Perante os dez anos de duração da Operação Marquês, são cada vez mais as vozes que censuram a lentidão genérica nos processos de criminalidade económico- financeira. Convidados do programa “Justiça Cega” da Rádio Observador, a juíza desembargadora Carla Oliveira e os advogados Nuno Brandão e Paulo Saragoça da Matta concordam que a discrepância superior a 10 anos na resolução de casos da Operação Marquês face à criminalidade comum não é justificável mas discordam das soluções a apresentar.

O que vai acontecer ao caso Sócrates? E à Justiça?

Carla Oliveira, igualmente secretária-geral da Associação Sindical de Juízes, constata que o tempo de resolução da fase de instrução da Operação Marquês e dos respetivos recursos — que supera os quatro anos que demorou o inquérito do Ministério Público — “não faz sentido”.

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E demonstra bem como “o processo penal foi construído” para realidades que não têm a ver com “processos desta dimensão”, como a Operação Marquês. Daí que a desembargadora defenda várias medida para a fase de instrução criminal, como a restrição apenas à “validação ou não da acusação”. Tudo para terminar com a ideia de que a instrução é uma fase de antecipação da fase de julgamento.

“Não faz sentido termos um Ministério Público autónomo, qualificado, que, quando faz uma acusação, tem de repetir tudo para depois decidir apenas se a acusação deve ou não ser sujeita a julgamento. Tudo isto parece-me que não tem grande cabimento. É duvidoso que a instrução seja necessária ou mesmo útil nestes moldes e neste contexto. Há que pensar…”, avisa a juíza desembargadora.

“Fase de instrução da Operação Marquês durou “tempo demais”

Nuno Brandão, professor da Universidade de Coimbra e um dos defensores da tese sobre a contagem do prazo de prescrição a partir do último recebimento (ideia acolhida pela Relação de Lisboa), diz que “é indesejável passarmos a vida a fazer reformas atrás de reformas sem darmos oportunidade a que as leis que temos sejam devidamente interiorizadas e aplicadas nos termos em que foram pensadas”, diz.

Apesar de recordar que os tempos de resolução da criminalidade económico-financeira nunca serão os mesmos do que a justiça comum, concorda que a fase de instrução da Operação Marquês durou “tempo demais.”

Mesmo assim, Brandão alerta que que também é necessário que os “juízes de instrução cumpram a lei, e usem os poderes de disciplina da instrução que o legislador lhes dá. Porque, realmente, não há razão nenhuma para que se transforme a instrução ou numa repetição do inquérito ou numa antecipação do julgamento”, assinala.

Já Paulo Saragoça da Matta defende, por seu lado, que as propostas de reforma dos juízes e dos procuradores passam sempre por “reduzir os direitos exercíveis em inquérito, reduzir o tamanho da instrução
e a possibilidade do que é para ali fazer”. Sarcasticamente, Saragoça da Matta insiste que a “seguir, passaremos também à redução da possibilidade de exercermos contraditório às testemunhas em julgamento, porque aí será mais rápido ainda”, afirma com recurso à ironia.

Pessimista, Saragoça da Matta nem acredita que seja exequível “reduzir direitos”. “Para que as pessoas percebam, o que é que acontece no inquérito quando o arguido requer a produção de prova? O Ministério Público, por regra, indifere porque não é necessária. E quando chega ao tribunal de instrução criminal,
o que é que acontece? O Tribunal indifere porque acha que não é necessário. É isto que acontece. Todos os dias. Eu tenho milhares de casos em 20 anos que podia exibir em público para que as pessoas percebessem que esta medida de reduzir direitos não vale a pena. Já não existe. Estamos só de direitos que não existem”, afirma.

Saragoça da Matta nem acredita que seja possível impor um prazo ao Ministério Público para realizar o inquérito criminal mas admite que seja necessário tentar reformar os incidentes processuais — um autêntico maná para a defesa José Sócrates. “Se nós estamos sempre a requerer incidentes de recusa de juízes, isso é inadmissível. Não é um. Se fizer sete, não faz sentido.

A juíza desembargadora Carla Oliveira, por seu lado, acrescenta outra possíveis soluções de forma clara e objetiva: “menos megas processos, a redução do objeto de instrução, a possibilidade do juiz por despacho, e de forma irrecorrível, travar a utilização abusiva dos direitos processuais e remeter tudo para um apenso para serem apreciadas no final do processo. Ou seja, não é retirar garantias, é não permitir que o uso abusivo dos direitos impeça o prosseguimento do processo”, garante.

E, finalmente, “permitir o efeito suspensivo dos recursos apenas em casos em que se tivesse em causa uma situação de liberdade, uma situação irreversível das liberdades”, conclui.

Ouvir aqui episódio integral do “Justiça Cega”