Centenas de idosos têm sido lesados pela venda de aparelhos auditivos ineficazes a crédito, quase sempre sem indicação médica e que são simples amplificadores de som, deixando frequentemente vários idosos — já em situação económica frágil — endividados sem o perceberem.

A notícia é avançada este domingo pelo jornal Público, que reuniu dados relativamente a queixas recebidas na Deco, no Portal da Queixa, na ASAE, na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e na Direção-Geral do Consumidor.

Em declarações àquele jornal, o médico Nuno Trigueiros, presidente do Colégio de Otorrinolaringologia da Ordem dos Médicos, considerou mesmo que a situação que se vive neste campo é de “selva”, em que “cada um faz o que quer”, registando-se várias empresas “que são tudo menos honestas e sérias”. De acordo com aquele médico, há mesmo empresas a prestar “serviços através de carrinhas móveis” ou a contactar as pessoas “por telefone” para tentar vender aparelhos auditivos “sem indicação médica” e na sequência de “diagnósticos completamente absurdos, ou melhor, sem diagnóstico nenhum”.

“São práticas sem qualquer seriedade, também porque não têm meios nem preparação para fazer exames rigorosos”, sentenciou. “Estamos a falar, essencialmente, de vendedores.”

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De acordo com o Público, só a Deco recebeu 835 queixas nos últimos dois anos e o Portal da Queixa recebeu 453 nos últimos cinco anos. Além de queixas relacionadas com práticas agressivas de venda, há também queixas relacionadas com uma desonestidade a nível financeiro: são muitos os idosos que acreditam que vão pagar o equipamento a prestações quando, na verdade, estão a contratar um crédito pessoal com elevadas taxas de juro. Muitos são os casos em que os idosos acabam por gastar vários milhares de euros em aparelhos de que não precisavam e que não são adequados à sua situação auditiva.

O jornal conta que há múltiplas empresas a visar especificamente os idosos mais frágeis, com mais problemas de saúde e com reformas baixas, levando a cabo operações de venda porta-a-porta ou em carrinhas onde se prometem testes auditivos.

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) diz, em declarações citadas pelo Público, que existem naquela entidade “várias denúncias” que alertam para “a proliferação de entidades que promovem campanhas publicitárias para venda de aparelhos auditivos, entidades essas que estariam a prestar serviços de audiologia, sem reunir os requisitos legais para o efeito, nomeadamente sem se encontrarem registados na ERS e sem possuírem profissionais devidamente habilitados”.

Segundo a ERS, “foram instaurados processos de investigação e adotadas diligências, entre as quais se incluem a realização de ações de fiscalização aos estabelecimentos onde se prestavam os referidos cuidados”.

Com base nos resultados desses alegados exames, os vendedores pressionam os idosos a adquirir os aparelhos auditivos, ameaçando-os com uma supostamente previsível perda de audição num futuro próximo. O Público reuniu inclusivamente testemunhos de diferentes idosos que passaram por situações destas.

Uma das idosas foi levada a contratar um empréstimo bancário para um aparelho auditivo no valor 4.980 euros, a que acresciam quase mil euros em juros do crédito pessoal escondido no negócio. Disseram-lhe que um dos ouvidos “já estava morto e que o outro ia pelo mesmo caminho” — e a suposta médica até foi a sua casa para ver a documentação bancária da idosa, que ficaria agarrada a um empréstimo de seis anos, com uma mensalidade de 82 euros, por um aparelho que nunca funcionou.