Se é verdade que tempo é dinheiro, significa que quem assistir a Berlim fica com algum crédito na Netflix, porque esta prequela de La Casa de Papel é, no geral, equivale a atirar pela janela cerca de oito horas das nossas vidas que jamais poderemos recuperar.

Esta equação é fácil de perceber, como também foi óbvio para Álex Pina que o fenómeno alcançado pela sua série de maior sucesso, La Casa de Papel, podia ser capitalizado para outros projetos. Pegou então numa das personagens mais adoradas (embora execráveis) do assalto à Casa da Moeda espanhola, Berlim (Pedro Alonso), e fez dele protagonista do próprio golpe com contornos megalómanos. A aposta era boa, a concretização foi péssima. Ao longo de oito episódios, já disponíveis na Netflix, o spinoff falha repetidamente as tarefas a que se propõe.

Número um: o assalto

Berlim e um grupo de ladrões estão em Paris para roubar a uma leiloeira jóias de vários pontos da Europa no valor de 44 milhões de euros. Até aqui, tudo bem, repete-se a premissa bem sucedida da série mãe. A diferença é que em La Casa de Papel torcíamos pelos ladrões por haver um motivo maior (atacar instituições corruptas). Aqui parecem estar a roubar só porque sim. Além disso, o ato de roubar as jóias (que devia ser a narrativa principal) limita-se a uma dúzia de cenas e fica arrumado ainda nem a temporada vai a meio. É fácil e irrelevante. Nem os flashbacks que explicam a complexidade da operação interessam assim tanto porque não há aqui cliffhangers no final dos episódios, como em La Casa de Papel. Não ficamos a arrancar cabelos ou a roer as unhas, sem saber se os assaltantes a que nos apegámos vão sobreviver ou ser apanhados.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Número dois: as personagens

Há muitos paralelismos com La Casa de Papel neste novo grupo de assaltantes, mas as personagens são pouco profundas e nunca conseguem desencadear empatia suficiente ou curiosidade para ficarmos realmente intrigados. Damián (Tristán Ulloa) é professor catedrático e a figura paterna do grupo, Bruce (Joel Sánchez) é um pseudo-machão que não chega aos calcanhares do seu predecessor Denver, Roi (Julio Peña Fernández) é um sensível misterioso cuja mera troca de letras com o nome Rio não pode ser só coincidência, Cameron (Begoña Vargas é uma jovem indomável cheia de traumas (a dada altura até lhe dão uma franja à semelhança de Tóquio) e Keila (Michelle Jenner) é uma nerd que consegue piratear tudo – e é a única real novidade. Porém, as duas figuras femininas são encaixadas num estereótipo de mulheres desorientadas quando confrontadas com a imediata tensão sexual que existe com Bruce e Roi. De repente, estamos numa série adolescente a assistir ao jogo do toca e foge e à espera que o primeiro beijo se dê a qualquer momento. Isto leva-nos a Berlim, teoricamente o líder do mega assalto. Teoricamente, porque muito cedo se descarta das responsabilidades inerentes para se focar exclusivamente em conquistar uma mulher por quem está obcecado. Contrariamente ao Professor de La Casa de Papel, está completamente desligado emocionalmente das pessoas que supostamente escolheu a dedo para com ele fazerem aquela missão. Se o primeiro sofria realmente (e essa tensão passava para o espectador) quando algum dos seus pupilos estava em apuros, este não podia estar mais a leste dos problemas que acontecem enquanto passeia de vespa pelas ruas de Paris e passa fins de semana românticos em castelos dignos de contos de fadas.

Número três: Berlim

Em La Casa de Papel descobrimos um Berlim obcecado, sociopata, egoísta, mas também leal e com uma doença terminal. Inexplicavelmente, talvez, foi das personagens mais cativantes, apesar de morrer ao fim de duas temporadas. Esta era a oportunidade para explicar quem era Andrés de Fonollosa antes de se transformar em Berlim, antes de descobrir que tinha os dias contados, antes de embarcar no plano louco do irmão, o Professor. No entanto, a única coisa que estes oito episódios nos dão é uma personagem egocêntrica, manipuladora, com discursos sem graça e risos maquiavélicos que fazem lembrar vilões medíocres dos filmes da Disney. Supostamente, aquilo que está em Paris para levar a cabo (o roubo à prestigiada leiloeira) é deitado por terra quando se apaixona perdidamente por Camille, a mulher do leiloeiro. Só que rapidamente percebemos que nem sequer é amor (o homem tem três casamentos falhados no currículo), é apenas uma coisa que mete na cabeça e que inclui vigiar, seguir, enganar e seduzir uma mulher que não lhe dá assim tanta conversa à partida.

Número quatro: os clichés e estereótipos

“Tenho de desabafar com alguém do meu género”, diz Keila a Cameron quando percebe finalmente que está atraída por Bruce. Esta personagem resume-se a isto: passa a temporada a lutar contra o fascínio por alguém que é rude, que não tem nada a ver com ela. Suspira e morde o lábio. Não há profundidade, não sabemos nada sobre a sua vida anterior, o que diz é básico e irrelevante. Volta e meia surgem nos diálogos palavras como “sexismo” (que fazem lembrar o patriarcado contra o qual tanto lutava Nairobi em La Casa de Papel). Só que não serve de nada as personagens quererem parecer evoluídas, quando os comportamentos de Berlim, por exemplo, refletem exatamente o oposto. Além disso, desta vez que a ação se passa em Paris, os guionistas acharam que tinha toda a lógica incluírem clichés a cada três segundos. É que, a julgar por esta série, os franceses só consomem duas coisas: croissant e café au lait (café com leite).

Número cinco: o grupo, qual grupo?

Os macacões vermelhos viraram moda e símbolo por esse mundo fora. Em La Casa de Papel faziam com que os ladrões se pudessem misturar com os reféns, sem se saber quem era quem, mas também foram símbolo de coesão. Todas as personagens eram peças do mesmo puzzle, não se moviam sozinhas. Em Berlim podem contar-se pelos dedos as cenas em que os ladrões estão todos juntos. Cada um segue o seu arco narrativo, incapaz de viver por si só tendo em conta a fraca consistência do enredo e das personagens. Metade da temporada é dedicada à fuga após o roubo. Os ladrões dividem-se e a série tenta reproduzir desta forma alguma tensão para sabermos se conseguirão chegar ao destino. No entanto, Berlim continua em Paris, completamente despreocupado e desligado do seu bando. É assim que é suposto ficarmos a torcer mais por ele?

“Tenho andado ocupado a deitar tudo a perder”, diz Berlim a dada altura. Parece que não foi preciso muito. Bastaram oito episódios de uma prequela que, esperemos, acabe já aqui.