O editor de Fotografia do Observador, João Porfírio, recebeu esta sexta-feira o prémio Gazeta de Fotografia pelo conjunto de imagens que fazem parte das reportagens “Ucrânia — Os primeiros 75 dias de guerra”. O Gazeta, do Clube de Jornalistas, é o prémio mais importante do jornalismo português e foi entregue na Câmara Municipal de Lisboa por Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas.

No discurso de agradecimento, João Porfírio falou da sua experiência nos três primeiros meses da guerra na Ucrânia, que cobriu para o Observador. E contou como as muitas reportagens que foi fazendo e publicando o marcaram, a partir do momento em que cruzou a fronteira ucraniana, via Polónia, no segundo dia da invasão russa, e ao longo dos primeiros 75 dias de conflito, em que se manteve no país — e que tentou, depois, resumir na seleção de fotografias que lhe valeu este prémio Gazeta.

Na Ucrânia “estão a ser cometidos os mais bárbaros crimes de guerra”. “Tudo isto, há quase dois anos e a pouco mais de quatro mil quilómetros de distância de onde estamos neste exato momento”, disse o fotojornalista. As imagens, que foram publicadas entre 24 de fevereiro e 13 de junho de 2022, foram tiradas em várias cidades ucranianas, como Kiev, Buch, Irpin, Borodianka, Hostomel, Kharkiv, Mikolaiv, Odessa e Lviv.

Fotojornalista do Observador João Porfírio vence Prémio Gazeta de Fotografia

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Quase todos os discursos dos premiados da noite abordaram a crise da Global Media — incluindo o de João Porfírio que considerou que se trata de um “problema para o país que órgãos [de comunicação] daquela dimensão e relevância não consigam sobreviver”. A situação a que chegou o grupo e os profissionais dos meios de comunicação que detém (Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, Dinheiro Vivo e TSF) também dominou as intervenções do Presidente da República e do da Câmara Municipal de Lisboa.

Marcelo Rebelo de Sousa fez uma análise ao que considera terem sido os problemas que levaram à atual crise dos media — “a crise económico-financeira apoderou-se da comunicação social”, com a pandemia a ter sido “devastadora em cima da crise” — para salientar que este é o “momento” de “chegar a um entendimento de regime” sobre os meios de comunicação, num mês em que vai decorrer o Congresso dos Jornalistas.

Ao longo do seu discurso, que durou cerca de 30 minutos, o Presidente da República afirmou também que, além dessa análise, passou a “acompanhar discretamente as dificuldades de certos grupos e que eram dramáticas, (empurrava-se com a barriga para a frente)” e que “havia apoios difusos, estrangeiros, múltiplos”. Hoje, “começando a refletir sobre tudo isso”, chegou a várias conclusões: “Tudo começou na crise económica e financeira; daí passou para desvalorização dos meios de comunicação, daí passou para estarem abertos a entrada de investimentos quaisquer, daí passou a deixarem de serem interessantes”.

Para Marcelo, “interessa agora olhar para o futuro” porque “repetem-se os diagnósticos, a situação piora, vai piorando, depois é rigorosamente irrecuperável”. O Congresso dos Jornalistas, que decorre no final de janeiro, “pode ser o grande momento para a chamada de atenção” porque “acontece num momento em que os políticos estão mais atentos”, em plena campanha para as eleições legislativas, marcadas para 10 de março.

Estou realista e o realismo impõe que não se demore mais tempo, que não se encontre solução no 42.º ou 44.º [Prémios Gazeta] que é capaz de já ser tarde”, em que “pelo meio ficaram não sei quantos jornalistas, não sei quantas famílias de jornalistas, não sei quantos órgãos de informação, não sei quantas formas de escrutínio essenciais para a democracia.”

