vista económico — eu sei que é para as famílias. Tem tudo a ver com a criação de riqueza e se conseguirmos criar essa riqueza… e temos vindo a aumentar a capacidade de criação de riqueza”.

E regressa às qualificações. Em 1982 só 2% dos trabalhadores no privado tinham licenciatura. “Nós hoje estamos numa situação distinta e o que se exige às empresas não é tanto o pagamento do 15.º mês é que nos organizemos para permitir que esse capital humano que está disponível em Portugal seja utilizado aqui e com a remuneração que lhe é devido e portanto se houver margem nesta progressão que eu acho que está a acontecer para pagar obviamente só podemos estar satisfeitos e que ele não quebre esse equilíbrio, mas temos de atender à forma e nível de emprego que níveis de salários que mercado em Portugal já conseguiu”.

“O mercado de trabalho continuará a funcionar como um dique para conter as tensões que se vão criando nas dimensões da economia ou pode, pelo contrário, ser a primeira peça do dominó e gerar uma aterragem com aquela que contamos?”, deixou a interrogação. Quer as empresas, trabalhadores e decisões de política monetária e orçamental “devem entender importância desse fenómeno e garantir que este dique não se rompa porque é ele que neste momento sustém as nossas economias”.

IVA Zero, que impacto?

Para 2023, o Banco de Portugal reviu, também, o valor da inflação mas em alta, para estimar agora que fique nos 5,4% contra os 5,2% anteriores. O Banco de Portugal justifica a revisão em particular pela subida nos preços da energia, nomeadamente pelo aumento da cotação do petróleo.

Numa análise ao IVA Zero, o Banco de Portugal admite que o grau de redução do IVA nos preços “é uma questão empírica”. Entrou em vigor em abril, mas refletiu-se nos preços em maio. Ainda assim, acrescenta o Banco de Portugal, “na avaliação do impacto da medida é necessário ter em conta que as pressões inflacionistas a montante ― nomeadamente os preços das matérias-primas energéticas e alimentares, na produção agrícola e na indústria alimentar ― já se vinham a reduzir à data da alteração fiscal”. Mas assume-se que houve transmissão da redução do IVA nos preços e 3,5 pontos percentuais.

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Para os próximos anos a inflação deverá diminuir para 3,6% e 2,1% em 2024 e 2025, respetivamente, o que leva Mário Centeno a voltar ao tema de uma inflação temporária. “O ciclo é compatível com a interpretação de que as tensões económicas e inflacionistas como temporária”.