Os dois candidatos à direção nacional da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) concordam em alguns dos problemas, mas diferem nas soluções e pela primeira vez em 15 anos há uma eleição sem lista única.

Manuel Lemos, o atual presidente e à frente do organismo há quatro mandatos, assume que aceitou ir a votos “porque houve uma enorme insistência de um número muitíssimo significativo de provedores” que lhe pediram para continuar, depois de verem aparecer uma segunda lista que “não lhes merecia confiança”.

“Achei que valia a pena, até porque vamos viver momentos muito difíceis nos próximos tempos e acredito que a minha experiência e da minha equipa podem ser muito importantes para ajudar as Misericórdias, o setor e as pessoas de quem cuidamos e de quem podemos vir a cuidar”, disse Manuel Lemos, em declarações à Lusa.

Para o atual presidente da UMP, o principal desafio passa por reforçar o setor social, apontando que o Estado não tem conseguido responder a todos os problemas que se colocam, enquanto o setor social, pela sua flexibilidade e capacidade de adaptação, tem conseguido dar resposta de forma rápida. Apontou que será um “desafio muito grande” ajudar as pessoas a ultrapassarem a crise atual e disse acreditar que, cada vez mais, a sociedade irá precisar da intervenção das misericórdias.

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Deu como exemplo o aumento do salário mínimo para defender que as misericórdias têm de se modernizar e saber dar resposta a novos fenómenos sociais, como é o caso das pessoas que trabalham e são pobres ou do número crescente de imigrantes que chegam ao país e precisam de apoio.

“São, eu diria, problemas velhos vistos de uma forma moderna e diferente, porque o mundo à nossa volta está a mudar e nós não podemos ser velhos”, apontou Manuel Lemos, sublinhando que essa foi a fórmula que fez com que as misericórdias, nos seus mais de 500 anos, “não fossem arrumadas no baú da história”.

Referiu, por outro lado, que a sustentabilidade das instituições é um “problema sério de todos os portugueses”, razão pela qual disse que é preciso exigir do Estado que pague “o preço justo do custo das respostas sociais”.

Relativamente ao facto de haver uma segunda lista a concorrer nestas eleições, Manuel Lemos recusa que isso seja sinónimo de divisão, apontando, no entanto, que se trata de uma equipa com “uma visão diferente”.

Na visão de António Sérgio Martins, atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pampilhosa da Serra e à frente da Lista B – “Devolver a UNIÃO às Misericórdias”, a degradação do setor social e, em particular, das misericórdias, “é evidente” e é preciso perceber a razão por que isso acontece.

Aponta que a “marca misericórdia está ferida de morte” e vaticina que se nada for feito, estas instituições caminham a “passos muito curtos” para o “abismo”, acusando a atual direção nacional de “incoerência”, já que em alguns momentos disse que o Estado pagava o que era preciso e noutros que se não houvesse aumento das comparticipações as misericórdias colapsavam.

Para António Sérgio Martins, essa “falta de coerência” levou a que também o Governo deixasse de acreditar na UMP e propõe-se a trazer para o organismo uma “visão mais moderna e pragmática”, assente em quatro pilares: transparência, previsibilidade, igualdade e proximidade.

Desde logo apontou que é preciso resolver o “problema de sustentabilidade do setor”, dizendo ao Governo, “com coragem”, que tem de pagar pelos serviços prestados, chegando à comparticipação de 50% dos custos.

Em termos de financiamento, defende também que possa vir a ser criada uma lei de financiamento do setor social, que garanta previsibilidade no financiamento estatal. Traz também propostas para devolução do IVA às misericórdias, benefícios fiscais na compra de carros elétricos ou discriminação positiva no pagamento da taxa social única.

Relativamente à questão da transparência, disse não compreender como é que a própria UMP desenvolve respostas sociais e defendeu que seja feita uma revisão “urgente” dos estatutos.

António Sérgio Martins criticou ainda o facto de estas eleições decorrerem a uma quarta-feira, “à hora de almoço”, algo que, segundo o próprio, acontece pela primeira vez, apontando que é “claramente uma tentativa de condicionar” o resultado eleitoral.

Eleições com duas listas

A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) vai a eleições na próxima quarta-feira, dia 6 de dezembro, pela primeira vez em mais de 15 anos com duas listas concorrentes, e num momento de crescentes dificuldades para o setor social.

De um lado, apresenta-se a eleições o atual presidente do organismo, Manuel Lemos, eleito há 15 anos mas ainda disposto a cumprir o quinto e último mandato possível à frente da instituição. Do outro lado, o atual presidente do secretariado regional de Coimbra e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pampilhosa da Serra, António Sérgio Martins.

Em causa os votos de 388 misericórdias ativas em Portugal, espalhadas de norte a sul e ilhas, que apoiam diariamente cerca de 165 mil pessoas, e que contam com mais de 45 mil trabalhadores diretos, segundo informação disponível no ‘site’ da UMP.

A lista B, encabeçada por António Sérgio Martins, tem como lema “Devolver a UNIÃO às Misericórdias” e resulta do movimento “Somos Todos Misericórdia”, surgido há cerca de um ano e constituído por perto de 40 misericórdias que se uniram para contestar a direção de Manuel Lemos, que acusavam de ser demasiado politizada e sem defender os interesses do setor.

A eleição para o secretariado nacional acontece num momento de “muitas dificuldades” para as instituições do setor social, que lidam com o crescente aumento de pedidos de ajuda, ao mesmo tempo que também elas enfrentam o aumento generalizado do custo de vida, de bens e serviços, desde os bens alimentares ao combustível ou energia, passando pelo salário mínimo nacional, sem que as comparticipações acompanhem.

Os representantes do setor social querem ver o valor das comparticipações pagas pelo Estado a cobrir 50% dos custos, como inicialmente definido no Pacto da Cooperação para a Solidariedade, estando atualmente em curso uma negociação com o ainda governo de António Costa para a atualização dos valores pagos.

O apoio prestado pelas misericórdias assenta, sobretudo, em duas áreas: apoio social e cuidados de saúde, através de “uma vasta rede de equipamentos que asseguram respostas adequadas às comunidades onde estão inseridas”, e que abrangem desde respostas para a infância, pessoas com deficiência ou idosos.

A União das Misericórdias Portuguesas nasceu em 1976 “para orientar, coordenar, dinamizar e representar as Santas Casas de Misericórdia, defendendo os seus interesses e organizando serviços de interesse comum”.

Tem uma estrutura que integra o secretariado nacional, assembleia geral, conselho nacional, conselho fiscal e secretariados regionais, e os seus estatutos foram revistos em 2014.

De acordo com a informação disponível no ‘site’ da UMP, o organismo representa as misericórdias em fóruns como o Conselho Económico e Social, o Conselho Nacional para a Economia Social, Comissão Permanente do Setor Solidário, Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, Confederação Portuguesa de Economia Social, entre outros.

A primeira misericórdia fundada em Portugal foi a de Lisboa, em 1498, pela rainha D. Leonor, a partir da qual se disseminou uma rede que hoje está espalhada por todo o território nacional. A mais recente é a Santa Casa da Misericórdia de Quarteira, concelho de Loulé, criada em 2023.