Para Marcelo Rebelo de Sousa é preciso encontrar fórmulas de modo transversal para viabilizar “aquilo que é fundamental para a democracia”. “É fundamental olhar enquanto é tempo e para o ano nos encontremos sem estes despedimentos, sem estes não pagamentos de salários, sem esta indefinição em que ninguém é responsável, não é o proprietário, não é o gestor, não é o financiador, não é ninguém com responsabilidades administrativas, morreu solteira a culpa”, salientou. “Às tantas só falta dizer [que] os responsáveis são os jornalistas. Para que quiseram ser jornalistas e escolheram a porta errada.”

Por sua vez, Carlos Moedas recordou a história do pai, jornalista, porque, para si, “é impossível falar de jornalismo” sem falar nele, na sua “paixão” e no desejo de “nunca quer deixar” a profissão. O autarca falou sobre as dificuldades dos trabalhadores desta área, mencionando a “angústia na cara” da sua mãe e “nós os filhos pensarmos que não chegávamos ao fim do mês” com dinheiro suficiente.

Um golpe como o que estamos a viver em jornais de referência é para valorizarmos a vossa profissão, para dar valor e não precariedade”, para dar “estabilidade ao jornalismo.”

Ao longo do seu discurso, Carlos Moedas apontou o desafio da inteligência artificial, dando como exemplo o processo que o norte-americano The New York Times colocou à OpenAI e à Microsoft por usar os textos dos jornalistas para treinar o ChatGPT. “Acredito profundamente que o conteúdo tem de ser pago, o vosso trabalho tem de ser pago. Não há outra solução”, disse o presidente da Câmara de Lisboa, que classificou a ação judicial interposta nos Estados Unidos como “única” e um “momento importante” no jornalismo (para mostrar que a criação dos jornalistas “tem de ser paga”).

IA. New York Times processa OpenAI e Microsoft por usarem artigos do jornal para treinar modelos como o ChatGPT

Com elogios aos premiados, Carlos Moedas destacou as fotografias de João Porfírio, editor do Observador: “As fotografias do João Porfírio são absolutamente únicas, nunca nenhuma inteligência artificial poderia fazê-las. João, aquela fotografia de uma mãe com o seu bebé nos braços no meio de uma multidão é uma fotografia que diz tudo. É uma fotografia que chora, que nos traz um sentimento que nenhum computador, nenhuma inteligência artificial podia trazer”, afirmou, antes de terminar o discurso a defender que “o jornalismo livre é essencial para a democracia” e que o “jornalismo está vivo”.

Também Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre o editor de Fotografia do Observador. “Que encantador que é ouvir a juventude do João Porfírio, que eu tive há 60 anos, que saudade”, disse.

Na cerimónia que decorreu esta sexta-feira, além de João Porfírio, foram premiados, nas mais diversas categorias, os seguintes jornalistas:

  • Amélia Moura Ramos, da SIC, venceu o prémio Gazeta de Televisão, com a reportagem “A roupa dos brancos mortos”;
  • Paula Borges, da RDP África, venceu o prémio Gazeta de Rádio, com a reportagem “Na arte de resistir – Somos Moçambique”;
  • Inês Rocha ganhou o prémio Gazeta de Multimédia, com o trabalho “Quis saber se o RPGD funciona. Então fiz download da minha vida”, publicado na Rádio Renascença;
  • O Gazeta de Imprensa teve dois vencedores: Miguel Carvalho, com a reportagem “O braço armado do Chega”, na Visão, e Pedro Caldeira Rodrigues, jornalista da Lusa, com o conjunto de reportagens “Chove em Kiev”;
  • O Gazeta Revelação foi atribuído ao jornalista Daniel Dias, pelo trabalho “Há caçadores de água da neblina que querem criar novas florestas em Portugal”, publicado no Público;
  • O Gazeta de Mérito foi para Ana Sousa Dias, “detentora de uma sólida carreira jornalística, que deixou a sua marca em diversos meios”;
  • O Gazeta de Imprensa Regional foi para o semanário diocesano Mensageiro de Bragança.