Jacques Delors, político francês e presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995, morreu esta quarta-feira aos 98 anos. A notícia foi confirmada pela Agence France Press junto da filha de Delors, a presidente da câmara de Lille e ex-secretária geral do Partido Socialista francês, Martine Aubrey.

Considerado um dos mais importantes políticos da história da União Europeia, Delors foi largamente responsável pela criação da estrutura da Europa moderna. Ideias como o mercado único, a criação de uma moeda comum, o Euro, e momentos históricos como a assinatura do Tratado de Maastricht, aconteceram durante a presidência do francês, que chefiava a Comissão Europeia aquando da entrada de Portugal e de Espanha na então CEE, em 1986.

Membro do Partido Socialista francês desde a década de 70, Delors era à época um dos poucos membros abertamente católicos do partido, desafiando a tradição de laicidade que então era a norma. Depois de uma primeira passagem por Bruxelas enquanto eurodeputado, entre 1979 e 1981, Delors voltou a França para integrar o governo de François Miterrand, de quem foi ministro da Economia e das Finanças.

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Em 1985, o político francês foi eleito o oitavo presidente da Comissão Europeia, dando início a uma década que se veio a revelar essencial para o movimento de integração do bloco europeu. A sua presidência ficou marcada por esforços no sentido de estabelecer um mercado único, que veio a ser implementado em 1993 e abriu portas à liberdade de movimento e de trocas de bens e serviços dentro do espaço europeu.

Enquanto presidente, formou aquele que veio a ficar conhecido como o “Comité Delors”, que estudou e advogou a possibilidade de criação de uma moeda única, que se veio a concretizar com o Tratado de Maastricht, que estabeleceu o Euro em 1992.

Após sair da Comissão, chegou a ser cogitado como candidato socialista às eleições Presidenciais francesas de 1995, possibilidade que acabou por rejeitar (Jacques Chirrac viria a ser o vencedor). Recebeu condecorações e menções honrosas de vários países europeus — incluindo Portugal, que o agraciou com a Ordem de Cristo e com a Ordem do Infante D. Henrique. Em 2015, “em reconhecimento do seu papel no desenvolvimento do projeto europeu”, recebeu de Bruxelas o título de “Cidadão Honorário da Europa”.

Um “gigante” e um “artesão da Europa”. As reações à morte de Jacques Delors

Reagindo à morte do dirigente europeu, o atual Presidente de França, Emmanuel Macron, assinalou o legado de um “estadista do destino francês” e “artesão da Europa”. “Jacques Delors foi tudo isso. O seu comprometimento, os seus ideais e o seu sentido de justiça irão inspirar-nos para sempre”, acrescentou o Chefe de Estado, numa mensagem publicada na redes sociais.

De Bruxelas, a primeira reação surgiu da parte do presidente do Conselho Europeu. Charles Michel sublinhou a importância de Delors enquanto arquiteto da Europa moderna. “Jacques Delors liderou a transformação da Comunidade Económica Europeia numa verdadeira União, baseada em valores humanistas e apoiada por um só mercado e uma moeda única, o Euro”, disse.

“Delors foi decisivo para Portugal na Europa”

“Com a morte de Jacques Delors, a Europa perde um gigante”, escreveu Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, na rede social X. A dirigente italiana recuperou o legado do “último cidadão honorário da Europa”, alguém que “trabalhou de forma incansável por uma Europa unida”.

Também Ursula von der Leyen, a atual presidente da Comissão, lamentou a morte de Delors com uma declaração de homenagem ao seu antecessor. “Todos nós somos os herdeiros do trabalho de uma vida de Jacques Delors: uma União Europeia próspera e dinâmica”, começa por ler a declaração da dirigente belga, descrevendo o francês como “um visionário que fez da nossa Europa mais forte”.

Para o chanceler alemão, Olaf Scholz, Delors, cujo tempo à frente da Europa coincidiu com a queda do Muro de Berlim, “promoveu a unificação da Europa como ninguém”. Numa nota nas redes sociais, Scholz instou os dirigentes atuais a “continuar hoje o seu trabalho para o bem da Europa”.

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, também recorreu às redes sociais para reagir à notícia. Numa curta declaração, a também ex-diretora do Fundo Monetário Internacional sublinhou os feitos de Delors enquanto presidente da Comissão Europeia e o seu papel na criação da moeda única. “A Europa perdeu um verdadeiro estadista”, pode ler-se.

Numa nota no site da Presidência portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa prestou homenagem ao francês, um “Homem com letra grande”, cujo trabalho de uma vida se confunde com a própria vida comunitária moderna do continente. “Jacques Delors encarna para muitos europeus a própria construção europeia”, disse o Presidente da República.

No X, António Costa afirmou que a União “perdeu hoje um dos maiores vultos da sua história contemporânea” e Portugal perdeu “um amigo”. Lembrando os desafios que a Europa enfrenta atualmente, o primeiro-ministro português cessante considerou que “o legado de Delors inspira-nos a um compromisso renovado com esta Comunidade de prosperidade e de valores partilhados, que torne a Europa mais forte, mais solidária e mais coesa”.

À Rádio Observador, João de Deus Pinheiro, ex-comissário europeu no tempo de Jacques Delors, descreveu o ex-dirigente como “o segundo pai da Europa” depois dos fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, bem como o “impulsionador da União Europeia moderna, com uma visão muito à frente do seu tempo”. O também ex-ministro de Cavaco Silva lembrou a importância de Delors na integração portuguesa na comunidade europeia pós-adesão. “Foi uma pessoa decisiva para Portugal, na fase em que precisávamos mesmo de encarrilar com a Europa”, disse.

O presidente da Assembleia da República lembrou Delors com uma mensagem divulgada através das suas redes sociais. “A Europa que sonhou e por que se bateu: a Europa social, a Europa da coesão, em que o crescimento económico e a justiça social formam um par. Obrigado!”, lê-se na publicação de Augusto Santos Silva. 

Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa e antigo comissário europeu, recordou o impacto da figura de Delors para uma era de europeus. “Ninguém na minha geração esquecerá aquele dia 12 de Junho de 1985 nos Claustros do Jerónimos em que Jacques Delors disse aquela frase que ainda hoje é actual:  ‘Ou nos salvaremos juntos ou pereceremos cada um para seu lado.’ É este o espírito da Europa. Precisamos cada vez mais uns dos outros”, escreveu.

Já João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, considerou que Delors “soube compreender e aproveitar com rara eficácia as oportunidades do seu tempo, um tempo de transição e transformação” para a Europa. Também o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, lamentou a morte do dirigente, “reconhecido como tendo sido fulcral para a arquitetura atual do projeto europeu”, numa nota enviada às redações.

Numa nota enviada à Lusa, o antigo presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso considerou que a “Europa perdeu um dos seus mais extraordinários líderes”, descrevendo o dirigente francês como como “alguém que combinava os ‘pequenos passos’ da integração europeia com o ideal de uma Europa unida”.

Também à Lusa, o próprio Cavaco Silva, que chegou a publicar um livro com prefácio escrito por Delors, lembrou o papel do ex-presidente da Comissão para a integração portuguesa na Comunidade Económica Europeia.

“O contributo de Jacques Delors foi da maior importância para o sucesso de negociações particularmente relevantes para Portugal”, referiu o antigo primeiro-ministro e Presidente da República, acrescentando que o papel do francês na construção da Europa moderna não pode ser subvalorizado. “Se a União Europeia é hoje um caso de sucesso em muitos domínios, isso deve-se à visão, à determinação e à perspicácia de Jacques Delors”, disse Cavaco Silva.